Acórdão nº 1555/08.7TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA CLARA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 29 de Setembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge, BB, residentes na Rua ..., n° ..., R/Ch, ..., ..., propuseram contra a ação declarativa, sob a forma ordinária contra: 1.1.
CC, residente na Rua ..., ..., ..., ...; 1.2.
DD e cônjuge, EE, residentes na Rua ..., n° ..., ..., ....
Pedindo que, na procedência da ação, sejam os Réus condenados a reconhecer o direito de preferência dos Autores na venda que o 1o Réu (e sua mãe) fez aos 2.ºs Réus, por escritura pública que identificam, e de haver para si o prédio vendido.
A fundamentar a sua pretensão alegam, em síntese, que: A Autora é arrendatária habitacional do imóvel sito no Rés-do-chão, com entrada pelo n° ... da Rua ..., composto por cozinha, sala, três quartos, duas casas de banho, hall e corredor e garagem exterior, pátio, arrumos, jardim e quintal, qual faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., com entrada pelos n.°s ..., …, … e …, … e …, inscrito parcialmente na respectiva matriz urbana de ... no artigo …, e parcialmente descrito na Conservatória de Registo Predial da ... sob o n° ….
- Por escritura pública outorgada a 8 de Agosto de 2001, no 1o Cartório Notarial de ..., os 1.º Réu e a sua mãe venderam e os 2°s Réus compraram o aludido prédio, pelo preço de Esc. 10.000.000$00, equivalente a € 49.879,79.
- Os Autores só em 29 de Novembro de 2007 tomaram conhecimento dos elementos daquele negócio de compra e venda, concretamente o preço, as condições reservadas pelos vendedores, a data da venda, e o Cartório Notarial onde a mesma foi efectuada.
- Nos termos do art. 47.º do RAU, em vigor em 2001, e do art. 1091.º do Código Civil, com a redação actual, têm os Autores direito de preferência naquele negócio de compra e venda, o qual deverá ser exercido nos termos do art. 1410.º do Código Civil.
- Assim, uma vez que não está constituída qualquer propriedade horizontal sobre o citado prédio e tendo efetuado o depósito do preço da venda, assiste-lhes o direito de haver para si o prédio alienado.
-
Regular e pessoalmente citados, apresentaram-se os Réus a contestar.
2.1.
O 1.º Réu, negando que a habitação arrendada à Autora mulher se situe no prédio urbano sito na Rua ..., com entrada pelos n°s …, … e …, … e LLL, e alegando que apenas lhe foi dado de arrendamento o r/c do prédio sito no n° ..., correspondendo cada um dos aludidos números de polícia tantas outras unidades prediais distintas e autónomas entre si. O prédio onde residem os Autores foi construído há mais de 35 anos, pelo pai do Réu, entretanto falecido, que nunca obteve o respectivo licenciamento camarário, o que o impediu de realizar, quer a inscrição matricial, quer a sua descrição predial, encontrando-se o prédio cujo r/c é ocupado pelos Autores omisso nos serviços de Finanças e na Conservatória do Registo Predial. O prédio adquirido pelos 2°s. Réus é diverso daquele outro onde habitam os Autores, correspondendo a cada um deles áreas, configurações e confrontações distintas. Através da escritura junta pelos Autores à petição inicial, visaram, tão só, o 1o Réu e a sua falecida mãe, transmitir aos 2°s Réus a propriedade do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos para habitação e quintal, sito na Rua ... n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … e descrito na respectiva matriz urbana inicialmente sob o n° … e actualmente sob o n° …, sendo que, nos anos que precederam a outorga da aludida escritura, haviam contraído junto dos 2°s Réus vários empréstimos, de montante que não sabe precisar, mas que reconhece ter ascendido a várias dezenas de milhares de euros, e, para garantir o reembolso aos 2°s Réus das quantias por estes mutuadas, o 1o Réu e a sua mãe deram de hipoteca e prometeram transmitir e transmitiram a propriedade de vários prédios que lhes pertenciam. O 1o Réu, no início de Agosto de 2006, entregou de facto aos 2°s Réus a totalidade do prédio em que se integra a habitação dos Autores, autorizando-os a dele fruírem, a dá-lo de arrendamento, a receber rendas e a usá-lo nas condições que entendessem e deu disso pronto conhecimento verbal aos Autores, informação que reiterou através de carta datada de 14/08/2006. Desde então não mais o 1o Réu recebeu quaisquer rendas dos Autores, situação que perdura até à atualidade. Conclui pela improcedência da acção.
2.2.
Contestaram igualmente os 2.ºs Réus, também aduzindo que a habitação que os Autores ocupam integra uma unidade predial distinta e autónoma daquela que foi objeto da escritura de compra e venda, correspondendo a habitação dos Autores à entrada pelo número de polícia ... de prédio composto por rés-do-chão, andar e logradouro. Tal prédio não se encontra sequer em regime de propriedade horizontal e está fisicamente separado do confinante, esse sim adquirido pelos Réus, através da escritura de compra e venda junta à peça inical. Os 2.ºs Réus viram, assim, transferida para si, pelo 1o Réu e a sua falecida mãe, tão só a propriedade do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos para habitação e quintal, sito na Rua ... n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … e descrito na respectiva matriz urbana inicialmente sob o n° … e atualmente sob o n° …, sendo certo que os Réus registaram tal aquisição a seu favor na competente conservatória, averbaram a propriedade em seu nome na respectiva matriz predial e pagam o imposto municipal que incide sobre o aludido prédio. Não assistindo aos Autores, pois, relativamente ao objecto da aludida escritura de compra e venda, legitimidade para intentar acção de preferência. Os 2°s. Réus mutuaram ao 1o Réu e à sua falecida mãe, em sucessivas ocasiões vários milhares de contos, tendo sido constituídas a favor deles hipotecas, bem como existiu promessa de transmissão de propriedade e mesmo a transmissão de propriedade de diversos prédios pertença do 1o Réu e de sua falecida mãe. Quanto ao prédio ocupado pelos Autores, jamais o 1o Réu e seus falecidos pais reuniriam os elementos necessários para obter o respectivo licenciamento municipal e registar a propriedade a seu favor perante os competentes serviços de finanças e conservatória predial, pelo que o 1o Réu, em Agosto de 2006, entregou de facto aos 2°s Réus, a totalidade do prédio em que se integra a habitação dos Autores, autorizando-os a dele fruírem, a dá-lo de arrendamento, a receber rendas e a usá-lo nas condições que entendessem. Essa situação perdura até à atualidade, sendo desde então, conhecida dos Autores, mormente porque viram os 2.ºs Réus executar obras no prédio e deles exigiram a ligação à rede pública de água. Finalmente, que sendo os 2°s. Réus pessoas de avançada idade e dotadas de índice cultural modesto, não mais procuraram o 1o Réu no sentido de dele obterem a concretização de negócio jurídico visando a transferência da propriedade do prédio em causa.
Concluem pela ilegitimidade activa dos Autores e consequente absolvição dos Réus da instância, ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção.
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Os Autores replicaram, à exceções invocadas pelos Réus, e pugnando pela sua condenação como litigantes de má-fé.
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No saneador foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade, prosseguindo com a seleção dos factos assentes e organização da base instrutória.
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Realizou-se a audiência de julgamento, que incluiu uma inspeção judicial ao local.
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Decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.
7.
Inconformados com a sentença, vieram os Autores dela interpor recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, em função do que julgam procedente a acção, condenando os RR. a reconhecer o direito de preferência dos Autores na venda feita pelo 1.º Réu aos 2.º Réus pela escritura pública supra identificada, e de os AA. haverem para si o prédio vendido.
Custas pelos recorridos, em ambas as instâncias».
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Inconformados, os Réus interpõem recurso de revista, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: «1.ª – O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 47.º do Regime do Arrendamento Urbano, os arts. 334.º, 341.º, 342.º, 362.º, 1022.º, 1091.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, e 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil.
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– Salvo melhor opinião, competia aos Autores a alegação e prova de factos de que resultasse de que a Autora é efectivamente arrendatária do prédio que foi vendido aos recorrentes através da escritura de 8 de Agosto de 2001, ou, se se preferir, que o prédio de que é arrendatária pertence ao prédio ali descrito.
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– Mas não o fizeram, bastando atentar no teor dos articulados que apresentaram na acção, e nem nos documentos que juntaram, nomeadamente, os de fls 11 e 13, resulta tal ilação, bem pelo contrário; 4.ª – Dos factos considerados provados, na sentença proferida pelo Tribunal Judicial da ..., consta apenas que a Autora mulher é arrendatária habitacional de parte do prédio referido em 1 (ou seja, o prédio sito na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., ...), mais concretamente do seu rés-do-chão, composto por cozinha, sala, três quartos, duas casas de banho, hall e corredor e garagem exterior, pátio, arrumos, jardim e quintal (cfr. ponto 18) e não que tal prédio é parte do referido em 2, que foi o que foi vendido aos recorrentes através da escritura pública junta aos autos, outorgada em Agosto de 2001.
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– Certamente apercebendo-se disso, os Autores alegaram, no recurso de apelação, uma série de factos novos para sustentar a tese da coincidência de prédios, o que, em boa verdade, nem corresponde à realidade nem resulta dos documentos ali invocados.
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– Sem embargo da extemporaneidade e falta de fundamento destas alegações, o certo é que o Tribunal da Relação não ampliou a...
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