Acórdão nº 2647/06.2TAGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA foi condenado, por acórdão de 19 de Dezembro de 2013, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de - um crime de burla qualificada, previsto e punido nos arts. 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, 202.º, al. a), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros); - um crime de falsificação de documento, previsto e punido nos arts. 256.º, n.º 1, al. c), e n.º 3, 255.º, al. a), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros); - e, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), - mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 379 a 407, com a redução operada a fls. 670 a 674, e, em consequência, «foi absolvida a demandada “... – Comércio de Electrodomésticos, Unipessoal, Ld.ª” do pedido de indemnização civil contra ela formulado pelos demandantes BB e CC; foi absolvida a demandada “... Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” do pedido de indemnização civil contra ela formulado pelos demandantes BB e CC; foi condenado o demandado AA a pagar aos demandantes BB e CC a quantia de € 1.329,82 (mil trezentos e vinte e nove euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 15/05/2012 até efectivo e integral pagamento; foi condenado o demandado AA a pagar aos demandantes BB e CC a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo € 750,00 (setecentos e cinquenta) para cada um dos demandantes, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da decisão até integral pagamento, absolvendo-o do mais pedido» - e foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 502 a 507 e, em consequência, «foi condenado o demandado AA a pagar à demandante “... Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” a quantia de € 7.213,00 (sete mil duzentos e treze euros), acrescida de juros de mora desde 06/09/2002 até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 7% até 30/04/2003 e de 4% a partir dessa data.» 2.1.

Inconformados com a decisão, vieram os assistentes/demandantes CC e BB interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, quanto à condenação em matéria cível, por entenderem terem sido violados os artigos 10.º e 73.º do Código Penal, bem como os artigos 212.º, n.º 2, 213.º, n.º 2, 473.º, 483.º, n.º 1, 496.º, n.ºs 1 e 3, 500.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 10 de Julho de 2014, veio decidir aquele recurso julgando-o parcialmente procedente e, em consequência: - julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria e absolveu as demandadas “... Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” e “... – Comércio de Electrodomésticos, Unipessoal, Ld.ª” da instância civil enxertada; - condenou o demandado AA no pagamento a cada um dos demandantes BB e CC da quantia de duzentos e cinquenta euros de indemnização pela privação do uso das mobílias e restantes bens objeto da penhora e da quantia de dois mil e quinhentos euros de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência dos factos destes autos; - mantendo em tudo o mais a sentença recorrida.

2.2.

Os assistentes/demandantes requereram a aclaração daquele acórdão, solicitando que fosse esclarecido se o montante constante do pedido de indemnização civil formulado contra o “... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” de 4.186,87 euros, peticionado a título de juros, também se encontra abrangido pela declaração de incompetência em razão da matéria que conduziu à absolvição da instância cível daquela sociedade. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 3 de Novembro de 2014, proferiu decisão em que afirma que “no caso em análise, ocorreu total absolvição da instância cível contra as demandadas “... – Comércio de Electrodomésticos, Unipessoal, Ld.ª” e “... Crédito, S.A.”, resultando claramente do acórdão recorrido que a mesma abrange também a quantia supra referida e que era peticionada a título de frutos civis”, julgando improcedente, na totalidade, a aclaração pedida.

  1. Igualmente inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, vieram os assistentes/demandantes CC e BB interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na violação dos artigos 10.º e 73.º do Código de Processo Penal.

    Entendem os assistentes/demandantes que, da factualidade vertida para os autos, se pode extrair que as demandadas são corresponsáveis pelos factos imputados ao arguido, pois apesar de não terem praticado qualquer ato criminoso, praticaram atos e omissões que permitiram ao arguido a prática do crime. A isso acresce que, por força do princípio da adesão, é esta a sede para aferir das nulidades e ilegalidades cometidas pelas sociedades demandadas no âmbito do contrato que entre si realizaram.

    Concluem, assim, ser o 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães competente para a apreciação do pedido de indemnização civil por eles formulado no âmbito dos presentes autos.

