Acórdão nº 421/14.1TAVIS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, ..., antes de ser preso preventivamente, foi julgado em processo comum e por tribunal coletivo na Comarca de Viseu, Instância Central, Secção Criminal, Juiz 1, e condenado por acórdão de 24/11/2014 na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime do art. 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro.

Recorreu inconformado para o Tribunal da Relação de Coimbra, por pretender outra qualificação do seu comportamento e, sem prescindir, a aplicação de uma pena mais leve. Os autos seriam remetidos depois a este STJ porque considerado competente para conhecer do recurso. A - FACTOS Deram-se por provados os seguintes factos: "No dia 1 de Março de 2014, cerca das 18:30 horas, o NIC da GNR de Santa Comba Dão deu cumprimento aos Mandados de Busca à residência do arguido, a qual foi determinada por despacho proferido no âmbito do Inquérito n° 131/13.7GDSCD, a decorrer nos Serviços do Ministério Publico da comarca de Santa Comba Dão, onde o ora arguido se encontra a ser investigado pelo crime de violência doméstica.

No decurso dessa busca, foi encontrado e apreendido ao ora arguido o constante do Auto de Busca e Apreensão de fls. 13 e v. dos autos, cujo conteúdo aqui damos por inteiramente reproduzido, designadamente: -dentro dos bolsos do casaco que trazia vestido, dois (2) pacotes, cada um deles com cinco placas, de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 1004,5 g; -dentro das calças que trazia vestidas, quatro (4) placas de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 393,60 g; -no quatro de dormir, ocultado entre as roupas, uma (1) placa de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 98,1 g; -no quarto de dormir, em cima da cama, um (1) pedaço de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 1,3 g; -quatro (4) telemóveis; -um (1) computador portátil.

Efectuado teste rápido aos produtos encontrados, os mesmos reagiram positivamente ao haxixe.

Submetidos a exame laboratorial pelo LPC, os produtos apreendidos ao arguido revelaram as características da canábis (resina) - substância prevista na Tabela I - C anexa ao DL- 15/93 - com os pesos líquidos de 1000,930 g., de 393,440 g., de 97,990 g., de 1,471 g., respectivamente - produtos esses que dariam, para quatro mil, duzentas e quarenta e duas (4.242) doses individuais diárias.

O arguido conhecia as características dos produtos que detinha e que destinava, na sua grande maioria, à venda a terceiros consumidores de tal produto, bem sabendo tratar-se de produtos estupefacientes e de que a sua compra, detenção, venda e/ou cedência era proibida e punida por lei.

E, ciente de tal, o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e criminalmente punidas.

Não constam do CRC do arguido quaisquer condenações.

O arguido consome esporadicamente haxixe.

À data dos factos, o arguido encontrava-se emigrado no Luxemburgo como manobrador de gruas, por conta da empresa luxemburguesa "... CS.A", auferindo dois mil euros, mantendo também residência em Viseu, onde permanecia aquando das deslocações a Portugal para visitar a família.

No Luxemburgo, o arguido residia numa auto caravana que havia adquirido.

O arguido iniciou o seu percurso escolar na idade normal, tendo concluído o 12° ano e ingressado em Engenharia Civil no Instituto Politécnico de Tomar.

Entretanto, ingressou nos Fuzileiros onde permaneceu durante 2 anos e meio, cumprindo o serviço militar obrigatório como oficial. Por tal motivo, interrompeu os estudos, retomando o curso, com 22 anos, no mesmo estabelecimento de ensino superior.

Tendo iniciado, nessa altura, o consumo de haxixe e progredindo para a heroína, acabou em 1997 por ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, tendo cumprido prisão efectiva.

Retomando os estudos e pedindo a transferência para o Instituto Politécnico de Viseu, concluiu a licenciatura no ano de 2008.

O arguido viveu em união de facto com ... de quem tem duas filhas de 7 e 5 anos de idade, tendo-se separado em Agosto de 2013.

O arguido, não obstante desde 2002 encontrar-se a ser acompanhado no Centro de Respostas Integradas do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências de Viseu, a sua adesão ao tratamento tem sido sempre muito ambivalente, por nunca ter abandonado os consumos de haxixe e marijuana.

Actualmente, encontra-se inserido no programa de substituição opiácea com tomas diárias de "Subtex", programa a que se encontrou sujeito mesmo durante a sua estadia no Luxemburgo.

No estabelecimento prisional onde se encontra o arguido vem mantendo um comportamento instável e contrário às normas da instituição, tendo sido sujeito a duas penas disciplinares." B – RECURSO Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do arguido: "1- O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o arguido pela prática como autor material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2- Entendeu o Tribunal "a quo" que, em face da quantidade de produto estupefaciente detida, sensivelmente um quilo e meio (1.493,831 gramas) e o destino que o arguido/recorrente lhe pretendia dar, não seria de aplicar a norma do supra citado art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, porque a ilicitude dos factos por ele praticados não se mostra consideravelmente diminuída mas antes acentuada.

3- Ora, não podíamos estar mais em desacordo com a posição assumida neste douto Acórdão.

4- Logo após a entrada em vigor do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e durante algum tempo, a jurisprudência fez uma interpretação algo restritiva do seu art. 25º, quase o vazando, remetendo para o art. 21º a generalidade das situações de tráfico de estupefacientes.

5- Posteriormente, e nos anos mais recentes, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STJ, afluiu no sentido de que «a integração do tráfico de menor gravidade do art. 25º não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta», pois que «resulta, designadamente da moldura prevista na sua al. a), a ilicitude pode ser considerável; deve é situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art. 21º, já que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral.» -tudo cfr. Acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 1999, proc.º nº 912/99.

6- Por outras palavras, «os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de "considerável diminuição de ilicitude" - cfr. acórdão do S.T.J., de 13 de Abril de 2005 (C.J. nº 184º, pág. 173).

7- Neste espírito legal, a jurisprudência vem alargando o campo de aplicação do art. 25º, do DL nº 15/93, aos p. ex. "retalhistas de rua", sem ligações a quaisquer redes e que desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes.

8- Pelo que, tanto a quantidade de estupefaciente traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influenciam decisivamente na aferição da gravidade do tráfico permitindo diferenciar entre os grandes (artºs 21º, 22º e 24º do Dec. Lei nº 15/93) e os pequenos traficantes (art.º 25º do Dec. Lei nº 15/93).

9- Por conseguinte, e depois de uma fase inicial de pouca receptividade da jurisprudência a esta "válvula de segurança" do sistema, destinada a evitar a parificação de situações de tráfico menor às de tráfico importante e significativo, com a correspondente desproporcionalidade das penas, acabou por a admitir generalizadamente, na sua finalidade de equilíbrio, acolhendo vários fundamentos para o efeito: desde logo, procedendo à valorização global ou integral do incidente, não se mostrando suficiente que (apenas) um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, mas exigindo, ao invés, que os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações diferenciem a situação da paradigmática do artigo 21º do já supra citado diploma legal.

10- Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos artºs 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada.

11- Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).

12- Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como já se referiu, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007).

13- Retomando a previsão legal tipificada no artº 25º, é de enaltecer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. E, deverá ter-se ainda em conta, a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.

14- No que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.

15- Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou...

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