Acórdão nº 477/11.9TTVRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Instaurou a presente acção de impugnação de regularidade e licitude do despedimento, sob a forma de processo especial, no Tribunal do Trabalho de ..., contra: BB – ..., Lda.

Pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências.

  1. A Ré apresentou articulado a motivar a sanção disciplinar de despedimento que aplicou ao A., sustentando a sua licitude na violação por parte do A. do dever de lealdade, ao negociar por conta própria e em concorrência com a R., no mesmo ramo de actividade a que esta se dedica, a venda de gás a retalho, causando-lhe prejuízo pela perda de clientela.

    Invocou para tanto, e em síntese, que: A Ré tem como actividade, entre outras, a venda de gás a grossista e a retalho, e detém uma área comercial demarcada na qual fornece o gás a vários fornecedores e clientes, sendo a venda a retalho feita de porta em porta, aos seus próprios clientes na área comercial demarcada. Actividade que o A. desenvolvia ao serviço da R., ao abrigo do contrato de trabalho celebrado entre ambos, fazendo directamente esse contacto.

    Acontece porém que o A. é sócio da sociedade “CC, Lda.”, que vende o mesmo produto – gás – que a Ré. Tendo os representantes dessa sociedade, da qual o A. é sócio, proposto directamente aos clientes da R. a venda de gás mais barato, em clara concorrência desleal com a R., fazendo com que esta perdesse clientes.

    Motivo pelo qual a R. despediu o A. com justa causa, porquanto com aquele comportamento o A. destruiu a necessária relação de confiança, tornando impossível a subsistência da relação de trabalho.

    Assim, não assiste razão ao A. pelo que a acção deve improceder.

  2. Notificado, veio o A. apresentar articulado com contestação e pedido reconvencional, no qual: a) Deduziu a título de excepção a inexistência jurídica da decisão proferida pela R. no âmbito do processo disciplinar; b) Impugnou a factualidade aduzida pela R. como justificativa do despedimento, refutando a imputação de violação do dever de lealdade, nomeadamente através da alegação de factos que, em seu entender, explicitam os motivos subjacentes à decisão de despedimento em apreço e que se prendem com a alteração da gerência da R. na sequência do falecimento de um dos seus sócios e gerentes que detinha a maioria do capital social da empresa; c) Formulou pedido reconvencional peticionando que seja declarado ilícito o despedimento, com a consequente condenação da R. no pagamento de: - Uma indemnização pela ilicitude decorrente da antiguidade, no total de € 19.200,00; - Uma indemnização por danos morais no montante de € 1.500,00, para compensação pelos danos morais sofridos; - Um valor correspondente às retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento (19.10.2011) até à data do trânsito em julgado da sentença.

  3. A R. apresentou resposta à contestação sustentando a licitude do despedimento por fundamentada em justa causa, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo A.

    5.

    Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção deduzida pelo A. de inexistência jurídica da decisão que encerrou o processo disciplinar, afirmada a regularidade da instância e fixados os factos assentes com organização da base instrutória.

    6. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, por não provada, e absolveu a R. de todos os pedidos formulados pelo A.

    7. Inconformado, o A. Apelou, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão julgando procedente a apelação, e revogando a sentença da 1ª instância, com o teor decisório que se segue: «Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, declarando-se a ilicitude do despedimento e condenando-se a R. nos seguintes termos: a) A pagar uma indemnização provisoriamente liquidada em € 18.200,00, com juros de mora a contar da data do trânsito; b) A pagar a quantia, de € 65.778,27 a título de retribuições vencidas, incluindo subsídios, até à presente data, acrescidas de juros à taxa legal a contar das datas de vencimento de cada prestação (excepto as que, nos termos do art. 98º-N do CPT, são da responsabilidade do Estado, que devem ser descontadas); c) A pagar retribuições e subsídios vincendos até trânsito em julgado da decisão, mais juros à taxa legal em caso de mora; d) O Estado, através da entidade referida no art. 98º-N do CPT, procederá ao pagamento das retribuições e subsídios correspondentes ao período decorrido desde 7/1/2014 até 2/6/2014, no total de € 7.107,33».

  4. Irresignada, a R. interpôs a presente revista, na qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A R. e A. celebraram um contrato de trabalho verbal que teve início no dia 20/08/2002.

  5. Na sequência do mencionado contrato de trabalho o A. exercia as funções de delegado de vendas ao serviço da R., desempenhando tais funções no chamado D.I. (deposito intermédio de armazenamento de gás), sito na Zona Industrial, em ....

