Acórdão nº 1128/12.0GCVIS.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | JOÃO SILVA MIGUEL |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
-
Relatório 1. Na comarca de Viseu – Instância Central – Secção criminal – J3 e no âmbito do processo comum coletivo n.º 1128/12.0GCVIS, procedeu-se à realização da audiência para efetivação do cúmulo jurídico relativamente ao arguido AA, identificado nos autos e detido no Estabelecimento Prisional de Leiria, vindo, por acórdão de 26 maio de 2015 (fls 2845 a 2863), a aplicar-lhe a pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo das penas parcelares que lhe tinham sido impostas no processo antes mencionado e nos com os n.
os 30/12.0PEVIS e 418/11.3PBVIS, daquele cúmulo tendo sido excluída a pena de 30 dias de multa, à taxa diária de €5, imposta no processo n.º 802/12.5GCVIS, por «esta pena (…) revestir natureza diferente das penas aqui em questão, devendo acumular se à pena única a determinar – art. 77.º, n.º 3, do Código Penal».
-
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls 2813 a 2919), por considerar violado o princípio da legalidade e o disposto nos artigos 71.º, n.º 1, 77.º, n.º 1, e 40.º, n.
os 1 e 2, do Código Penal (CP), pedindo a revogação do acórdão, «não se procedendo à elaboração de cúmulo jurídico por tal não ser legalmente possível», conforme as conclusões que formula, nos termos que se transcrevem[1]: «1- O Objeto do presente recurso é a análise do cúmulo jurídico entre duas penas de naturezas opostas: a pena efetiva de prisão e a pena suspensa na sua execução; 2- Constitui um entendimento jurisprudencial pacífico que estas duas penas, de natureza diferente, não são por si cumuláveis.
3- Cumular Reclusão com liberdade é operação que se revela impossível.
4- Ainda que assim não se entenda, a pena única encontrada não teve em atenção as concretas circunstâncias de vida e do iter criminalis.
5- É mais do que certo, que sua punição pelos atos passados, com a privação da sua liberdade, ensinou ao mesmo a dar mais valor a vida, aos bons costumes, aos bons atos e as pequenas alegrias, e que o faz sem sombra de dúvida valorizar o ambiente familiar, a luta e as deceções que causou aos seus pais e familiares.
6- A decisão ora recorrida violou o Principio da Legalidade e ainda os artigos 71.º n.º 1, 77.º n.º 1 e art. 40.º n.
os 1 e 2, todos do C. Penal.
7 - Assim a decisão recorrida deverá ser revogada, não se procedendo à elaboração do cúmulo jurídico por tal não ser legalmente possível.
8- Assim não se entendendo, deve a pena única encontrada ter-se manifestamente desproporcional, mais se reduzindo a mesma (…).» 3. O Senhor Procurador da República na 1.ª instância, na resposta que apresentou (fls 2944 a 2949), afigura-se-lhe «que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida», concluindo do seguinte modo: «1 - Verificando-se uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, nada impede (antes se impõe) a realização do cúmulo jurídico entre penas de prisão suspensas na sua execução e destas com penas de prisão efetiva, desde que aquelas ainda não tenham sido declaradas extintas nem decorrido o respetivo prazo de suspensão.
2 - Com efeito, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infrações, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.
3 - A pena única de 7 anos e 6 meses de prisão aplicada não poderá ser considerada excessiva, face à acentuada gravidade dos factos em ponderação e à personalidade do arguido.
4 - Não foram violadas quaisquer disposições legais (…).» 4. Admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls 2922), viria subsequentemente, após apresentação da resposta do Ministério Público, a ser determinado o envio para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls 2950). Aqui recebidos os autos, foi proferida decisão sumária, acolhendo promoção do Ministério Público nessa instância, declarando, «em termos hierárquico/funcionais, incompetente o Tribunal da Relação de Coimbra para o conhecimento do recurso interposto no âmbito dos presentes autos e competente para o referido efeito o Supremo Tribunal de Justiça» (fls. 2959-2960).
-
Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls 2968-2973) referindo, quanto à pena de multa aplicada no processo sumaríssimo n.º 802/12.5GCVIS, que não é por «o recorrente ter sido condenado em pena de multa que, sem mais, tal inviabilizará a sua consideração nas operações de determinação da pena única, como nos parece decorrer da norma do artigo 77.º n.º 3 do CP, ao determinar que a diferente natureza das penas de prisão e de multa mantém se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos n.
os 1 e 2 do mesmo artigo», e quanto ao englobamento das penas cuja execução se mostra suspensa, considera «ilegal a integração em cúmulo jurídico de uma pena de prisão substituída, enquanto a sua execução não puder ser efetivada por não se mostrar revogada, com trânsito em julgado, a correspondente pena de substituição», sustentando este entendimento em «consonância com os fundamentos que são invocados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 12/2013».
-
Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente nada disse.
