Acórdão nº 460/11.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I.

  1. “Laboratórios AA, Lda” intentou contra “BB - PRODUTOS FARMACEUTICOS, SA” a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária, pedindo: a) – O reconhecimento e a declaração de que a Autora é legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua … n.

    os …, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º …, da freguesia do Campo Grande, (com a anterior descrição em livro n.º …), condenando-se a Ré a reconhecer tal direito; b) – A condenação da Ré a devolver tal prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens; c) – A condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização, a liquidar no decurso do processo ou em incidente subsequente à sentença pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra, e que terão por base, no mínimo, o valor locativo de mercado, correspondente ao possível arrendamento do mesmo; d) – A condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 1.500 por dia, a partir da data do trânsito em julgado da sentença e até ao seu efectivo cumprimento.

    Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, ser proprietária do prédio mencionado, encontrando-se inscrita no registo a aquisição a seu favor, sendo que a Ré o ocupa, sem qualquer título, recusando-se a entregá-lo à Autora.

    A Ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da acção e, deduzindo reconvenção contra a Autora, pediu o reconhecimento e a declaração de ser ela a legítima possuidora e proprietária do prédio em causa, condenando-se a Autora a reconhecer esse direito.

    Alega, para o efeito, que, desde 8/04/1988, está na posse do referido prédio, a qual se manteve ininterruptamente até à presente data, de forma pública, pacífica e de boa – fé, nunca tendo tal posse sido contestada até Janeiro de 2011, pelo que adquiriu a propriedade do referido prédio por usucapião.

    As partes ainda replicaram e treplicaram, mantendo, contudo, as suas posições já defendidas nos seus anteriores articulados.

    Oportunamente foi proferida sentença (fls. 1017 a 1033), tendo sido decidido: a) - Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Ré de todos os pedidos contra si formulados; b) - Julgar a reconvenção procedente, por provada, e, em consequência, reconhecer e condenar a Autora a reconhecer que a Ré é titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na CRP de Lisboa sob o n.º … (anterior descrição n.º …, do Livro n.º 67), sito na Rua …, n.

    os …, em Alvalade, freguesia do Campo Grande, Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o artigo …, por o ter adquirido por usucapião; c) - Ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor da Autora que impende sobre o mesmo prédio.

    Inconformada com a decisão, a Autora recorreu, pedindo a sua revogação e substituição por outra em que se dê como improcedente o pedido reconvencional e procedentes os pedidos da acção, com o fundamento de que, tendo a Autora registado a seu favor a propriedade do prédio, se presume ser titular desse direito.

    Por acórdão de 11/11/2014, o Tribunal da Relação, na procedência da apelação e improcedência da reconvenção, decidiu: 1º - Revogar totalmente a sentença recorrida e, em sua substituição: a) – Declarou que a Autora é a legítima proprietária do prédio urbano, sito na Rua …, n.

    os …, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º …, da freguesia do Campo Grande (com a anterior descrição em livro n.º …), condenando a Ré a reconhecer tal direito e a devolver esse prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens; b) – Condenou, ainda, a Ré a pagar à Autora: i - Uma indemnização, a liquidar em incidente a tramitar no processo de execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra; ii - Uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia, a partir da data do trânsito em julgado desta decisão e até ao seu efectivo cumprimento; 2º – Absolveu a Autora do pedido reconvencional que a Ré contra ela havia deduzido.

    Não se conformando com esta decisão, recorreu de revista a BB, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª – O Tribunal da Relação considerou improcedente a argumentação expendida pela ora Recorrente no que se refere à inexistência de reapreciação da prova gravada, o que viola frontalmente o disposto no artigo 640º do CPC.

    1. - O artigo 640º, n.º2 é peremptório ao prever que, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se fundou o recurso".

    2. - A ora Recorrida não mencionou expressamente no seu Recurso a sua intenção de reapreciação da prova gravada, sendo isso apenas deduzido pela ora Recorrente, atento o prazo de interposição do Recurso, aproveitado por aquela.

    3. – A ora Recorrida não mencionou igualmente em qualquer parte do seu Recurso qualquer passagem da gravação do depoimento das testemunhas e em que medida esses eventuais depoimentos impõem que os artigos 2º e 5º da Base Instrutória sejam considerados" não provados".

    4. - A ora Recorrida procedeu unicamente a uma referência genérica e ampla a depoimentos, a qual é necessariamente imprecisa em face da duração considerável dos mesmos.