  6. O A. tinha como funções promover as vendas, por conta exclusiva da R., dentro e fora do estabelecimento, servindo de intermediário com os seus clientes, contactando em exclusivo com os clientes que adquiriam os produtos vendidos pela R. a grosso.

  7. A R. tem como actividade, entre outras, a venda de gás a grossista e a venda a retalho.

  8. A sociedade "CC, Lda.", de que o A. é sócio, vende o mesmo produto (gás) que a R.

  9. A questão a decidir é simplesmente a de saber se um funcionário que mantém o vínculo laboral com a sua entidade patronal pode ser sócio de estabelecimento comercial que vende o mesmo produto que a sua entidade patronal, fazendo-lhe descarada concorrência.

  10. O estabelecimento comercial de que o Trabalhador/Recorrido é sócio vende gás a retalho, tal qual a sua entidade patronal.

  11. O A/Recorrido não precisa de contactar directamente com os clientes da sua entidade patronal porque a clientela não tem área demarcada, podendo os clientes adquirir gás onde lhes aprouver, sem precisar do consentimento de quem quer que seja.

  12. Ou seja, nada impede os clientes da Ré/Recorrente de adquirirem gás no estabelecimento comercial do Recorrido, fazendo por essa via concorrência à sua Entidade Patronal.

  13. Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – Art. 351.º do C.T. aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02.

  14. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve guardar lealdade ao empregador, nomeadamente, não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à organização, métodos de produção ou negócios – Art. 128.º n.º 1, al. t), do CT.

  15. A obrigação de não concorrência constitui corolário do dever de lealdade, decorrente da celebração do contrato de trabalho que impõe ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora.

  16. Comparando ambos os objectos comerciais, verifica-se que a empresa da qual faz parte o A., enquanto detentor de parte do seu capital social, tem em comum as actividades comerciais da sua entidade patronal, o mesmo objecto social, as quais constituem o núcleo central da actividade da R., na qual o A. tomou parte ao longo de mais de 9 anos, nos quais exerceu um cargo de responsabilidade, precisamente na área comercial, na qual ficou portador de know-how que agora poderá utilizar na actividade comercial da empresa da qual faz parte, e de que os seus irmãos são sócios e um deles é gerente.

  17. Sendo o A. sócio da empresa “CC” constitui um perigo iminente para a verificação de concorrência desleal e uma violação do dever de lealdade indispensável à manutenção da relação de confiança que deve subjazer a qualquer relação laboral.

  18. Temos pois que concluir que o acto de concorrência desleal assenta em duas ideias fundamentais: a criação e expansão de uma clientela própria; e a idoneidade para reduzir ou suprimir a clientela alheia.

  19. A repressão de concorrência desleal condena o meio (A DESLEALDADE) não o fim (DESVIO DE CLIENTELA), pelo que a ilicitude radica-se na deslealdade e não em qualquer direito específico – in Acórdão do STJ, de 26/09/2013, processo n.º 6742/1999.L1S2.

  20. Para que haja concorrência não é necessário que exista um efectivo desvio de clientela, basta que esse desvio seja potencial.

  21. Constituindo justa causa de despedimento o facto de o trabalhador exercer por conta própria e até fora do seu horário de trabalho actividade concorrencial com a sua entidade empregadora, sem o consentimento desta.

  22. Fazendo o A. concorrência desleal à sua entidade patronal, constitui, in casu, violação grave do dever da lealdade a que estava obrigado para com a mesma, susceptível de comprometer irremediavelmente a manutenção da relação laboral.

  23. Como diz Pedro Romano Martinez “...se alguém contrata trabalhadores não pode estar sujeito ao risco de estes entrarem em concorrência com a sua actividade” ...

  24. Se a contratação de trabalhadores é feita para obter o desenvolvimento e o sucesso da empresa, seria absurdo que eles pudessem desenvolver actividades susceptíveis de conduzir ao desvio de clientela da própria empresa, desvio de clientela que não tem que ser efectivo, basta que seja potencial.

  25. Não será pois necessário para o empregador, nem este tem de fazer prova, do desvio de clientela, basta a perda de confiança que está subjacente a qualquer relação laboral e sem a qual a manutenção do posto de trabalho é insustentável.

  26. O que vale por dizer que a actuação do Autor/Recorrido analisada à luz do disposto na LCT, e segundo critérios de avaliação de um bonus pater familias, constitui justa causa de despedimento.

  27. Pelo que «deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado, revogando-se o Acórdão Recorrido».

  28. Contra-alegou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT