Acórdão nº 8/13.6GAPSR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1– No âmbito do processo nº 8/13.6GAPSR do Tribunal de Ponte de Sôr, foi julgada a arguida AA e condenada, por acórdão de 2014.03.20, pela prática dos seguintes crimes previstos e punidos no Código Penal cometidos em autoria material: - um crime de furto qualificado na forma tentada, do n° 1 do art. 204°, al. j) conjugado com o n° 1 do art. 203°, al. c), n°2 do art. 22°, nºs 1 e 2 do art. 23° e com as als. a) e b) do n° 1 do art. 73°, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão; - um crime de furto qualificado da al. a) do n° 1 e da al. e) do n° 2 do art. 204°, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão; - um crime de furto qualificado das als. a) e e) do n° 1 e da al. e) do n° 2 do art. 204º na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de furto qualificado, da al. e) do n° 2 do art. 204°, conjugado com o n° 1 do art. 203°, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; - um crime de furto, do n° 1 do art. 203°, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; - um crime de furto qualificado da al. e) do n° 2 do art. 204°, conjugado com o n° 1 do art. 203°, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão; - um crime de furto qualificado da al. e) do n° 2 do art. 204°, conjugado com o n° 1 do art. 203°, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão; - um crime de desobediência simples da al. b) do n° 1 do art. 348° do, na pena de 3 meses e 15 dias de prisão; - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário da al. b) do n° 1 do art. 291° e da al. a) do n° 1 do art. 69° na pena de 10 meses de prisão.

Relativamente a este último crime foi ainda condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses.

Em cúmulo das sobreditas penas parcelares foi condenada na pena única de 10 anos de prisão a que acresce a pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

Foi ainda condenada a pagar à demandante BB a quantia de € 1.100,00 acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.

Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 2014.09.16, lhe negou provimento confirmando a decisão recorrida.

Interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. A natureza da figura de crime continuado, foi e é debatida sob a análise de teorias que pendem para uma predominância de um elemento subjectivo ou de um elemento objectivo; 2. Discute-se se o crime continuado é uma unidade real ou natural ou se estamos perante uma ficção. E se estamos, de que tipo; 3. Pode-se considerar o crime continuado como um crime sul generis, um terceiro crime; contudo, cremos ser de perfilhar a posição de GERMANO MARQUES DA SILVA, ao considerar que estamos perante uma pluralidade de crimes unificados, estritamente para efeitos de punição.

4. Tal posição é a que parece adoptada pela previsão legal da figura, no Código Penal Português, que antecipa que a existência e manutenção do crime continuado no nosso ordenamento está relacionada com uma necessidade de simplificação processual e determinação / aplicação da penas; 5. Contrariamente, questiona-se se a simplificação processual mencionada na conclusão anterior, poderá legitimar assim, a aplicação de uma pena mais leve a um agente que merecia ser punido de forma mais severa; 6. Contudo temos que o fundamento da figura não deve ser nunca motivos de ordem processual, que seriam frágeis e insuficientes para obstar a justa condenação do criminoso; 7. Devido às suas características existe alguma facilidade em surgirem confusões com outras figuras. Nomeadamente, aquelas que assentam também numa pluralidade de acções. A destrinça normalmente é efectuada na forma em como essa mesma pluralidade é tratada para fins punitivos (efectivamente como uma pluralidade, ou em contrapartida, como unidade) e suas consequências (que tanto podem ser atenuantes, como agravantes); 8. Da comparação com outras figuras, retira-se a ideia-chave do conceito de crime continuado, na qual assenta toda a sua complexidade: a existência de uma situação exterior, que diminua consideravelmente a culpa do agente.

9. O art. 30.º/2 do Código Penal tem subjacente a ideia de um concurso de crimes, ao afirmar que o crime continuado assenta numa violação plúrima ou de um único preceito legal, ou então de várias normas, que por protegerem essencialmente o mesmo bem jurídico, merecem da mesma forma um tratamento unitário; 10. No presente caso temos, a prática pela Arguida de diversos crimes, contudo e por protegerem o mesmo bem jurídico, merecerão desta forma um tratamento unitário; 11. Da norma legal resultam vários pressupostos que têm sido amplamente desenvolvidos na doutrina e jurisprudência. O crime continuado pressupõe, assim: uma realização plúrima; a protecção do mesmo bem jurídico; a homogeneidade da execução; uma situação exterior que diminua a culpa que por sua vez conduz a punição diferenciada; e ainda exige-se uma certa conexão temporal; 12. A cada uma das realizações plúrimas corresponde uma resolução criminosa distinta. A rica jurisprudência elaborada neste tema é unânime, afirmando que a pluralidade de actividades corresponde a uma afirmação também ela plúrima da volição ou vontade criminosa; 13. Recusam-se assim teorias que defendam a unidade da resolução criminosa; o que existe sim é uma unificação das várias resoluções para fins punitivos; 14. Esse fenómeno de unificação, para se efectivar, necessita de urna dependência mútua, que vai assim conduzir a uma desnecessidade de um juízo de culpa individual; 15. A pluralidade de infracções não tem de ser respeitante a uma só norma jurídica penal, uma vez que a estatuição do art. 30.

