Acórdão nº 717/05.3TBVNO.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução01 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA, S.A. intentou esta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, Lda.

, pedindo a sua condenação a restituir-lhe os prédios descritos na petição inicial, bem como o posto duplo de abastecimento neles instalado, para que possa explorá-lo e fazer dele o que entender no âmbito dos poderes inerentes ao direito de superfície que possui sobre o mesmo; a pagar-lhe a quantia de € 1 729 394, 90, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; a pagar-lhe a quantia de € 165 798, 54, referente a facturas e notas de débito em dívida, correspondentes a fornecimento de combustível, acrescida de juros de mora vencidos, desde as respectivas datas de vencimento até 02.05.2005, acrescida dos juros de mora vincendos até integral pagamento; e, ainda, a pagar-lhe uma indemnização pelos danos de imagem e reputação sofridos, na quantia de € 50 000,00.

Alegou, em síntese, que a ré é nua proprietária de dois prédios, descritos na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob os n.ºs … e …, inscritos na respectiva matriz predial sob os artigos 24667 e 24668, tendo constituído a favor da autora, em 10.05.1995, o direito de superfície sobre parte dos mesmos, pelo período de 30 anos, com termo em 2025, mediante o preço, integralmente, pago, de Esc. 20.000.000$00, para que a autora procedesse à construção/remodelação integral de um posto duplo de abastecimento de combustíveis a explorar, pela mesma, directa ou por interposta pessoa, o que fez, tendo procedido a um avultado investimento no valor de € 1 235 950,00.

Alegou, igualmente, que uma vez extinto o direito de superfície, em 2025, a propriedade dos edifícios construídos pela autora deverá reverter para a ré, com excepção de bens mobiliários, como as bombas, compressores, reservatórios, maquinismos e outros equipamentos, e as benfeitorias que possam ser levantadas sem detrimento dos mesmos, elementos estes que compõem o estabelecimento comercial constituído pelo posto de abastecimento.

Referiu que autora e ré celebraram um contrato de cessão de exploração, mediante o qual a autora cedeu à ré a exploração do posto de abastecimento que construiu nas ditas parcelas de terreno e de que é proprietária.

Alegou que, em 24.04.2003, recebeu uma carta da ré a denunciar os contratos com efeitos a partir de 09.05.2004 – o que a autora não aceita quanto ao contrato de constituição do direito de superfície, mas confere relativamente ao contrato de cessão de exploração -, sem ter, porém, a ré restituído à autora o estabelecimento com o equipamento e materiais que são propriedade desta, o que terá necessariamente de fazer.

Mais alegou que a ré desinstalou alguns dos equipamentos essenciais – fez desaparecer o posto CC e a imagem CC - e instalou novos equipamentos, procedeu à venda de combustível existente nos depósitos, o que lhe estava meramente consignado em depósito, desmantelou parcialmente o posto da autora e instalou, no mesmo local, um outro, a ser explorado pela ré de forma totalmente alheia e independente da autora, abusivamente e em clara violação do direito de superfície constituído, mantendo na sua posse o estabelecimento comercial pertencente à autora.

Referiu ainda que a conduta da ré causa prejuízos à autora, considerando todos os encargos respeitantes à construção de um novo posto na zona, nunca inferiores a € 2 150 000,00, além do tempo de dois anos para o colocar a funcionar e a inerente duplicação de gastos dado o grande investimento efectuado no posto em questão, certo ser apenas rentável abrir um novo posto se o mesmo vender mais de 3 milhões de litros de combustível, o que não aconteceria caso se abrisse novo posto em F..., por se encontrar o mercado já bastante repartido, causando-lhe, assim, perda de margens brutas – lucros cessantes – que se estimam em valor não inferior a € 1 300, por dia, além de danos muito significativos à sua imagem, crédito e reputação, bem como de perda de clientela – com desvio do posto da autora para o novo posto instalado pela ré no mesmo local – do que demorará tempo a recuperar com custos de recuperação de vendas, sendo a perda estimada em € 995 237, 11.

Finalmente alega que a ré deve ainda à autora o pagamento do combustível existente nos depósitos afectos às bombas de gasolina, bem como o fornecimento de combustível em dívida ao momento em que a ré retirou o posto à autora, no valor global de € 165 798, 54, incluindo juros de mora vencidos, titulado em facturas e notas de débito emitidas e não pagas.

A Ré contestou, por excepção, pedindo a absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, a absolvição do pedido; por impugnação, pedindo a improcedência da acção, com absolvição do pedido e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda a pagar-lhe a quantia global de € 3 102 876, 56.

