Acórdão nº 285/1999.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. O Ministério Público (A.) intentou a ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 14/06/1999, junto do Tribunal Judicial de Évora, contra: 1.º R.R. - AA e cônjuge BB; 2.º R.R. - CC e cônjuge DD; 3.º R.R. - EE e cônjuge FF; 4.º R.R. - GG e cônjuge HH; 5.º R. - II; 6.º R.R.

- JJ e cônjuge KK; 7.º R.R. - LL e cônjuge MM; 8.º R. - NN; 9.º R. - OO; 10.º -R. PP.

Pediu o A. que fossem anulados os atos de divisão e fracionamento constante de uma escritura de divisão de 21/06/1996, alterada por outra escritura de 23/09/1996, e pelos negócios de compra e venda identificados nos autos, bem como, designadamente, o cancelamento do registo das parcelas resultantes da divisão, descritas na Conservatória do Registo Predial de Évora sob os números 8558, 8560, 8561, 8562, 8563, 8564, 8565, 8566, 8567, 8568, 8569, 8570, 8571, 8572, 8573, 8574 e 8575 e das aquisições tituladas pelas referidas escrituras de compra e venda inscritas na mesma Conservatória sob as Ap. n.º 20, de 21/11/97; Ap. n.º 6, de 20/02/97; Ap. n.º 7, de 21/01/97; Ap. n.º 1, de 10/01/97; Ap. n.º 20, de 24/02/97; Ap. n.º 38, de 23/02/98; Ap. n.º 35, de 15/12/97; Ap. n.º 8, de 24/03/98.

O A. alegou, para tanto, que: .

Não se tratando de terrenos que possam ser qualificados como hortícolas, o fracionamento efetuado é ilegal por violar o art.º 1376.º, n.º 1, do CC, já que a unidade de cultura aplicável, quer seja a de 7,50 ha, se forem qualificadas como sequeiro, quer seja de 2,50 ha para a cultura arvense, se assim fossem classificados; .

Os prédios inscritos na matriz sob os artigos 191, 193, 194, 195, 196, 197 e 198 estão integrados na Zona de Reserva Agrícola Nacional pelo que a unidade de cultura hortícola é de 1 ha, o que não foi respeitado.

  1. Os R.R. contestaram, sustentando, além do mais e em síntese, que o fracionamento obedeceu a todos os formalismos legais, tendo ainda os 1.ºs R.R. arguido a exceção de incompetência material.

  2. Entretanto, admitida a intervenção principal provocada passiva da Caixa Geral de Depósitos, com base no facto de ser esta titular de uma hipoteca voluntária sobre um dos prédios abrangidos pelo fracionamento, a qual veio contestar, alegando ser terceiro de boa fé, face aos negócios em causa, sendo o registo da ação de 09/07/1999, ou seja, posterior ao prazo de três anos sobre o negócio impugnado, datado de 21/06/1996.

  3. Findos os articulados, foi proferido o despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a invocada exceção de incompetência material, procedendo-se, de seguida, à seleção da matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória (fls. 728-754, Vol. 4.º), que foi objeto de reclamação, decidida nos termos constantes da ata de julgamento de fls. 1787e segs. (Vol. 8.º).

  4. Já no decurso da audiência final, na sessão de julgamento documentada na ata de fls. 1787-1799 (Vol. 8.º), de 03/03/2008, o MP requereu a ampliação da base instrutória no sentido de compreender matéria tendente a saber se os novos prédios ficaram ou não a confrontar com via ou caminho usados pelas pessoas sem restrição, desde tempos imemoriais, ou seja, se os referidos prédios passaram a confrontar com via ou caminho público (fls. 1791-1792).

    Deduzida resposta pelos R.R., o Mm.º Juiz proferiu o despacho consignado a fls. 1794 a indeferir o requerido, considerando que tal matéria só teria relevância no âmbito de uma nova causa de pedir - o vício do fracionamento por encrave –, que não fora oportunamente alegada, sendo que já não era admitida, naquela fase do processo, a alteração da originária causa de pedir. Desse despacho não foi então interposto recurso.

  5. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 1827-1832, sem reclamação, foi proferida a sentença a fls. 1837-1880 (Vol. 8.º), datada de 23/07/2008, a julgar a ação procedente, decretando-se a anulação do satos de divisão e fracionamento atos assim impugnados 7.

    Inconformados com tal decisão, os R.R. AA e outros, a R. PP e a interveniente Caixa Geral de Depósitos interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação de Évora, pelo acórdão de fls. 2227-2259 (Vol. 11.º), de 26/05/2010, anulado o julgamento da matéria de facto, determinando a sua repetição relativamente à matéria dos quesitos ali referidos e a ampliação da matéria de facto relativamente ao alegado pela recorrente CGD no seu articulado de fls. 1519 e segs..

  6. Após a realização da nova audiência, foi decidida a matéria de facto pela forma constante de fls. 2651-2660 (Vol. 12.º), sendo proferida nova sentença, a fls. 2698-2720 (Vol.º 13.º), datada de 17/09/2013, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. do pedido.

  7. Desta feita, inconformado com aquela decisão, veio o Ministério Público recorrer dela, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida, conforme acórdão de fls. 2904-2934 (Vol. 14.º), datado de 16/12/2014.

  8. Novamente inconformado com essa decisão, veio o Ministério Público interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A Portaria n.º 202/70, de 21/04, não define quais os pressupostos da classificação dos terrenos como de sequeiro ou regadio e destes quais os de regadio arvense e de regadio hortícola, pelo que tal classificação deve resultar de um juízo sobre os factos provados, conjugados com as normas de direito vigentes no ordenamento jurídico em matéria agrícola; 2.ª - O Catálogo Nacional de Variedades de Espécies Agrícolas e Hortícolas do Ministério da Agricultura, de 2014, contém a indicação como hortícola da "ervilha “(Pisum Sativum L (partimj), nas suas variedades de "rugosa" e "torta”; 3.ª - Contudo, o mesmo Catálogo inclui também na espécie das “Forrageiras” a “ ervilha forrageira”, com a mesma designação de (Pisum Sativum L (partimj); 4.ª - A matéria de facto provada não permite esclarecer se a ervilha cultivada no terreno era da espécie forrageira ou da espécie das rugosas ou tortas; 5.ª - Assim, não pode concluir-se do simples facto da existência de uma sementeira de "ervilhas", sem determinação da sua variedade concreta, estarmos perante cultura hortícola, que permita atribuir ao terreno uma natureza de regadio hortícola; 6.ª - O Regulamento (CE) n.º 1251/99, do Conselho, de 17/5/99, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias n.º L 160, de 26/6/1999, - diploma que se encontra disponível em ... contém no seu anexo I a indicação das culturas arvenses que beneficiam de apoios comunitários, incluindo-se nas mesmas, entre as proteaginosas, as ervilhas.

    1. - Assim, dado que tal diploma se mostra diretamente aplicável no nosso ordenamento jurídico, o cultivo de ervilhas para efeitos do disposto na Portaria n.º 202/70 deve classificar-se como cultura arvense e não hortícola; 8.ª - Por outro lado, a classificação de um terreno como de regadio hortícola não pode atender exclusivamente à sementeira existente, mas também às características e forma do respetivo cultivo; 9.ª - Como consta dos pontos 41 e 42 da matéria de facto provada - que ficou provada por acordo – “a existência de horta pressupõe o predomínio de culturas intensivas e contínuas de legumes e hortaliças, que se sucedem ao longo do ano, em ciclos curtos e sem qualquer período de pousio”; “culturas essas que têm de ser regadas durante a maior parte do ano, o que implica abundância de água”; 10.ª - A informação constante de fls. 74, que esteve na base da autorização de fracionamento, demonstra que na respetiva data - de 10/01/1996 - existiam apenas como recursos hídricos no prédio dois furos e um poço; 11.ª - Para os furos referidos no ponto 43 da matéria de facto provada só foi requerido o respetivo licenciamento em 3/10/1996, como consta nos documentos aí indicados, constantes de fls. 323 e segs. - sendo assim todos eles posteriores à data da escritura de divisão; 12.ª - Em consequência, não se provou que o cultivo das ervilhas referido no ponto 64 da matéria de facto tivesse uma natureza “intensiva e contínua”, que se mantivesse durante a maior parte do ano, com a abundância de água necessária para tal; 13.ª - Assim, mesmo que eventualmente se pudesse considerar a ervilha existente como uma cultura hortícola, tal não tem como consequência que o terreno em causa deva ser considerado como de regadio hortícola, dado que não se provou que tal cultura tivesse um carácter intensivo e contínuo, com abundância de água - face à matéria de facto provada nos pontos 2 e 40 a 43; 14.ª - Pelo exposto, sendo de natureza arvense a cultura de ervilhas existente, o prédio originário não poderia ter sido classificado como de regadio hortícola, e, consequentemente, não podia ser fracionado em parcelas inferiores a 2,5 ha, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 19.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de25/10, art.º 53.º do DL n.º 103/90, que veio regulamentar aquele DL e manteve em vigor a Portaria n.º 202/70, de21/04, e o art.º 1376.º, n.º 1, do CC, por ser essa a unidade de cultura de terrenos arvenses no distrito de Évora, onde se situa o prédio em causa nos autos.

    2. - Acresce ainda que, eventualmente, pudesse atribuir-se ao prédio originário a classificação de terreno de regadio hortícola, o respetivo fracionamento se mostra violador das normas legais supra referidas, dado que não poderia atribuir-se essa mesma classificação a cada um dos 19 lotes em que o terreno foi dividido; 16.ª - Na verdade, salvo melhor opinião, não basta para a legalidade do fracionamento que o prédio originário tenha determinada classificação para que todos os lotes fraccionados beneficiem dessa mesma classificação; 17.ª - O que a lei pretendeu, atenta a redação do disposto no art.º 1376.º, n.º 1, do CC e dos art.ºs 19.º e seguintes do DL n.º 384/88, é que as frações resultantes do fracionamento tivessem uma rentabilidade económica que justificasse a sua autonomia - ou seja, que, cada uma delas cumprisse...

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