2/2 do Código Penal prevê a possibilidade das condutas criminosas se encaixarem em distintos tipos legais —para tal apenas têm de fundamentalmente proteger o mesmo bem jurídico; 16. A protecção do mesmo bem jurídico traduz-se, por sua vez, na ideia elementar de "relações de parentesco"; o debate tem sido diverso na concretização deste elemento e não concretamente conclusivo. O espírito que é importante reter é que além dos casos óbvios onde existe a tutela do mesmo bem (através de dois tipos, um simples e um outro agravado), o crime continuado deve ser aplicado sempre que exista a tutela de um mesmo interesse; 17. A situação exterior que diminua a culpa é o elemento no qual reside toda a complexidade da figura do crime continuado. Como consequência, a doutrina e a jurisprudência tem sido profícua no desenvolvimento do mesmo; 18. Conclui-se, assim, que a «situação exterior que diminua a culpa», traduz-se em solicitações externas, reais e consideráveis, que influenciam a renovação da resolução criminosa por parte do agente. É este condicionamento na determinação da vontade que consubstancia uma valoração menor da culpa; 19. A conexão temporal é um pressuposto do crime continuado que não está tipificado. Não tem sido alvo de elevado desenvolvimento, sendo por parte de alguma doutrina (portuguesa e estrangeira) considerado como secundário, embora com a consciência que permite uma melhor e mais fácil caracterização; 20. Porém, a jurisprudência tem adoptado amplamente a necessidade de, entre a prática dos vários crimes, se verificar uma ligação temporal que se tenha como relevante; 21. A manutenção da figura é incentivada por razões de ordem prática, uma vez que sem a figura do crime continuado teríamos de aplicar as regras gerais do concurso, que conduziria inevitavelmente a uma maior complexidade As repercussões de uma figura com o crime continuado são diversas, tanto no plano processual como no substantivo; 22. Esta figura assenta a sua particularidade na situação exterior que diminua consideravelmente a culpa, com consequências acentuadas em vários planos; Temos que no caso vertente, a Arguida, praticou vários crimes de furto, desde logo através de um " modus operandi " basicamente idêntico, isto é conseguiu, de forma variável, introduzir-se nas residências dos diferentes ofendidos e dali retirou os bens e valores, que ali encontrou e lhe interessaram.

Prende-se com o facto de as condutas integradoras dos crimes por que foi condenada se encontram unidas por um laço de proximidade espacial e temporal, o que constitui um indício de que terão sido levadas a cabo no âmbito de uma mesma solicitação exterior.

Sucede que a conexão temporal invocada pela Arguida, face às condutas parcelares praticadas pela mesma, deixa claro que a referida conexão tem vindo a ser considerada, por alguma jurisprudência, não um dos pressupostos do crime continuado, mas antes um indicio de que as diferentes condutas ilícitas possam ter origem numa mesma solicitação exterior, elemento que é constitutivo da figura jurídico penal de que a recorrente se pretende valer.

Razão pela qual, atento aos factos e fundamentos da presente Motivação, deverá o Acórdão proferido ser alterado e em consequência ser reconhecido a existência no que aos crimes de furto diz respeito, a existência de um crime continuado, com as legais consequências.

» O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso concluindo que de acordo com a matéria de facto dada por provada não ocorreu qualquer circunstância exterior que motivasse a arguida a repetir a prática do crime, que fosse determinante para continuar na senda criminosa e lhe diminuísse consideravelmente a culpa, a impor um só juízo de censura.

Razão pela qual se deve ter como afastada a existência de um único crime ou de um crime continuado.

Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer em que considera: - Ser irrecorrível o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora quanto aos crimes e medida das penas parcelares a que a recorrente foi condenada, de acordo com os arts. 432°, n° 1, b), e 400º n° 1, f) do CPP, sem haver violação de qualquer direito constitucional (arts. 20.° n.° 2 e 215.° 2 e 3 da Constituição).

- Verificar-se essa irrecorribilidade porque as penas que foram aplicadas à recorrente na la instância por autoria de cada um dos 9...

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