-
Não foi requerida audiência de julgamento, pelo que o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
-
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
-
-
Fundamentação a. Enquadramento, competência deste Supremo Tribunal, e questões a apreciar 9. Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.
Nas conclusões apresentadas, o recorrente pretende que no cúmulo não sejam incluídas as penas cuja execução se mostrava suspensa (conclusões 1 a 3) e, subsidiariamente, assim não se entendendo, que seja reexaminada a medida da pena única, reduzindo-a, por desproporcionada (conclusões 4 a 8).
Pretende-se, assim, que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie da legalidade do cúmulo, quanto aos crimes e penas nele integrado, e dele exclua as penas parcelares de prisão, cuja execução estava suspensa, e quanto à medida da pena única de prisão aplicada.
-
Por acórdão do tribunal coletivo, o recorrente foi condenado, no cúmulo superveniente, além da pena de multa, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, englobando penas efetivas e penas suspensas, não revogadas.
Recorreu, per saltum, de direito, para este Supremo Tribunal, contestando a inclusão das penas suspensas no cúmulo jurídico efetuado, e, subsidiariamente, a manter-se o cúmulo, a medida da pena única de prisão.
Os artigos 432.º, n.
os 1, alínea c), e 2, e 434.º, ambos do CPP, atribuem competência ao Supremo Tribunal de Justiça, estando em causa o recurso de decisões proferidas em 1.ª instância, pelo tribunal coletivo ou de júri, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, e esteja em causa exclusivamente o reexame de matéria de direito.
Tratando-se, apenas, de questão de direito, decorrente da discordância do arguido, por um lado, quanto à legalidade da inclusão das penas parcelares impostas nos processos n.
os 30/12.0PEVIS e 418/11.3PBVIS, e cuja execução ficara suspensa, na formação do cúmulo jurídico, e, por outro lado, quanto à medida da pena única de prisão, que considera excessiva, é este Supremo Tribunal o competente, nos termos das disposições legais do CPP antes citadas e ainda do artigo 427.º do mesmo diploma, por constituir um caso de recurso direto para o Supremo Tribunal[2].
Não se vendo razão para divergir desta jurisprudência, assume-se a competência do Supremo para apreciação do recurso na totalidade.
-
Matéria de facto 11. No acórdão recorrido foram considerados como assentes os seguintes factos: «3. No processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 30/12.0PEVIS, do - agora extinto – 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu , foi o arguido condenado, por acórdão de 22-01-2013, transitado em julgado no dia 27-02-2013, e por factos ocorridos nos dias 02-04-2012, 12-04-2012 e 24-05-2012, nas penas de: - 2 anos de prisão; - 2 anos de prisão, e - 2 anos de prisão, pela prática de dois crimes de roubo e um crime de furto qualificado, este na forma continuada, previstos e punidos pelos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), e 210.º, n..º 1, do Código Penal.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sob regime de prova.
Resulta da certidão de fls. 2805 a 2818 que: “1. No dia 2 de Abril de 2012, cerca das 15H10, no cruzamento entre a Av. 25 de Abril e a Av. Infante D. Henrique, nesta cidade de Viseu, o arguido que seguia à frente de Maria Helena Santos Vaz, virou-se para trás e perguntou-lhe pelo melhor caminho para os Bombeiros, tendo de imediato a empurrado violentamente ao mesmo tempo que lhe puxava o fio em ouro que esta usava ao pescoço, partindo-o, tendo o mesmo caído ao chão.
-
-
No entanto, o arguido conseguiu levar consigo a medalha de forma oval, com aro em ouro e uma madrepérola no interior, de valor não concretamente apurado, fugindo de seguida em direção ao Parque Aquilino Ribeiro.
-
No dia 12 de Abril de 2012, cerca das 15H, no cruzamento entre a Av. 25 de Abril e a Av. Infante D. Henrique, nesta cidade de Viseu, o arguido abordou Maria do Carmo Almeida perguntando-lhe onde era a Segurança Social, tendo de imediato deitado a mão ao fio de malha de corda, em ouro de 19,2 Kts, com o peso de 17,7 gramas, no valor de €442,00 e a uma medalha de abrir, sem nada no seu interior, também em ouro de...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 8054/07.2TDPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2016
...a necessidade de cúmulo jurídico tem sido afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão de 16-12-2015 (Proc. n.º 1128/12.0GCVIS.C2.S1 – 3.ª Secção), em que o agora relator foi adjunto, convocando-se o acórdão de 6-12-2014, no seguinte segmento textual: «(…) a suspensão ......
-
Acórdão nº 8054/07.2TDPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2016
...a necessidade de cúmulo jurídico tem sido afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão de 16-12-2015 (Proc. n.º 1128/12.0GCVIS.C2.S1 – 3.ª Secção), em que o agora relator foi adjunto, convocando-se o acórdão de 6-12-2014, no seguinte segmento textual: «(…) a suspensão ......