    5. - A invocação de uma alegada contrariedade dos artigos da Base Instrutória não constitui, igualmente, objeto de uma reapreciação da prova gravada.

    6. - Como tal, a ora Recorrida não logrou cumprir no seu Recurso de Apelação os requisitos formais exigidos por lei, mais precisamente a indicação com precisão, nem tão-pouco de uma forma aproximada, das passagens da gravação em que funda o seu Recurso, o que impõe a sua imediata rejeição.

    7. - O Tribunal da Relação substituiu-se indevidamente à ora Recorrida, na medida em que, tendo aquela omitido um ónus de alegação, aquele Tribunal invocou em seu auxílio que os depoimentos não foram discriminados pois deveriam ser analisados na sua globalidade.

    8. - Resulta claro do exposto que o Tribunal da Relação retirou uma conclusão sem que isso tivesse sido oportunamente alegado pela então Recorrente, como lhe cabia em face do ónus de especificação decorrente do 640º do CPC.

    9. - Por outro lado, e mesmo que se considere ser ainda assim possível a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tendo por referência a prova documental, sempre se dirá que a mera remissão para documentos já juntos aos autos, sem que haja uma verdadeira análise crítica dos mesmos, afasta-se igualmente dos requisitos do artigo 640º do CPC, devendo o Recurso ser rejeitado.

    10. - O presente Recurso é extemporâneo, pois foi interposto no dia 14/10/2013, mais precisamente no segundo dia útil subsequente ao termo do prazo (42º dia), como o recurso tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada.

    11. - A ora Recorrida fez um uso abusivo do prazo mais dilatado de 40 dias para interpor o Recurso, especialmente previsto para os casos de reapreciação da prova gravada, o que pressupõe que lançasse real e efetivamente mão desse mecanismo, o que não se verificou.

    12. - Não colhe o entendimento do Tribunal da Relação expendido no acórdão recorrido quando considera que basta a "simples invocação de que se pretende impugnar a matéria de facto declarada provada", pois tal entendimento conduziria a uma subversão da “ratio legis” do artigo 640º do CPC, para além de incentivar uma subversão do normal prazo de interposição de um Recurso, os normais 30 dias, como mera estratégia processual.

    13. - Uma vez que o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o ato, o presente Recurso devia ter sido imediatamente rejeitado, por extemporâneo, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

    14. - Mesmo que assim não se entendesse, sempre deveria ter sido mantida a decisão da primeira instância e dar como provados os artigos 2º e 5º da BI.

    15. - A ora Recorrida (então Recorrente) veio alegar que fossem considerados como não provados os artigos 2º e 5º da BI, face aos documentos de fls. 366 a 374 e de fls. 745 a 916 e ao constante do artigo 6º da BI, tendo o Tribunal da Relação decidido favoravelmente à argumentação da então Recorrente (ora Recorrida).

    16. - Tendo havido excesso de pronúncia pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão Recorrido.

    17. - Pois, quanto ao artigo 5º da BI, enquanto tinha sido pedido que o mesmo fosse considerado como Não Provado, o Tribunal da Relação declarou o mesmo como «não escrito», por considerar que a ignorância ou desconhecimento não é um facto, pronunciando-se em sentido diverso do alegado pelo então Recorrente (ora Recorrida).

    18. - De igual modo, a ignorância (desconhecimento) é em si um facto, e um facto sujeito a prova, tendo a ora Recorrente provado em 1ª instância o mesmo com base em prova testemunhal e documental.

    19. - Não se podendo ignorar que dos autos consta, conforme os pontos 9º e 11º da BI que foi registada definitivamente (no Registo Predial) a aquisição da propriedade pela Recorrente (através da sua antecessora CC).

    20. - Pois, nos termos do artigo 79º do Código do Registo Predial /I O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define", pelo que havendo presunção legal de propriedade, obviamente se ignorava estar a lesar alguém.

    21. - Recordando-se também a presunção estabelecida no artigo 1268º do Código Civil.

    22. - Pelo que deverá ser considerada nula a decisão do Tribunal da Relação ora recorrida quando considera como não escrito o artigo 5º da BI, por violação dos artigos 615º, nº 1, alínea b) e 662º nº 1 do CPC.

    23. - É igualmente nula a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa por violação do disposto nos artigos 635º, n.

      os 2, 4 e 5 em conjugação com os artigos 639º e 640º do CPC, porquanto o acórdão decide para além do especificado pela então...

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