    Na interposição do recurso apresentaram as seguintes conclusões: «1ª Vem o presente recurso interposto do acórdão de folhas..., o qual absolveu da instância os demandados civis ... - COMÉRCIO DE ELECTRODOMÉSTICOS, UNIPESSOAL, LDA e ... CRÉDITO -INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A, porquanto postergou ser incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido indemnizatório formulado nos autos pelos ora recorrentes.

    1. Os assistentes, ora recorrentes, entendem, no entanto, que não se verifica a declarada incompetência material, razão pela qual interpõe o presente recurso, almejando a prolação de um acórdão por este Alto Tribunal que, declarando a inexistência dessa incompetência material, ordene ao Tribunal da Relação de Guimarães a apreciação do recurso que foi interposto pelos assistentes a folhas...

    2. O acórdão recorrido, entende que a factualidade cometida pelas demandadas civis assentam numa causa de pedir e fundamento da responsabilidade distintos dos factos que integram os crimes de burla e de falsificação, daí extraindo a conclusão de que o Tribunal se tem como incompetente em razão da matéria para a apreciação do pedido de indemnização civil.

    3. Sucede que bastava aos demandos cumprirem os deveres legais a que estavam obrigados e nunca o crime cometido pelo arguido se teria consumado, posto que o crime de burla é um crime de resultado.

    4. Na verdade, bastava a demanda ... exigir ao arguido que as assinaturas do contrato fossem colocadas presencialmente e nunca o crime teria sucedido.

    5. Mas, ainda que essa demandada não tivesse cumprido esse imperativo legal, bastava também que a demandada ... cumprisse o dever legal da análise das assinaturas para desde logo dar conta da sua falsificação grosseira.

    6. Nesta medida, a conduta das Demandas está intrinsecamente ligada à consumação do crime, motivo pelo pela qual será a sede criminal a competente para a apreciação do pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes, sendo então admissível a pretensão dos recorrentes, tudo nos termos do artigo 73º do Código de Processo Penal.

    7. Na verdade, e tal como nos ensina o Conselheiro Henriques Gaspar, a responsabilidade meramente que civil a que alude o artigo 73º do Código de Processo Penal cinge-se, também, ao apuramento da responsabilidade daquelas pessoas que " não sendo penalmente co-responsáveis pelo facto imputado ao arguido no processo penal, pode ser responsáveis civilmente pelos danos sofridos pelo lesado." - Cfr. Henriques Gaspar in Código de Processo Penal comentado, Almedina Editora, 2014, pág. 270.

    8. Ora, a factualidade vertida nos autos, permite até, extrair que as demandadas são co responsáveis pelos factos imputados ao arguido, posto que, apesar de não terem praticado qualquer acto criminoso, praticaram actos e omissões que permitiram ao arguido a prática do crime.

    9. Por outro lado, também por força do principio da adesão a que os assistentes estão adstritos por força do disposto no artigo 71º do Código de Processo Penal, será esta a sede para aferir das nulidades e ilegalidades cometidas por essas sociedades demandadas no âmbito do contrato que entre si realizaram, procedendo-se, de igual modo, e se necessário, à qualificação jurídica desse contrato, tudo com o escopo de determinar a existência de qualquer acto ou omissão por parte dessa sociedades que constitui uma acto ilícito gerador de obrigação indemnizatória.

    10. Assim, sendo, e atento a todo o exposto, deverá ser proferido acórdão que declare este, sede a competente para a apreciação do pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes e, como tal, ordene ao Tribunal da Relação de Guimarães a apreciação do recurso de folhas...

    11. A sentença recorrida, violou ou fez errada interpretação do disposto nos artigos 10º e 73º do Código de Processo Penal, não podendo, pois, manter‑se.» 4. Admitido o recurso e efetuadas as notificações legais, os demandados nada disseram.

  2. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, usando a faculdade prevista no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, não emitiu pronúncia sobre o fundo da questão, dado o Ministério Público carecer de legitimidade para o efeito.

  3. Notificados do parecer do Ministério Público...

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