Alegou, em síntese, que a autora deveria ter instaurado acção de reivindicação, para fazer valer eventual direito de propriedade – porque o direito de superfície invocado não lhe assiste –, sendo o utilizado meio processualmente inadmissível; tratando-se de acção para defesa da posse, deveria ter sido instaurada no prazo de um ano, após turbação ou esbulho, o que não aconteceu, pelo que caducou o direito de accionar a ré, nestes termos.

Reconhece ser proprietária dos prédios urbanos descritos no art. 7.º da petição inicial, onde em parte do terreno, colocou um posto de abastecimento de combustível e que, ao fim de quatro anos de negociações entre autora e ré, em 10.05.1995, celebraram dois contratos, unidos ou coligados entre si, para um objectivo comum, consistente na venda de combustíveis e produtos derivados: um contrato de direito de superfície, concedido a favor da autora, mediante o preço de Esc. 20 0000$00, que esta pagou e pelo período de 30 anos, findo o qual a propriedade dos prédios reverteria para a ré; e um contrato de exploração, para comercialização, pela autora e pela ré, de combustíveis e de produtos derivados.

Alegou ainda que os contratos que foram celebrados na estreita interdependência um do outro, extinguindo-se um quando se extinguisse o outro.

Alegou ainda que, em 19.11.2002, a autora prometeu vender à DD o direito de superfície, provocando a extinção do mesmo, e ceder a sua posição contratual no contrato de exploração, sendo que relativamente ao primeiro, a ré manifestou vontade de usar o seu direito de preferência e, relativamente ao segundo, não deu o seu consentimento, sem que houvesse uma resposta da autora.

Alegou também que, por tais razões, em 24.04.2003, através de carta remetida à autora, denunciou ambos os contratos, com efeitos a partir de 09.05.2004, e logo em 10.05.2004 havia mudado as bombas e a imagem, exercendo a sua actividade no seu posto de abastecimento.

Mais impugnou a alegada realização de investimento na remodelação do posto existente, bem como a quantia indicada pela autora para o efeito ou os prejuízos invocados a título de lucros cessantes, imagem e perda de clientela.

Reconhece estar em dívida montante correspondente ao combustível deixado nos depósitos, mas não as quantidades ou os valores alegados pela autora, sendo que identifica algumas facturas como pagas, outras que desconhece, arguindo falsidade de notas de débito que indica.

Pede, a final, se não for caso de procedência das excepções invocadas, seja a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Reconvencionou, alegando, em síntese, que, com a celebração dos dois contratos e ao longo da relação comercial com a autora, teve despesas, que eram da responsabilidade contratual da autora (vestuário dos trabalhadores, seguro contra os riscos de explosão e incêndio, entre outros), e outros prejuízos (lucros cessantes, danos emergentes, dano de imagem), no total de € 3 102 876, 56, que a autora/reconvinte deverá ser condenada a pagar-lhe ré/reconvinte.

A Autora replicou e impugnou a factualidade atinente às excepções invocadas pela Ré, bem como a factualidade alegada na reconvenção, pugnando pela sua total improcedência, bem como pela condenação da ré como litigante de má fé.

A Ré treplicou e impugnou a factualidade atinente à alegada litigância de má fé, concluindo como na contestação-reconvenção e arguindo, também ela, a litigância de má fé da autora.

Por despacho de folhas 699 e segs., o pedido reconvencional foi admitido.

Realizou-se audiência preliminar e, frustrada a tentativa de conciliação, procedeu-se ao conhecimento das excepções invocadas – que não a excepção de extinção do direito de superfície, cujo conhecimento foi relegado para o momento da prolação da sentença –, ao saneamento do processo e à condensação factual.

Inconformada, a ré recorreu de apelação do despacho saneador que recaiu sobre as excepções de inadmissibilidade do meio processual e de caducidade do direito de acção, julgadas improcedentes, recurso que foi admitido como tal e ao qual a autora respondeu com as contra-alegações que apresentou.

Decorridos os demais trâmites processuais, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que: (i) julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a restituir à autora os dois prédios identificados, bem como o posto duplo de abastecimento de combustíveis, neles instalado e ainda a pagar-lhe uma indemnização pelos lucros cessantes traduzidos na perda de rendimentos provenientes da exploração deste posto de abastecimento, em montante a liquidar oportunamente, acrescida de juros legais de mora, desde a citação da ré até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado; e (ii) julgou a reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a autora de todos os pedidos contra ela formulados pela ré/reconvinte.

* Inconformada com a sentença final, recorreu a Ré/Reconvinte para a Relação de Coimbra e esta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT