Acórdão nº 67/13.1TTBCL.P1.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - AA instaurou a presente ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra BB – …, EEM, pedindo que seja: a) Considerado que existia um contrato de trabalho entre as partes; b) Declarada a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências; c) A Ré condenada a efetuar os descontos para a Segurança Social à taxa legal desde 29/11/2001 até à data da sentença e, ainda, a pagar ao Autor: a) - A quantia global de € 23.034,81, relativa a créditos laborais vencidos e não pagos; b) - A quantia global de € 16.652,82, a título de indemnização por antiguidade e danos não patrimoniais; c) - As retribuições vencidas desde os 30 dias que antecederam a propositura da presente ação até ao trânsito em julgado da sentença nela proferida, à razão de € 717,50 por mês; d) - Os juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, contados desde a data do despedimento e até integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que: - Esteve ligado por contrato de trabalho à Ré, desde 29/11/2001 até 30/07/2012, data em que esta procedeu ao seu despedimento mediante comunicação verbal; - Essa comunicação configurou um despedimento ilícito, por não ter sido precedida de procedimento disciplinar; - A Ré nunca lhe pagou a remuneração correspondente a férias, bem como os subsídios de férias e de Natal; - Por causa do comportamento descrito, sofreu danos de natureza não patrimonial, que pretende ver ressarcidos.

A ação prosseguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença de 3 de maio de 2014, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo totalmente improcedente por não provada a presente ação e, consequentemente: 1.Absolvo a ré “BB – …, EEM” dos pedidos contra si formulados pelo autor AA.

  1. Absolvo o autor do pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela ré.

    Custas a cargo do autor e da ré, na proporção de 9/10 para o autor e 1/10 para a ré.» 2 - Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Guimarães a conhecer do recurso por acórdão datado de 14 de maio de 2015, nos seguintes termos: «Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, e na revogação parcial da sentença, condena-se a Recrdª a: a) A reconhecer que a relação laboral existente entre o Autor e a Ré configura um contrato de trabalho sem termo; b) A pagar ao A. a quantia de vinte mil setecentos e setenta e três euros e trinta e seis cêntimos (20.773,36 €), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 31/07/2012 até integral pagamento.

    Custas por ambas as partes na proporção de vencidas.» 3 - Insurgiu-se a Ré mediante o presente recurso de Revista, apresentando as respetivas alegações, no âmbito das quais formulou as conclusões seguintes: «I - Na definição legal (artigo 1152º do Código Civil e artigo 10º da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.048, de 24 de novembro de 1969, aplicável in casu, atenta a data de início de funções do Autor), "contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta".

    II - Por sua vez, o "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual com ou sem retribuição” (artigo 1154º do Código Civil).

    III - Confrontadas as definições supra referidas, impõe-se a conclusão, doutrinal e jurisprudencialmente assente, de que são dois os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho: a subordinação económica, traduzida no facto de o trabalhador receber do dador do trabalho certa retribuição; a subordinação jurídica, traduzida no facto de o trabalhador desenvolver a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da entidade patronal.

    IV - Se a distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço não é difícil na teoria, conforme reiteradamente salientado pela doutrina e pela jurisprudência, o mesmo não acontece na prática, devido às dificuldades de concretização da referida subordinação jurídica, que é o elemento que verdadeiramente distingue um contrato do outro.

    V - Essencial é a análise de todo o circunstancialismo da celebração e execução do contrato, atentando na vontade revelada pelas partes e nas condições do exercício da atividade.

    VI - Face à factualidade provada vinda de elencar, impor-se-á ter por demonstrado que o contrato firmado entre Autor e Ré foi, realmente, um contrato de prestação de serviço.

    VII - Na realidade, conforme salientado em jurisprudência constante desse Colendo Tribunal (cfr., por todos, o douto Acórdão de 08/10/2014, proferido no Recurso n.º 168/10.8TIVNG.P3.S1), "tendo o contrato entre as partes sido reduzido a escrito, o “nomen iuris" que as partes lhe deram e o teor das cláusulas que nele foram inseridas não podem deixar de assumir relevância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que livremente escolheram para regular a relação entre elas estabelecida”.

    VIII - Por outro lado, tendo-se provado que o Autor exercia as suas tarefas com autonomia ao nível da execução, que recebia periodicamente honorários variáveis, em função das horas de serviço efetivamente prestadas, sempre dando quitação dos quantitativos recebidos através dos chamados "recibos verdes', que o Autor acumulava a prestação de serviços à Ré com outras atividades, das quais retirava proveitos económicos, que sobre as quantias pagas ao Autor nunca incidiram quaisquer descontos para a segurança social e a Ré não pagou quaisquer contribuições à segurança social relativas à atividade prestada pelo Autor, o que era do conhecimento do Autor e nenhuma oposição ou reação alguma vez suscitou, que durante todo o período em que prestou atividade para a Ré o Autor esteve coletado nas finanças como profissional liberal e inscrito na segurança social como trabalhador independente, que nunca beneficiou de férias pagas, nem recebeu quaisquer montantes a título de subsídio de férias e/ou de Natal, nunca de tal tendo reclamado, não pode qualificar-se esta relação como um contrato de trabalho.

    IX - Verdadeiramente decisivo para a qualificação do contrato é, no caso, o facto de que, sempre que não podia comparecer a prestar as aulas, o Autor tinha que proceder à sua substituição por outro professor (cfr. facto n.º 28 do elenco da factualidade provada).

    X - Tendo o Autor, conforme referido, a obrigação de se fazer substituir na execução da prestação, tal significa que as partes contrataram um determinado resultado - ministrar aulas de musculação e cardiofitness aos utentes da Ré -, sendo essa obrigação do Autor, conforme doutamente vertido no Acórdão desse Venerando Tribunal de 02/05/2007, "manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o caráter intuitu personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral'.

    XI - Decisivo é também o facto de se ter provado a ausência de consequências a nível disciplinar para as atuações do Autor - a consequência que advinha para o autor da não prestação de atividade nos dias/horas em que se tinha obrigado era a não retribuição das horas em causa.

    XII - No caso, não assume relevo significativo o facto de o Autor exercer a sua atividade nas salas de aulas e nas instalações da Ré, com os equipamentos, meios físicos e técnicos por esta fornecidos, uma vez que "se era a ré quem detinha os ginásios e piscinas necessários à prática das diversas modalidades e eram os serviços da ré que os utentes procuravam para se inscreverem em ordem à sua frequência, outra coisa não poderia ser”.

    XIII - Também não é determinante para a qualificação do contrato dos autos a existência de horário definido pela Ré para o Autor ministrar as aulas, uma vez que, num complexo desportivo, com diversas modalidades e níveis de aprendizagem, múltiplos professores e alunos, "é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço”.

    XIV - Já quanto às orientações e instruções recebidas pelo Autor do Diretor Técnico, não pode, no caso, ser ignorada a especificidade da atividade da Ré, que obriga à existência desse Diretor Técnico, que, por imperativo legal, assume a direção e a responsabilidade pelas atividades desportivas que decorrem nas instalações desportivas - as instruções e diretivas recebidas pelo Autor refletem, pois, apenas, e no essencial, a necessidade de harmonização pedagógica e de assegurar um determinado nível de qualidade da prestação das atividades desportivas.

    XV - Em suma, na apreciação global de todos os indícios, não pode inferir-se que a Ré exercesse efetivos poderes de direção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar sobre o Autor, não estando, assim, demonstrados factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para conferir à relação contratual estabelecida entre Autor e Ré natureza laboral.

    XVI - É, assim, de qualificar como de prestação de serviços o contrato celebrado entre o Autor e a Ré.

    XVII - Ao assim não decidir, o Acórdão recorrido incorreu em violação do disposto nos artigos 1152º e 1154º do Código Civil e no artigo 10º da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.» 4 - O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo a confirmação do julgado, integrando as conclusões seguintes: «I - No que concerne ao acórdão propriamente dito, entende o Autor que outra não podia ser a decisão do Tribunal da Relação.

    II - A fundamentação apresentada pelos Venerandos desembargadores para a sustentação do douto acórdão proferido são inteiramente secundadas pelo ora Autor.

    III...

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