Acórdão nº 2263/15.8JAPRT. P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução20 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. – No âmbito do processo nº 2263/15.8JAPRT da Instância Central de ..., ... Secção Criminal, ... da Comarca de ..., o arguido AA foi acusado da prática em autoria material de: - Um crime de violência doméstica do artigo 152º, nº 1, alínea b) e nºs 2, 4 e 5 do Código Penal; - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, dos artigos 131º, nº 1, 132º, nº 1 e nº 2, alíneas b), e), h) e j), 22º e 23º e 73º do Código Penal; - Um crime de detenção ilegal de arma proibida, do artigo 86º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 3º, nº 2, alínea l) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro; - Dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, dos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas c), e) e g), do Código Penal e - Um crime de violação de domicílio, do artigo 190º, nºs 1 e 3 do Código Penal.

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deduziu, contra o arguido, pedido de indemnização civil/reembolso, para que fosse condenado no pagamento da quantia de € 1.574,84, correspondente às despesas em que importaram os serviços prestados à ofendida em virtude das lesões apresentadas na sequência da actuação daquele, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, calculados desde a notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento.

A assistente BB deduziu contra o arguido pedido de indemnização civil para que fosse condenado no pagamento da quantia global de € 375.072,00, acrescida de juros, à taxa legal, a partir da notificação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de “quantia a liquidar em sede de execução de sentença pelos danos morais e patrimoniais originados pela estabilização e consolidação do quadro sequelar da demandante, o que ainda não sucedeu, impedindo a sua total quantificação”.

A assistente CC, menor, representada por sua mãe BB, deduziu também pedido de indemnização civil contra o arguido, para que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais que invoca, acrescida de juros legais desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

Feito o julgamento foi decidido: «I – Julgar-se parcialmente procedente a acusação e, em consequência: 1 – Julgar o arguido AA autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, dos arts. 131º, nº 1, 132º, nº1 e nº 2, als. b) e j), 22º e 23º, s do C. Penal, não sendo este punível em face do disposto no art. 24º, nº 2 do referido diploma. 2 – Declarar extinto o procedimento criminal movido contra o arguido AA na parte correspondente à prática de um crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143º, nº 1 do C. Penal, relativamente ao qual figura como ofendida a menor CC.

3 – Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de: a) - um crime de violência doméstica, do artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão; b) - um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, das disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1, 144º, als. b) e c), 145º, nº 1, al. c), 132º, nº 2, als. b), h) e j), todos do C. Penal na pena de 7 anos de prisão; c) - um crime de detenção ilegal de arma proibida, do artigo 86º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 3º, nº 2, alínea l) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; d) - um crime de ofensa à integridade física simples, do artigo 143º, nº 1 do C. Penal na pena de 6 meses de prisão; e) - um crime de violação de domicílio, do artigo 190º, nºs 1 e 3 do Código Penal na pena de 1 ano de prisão, do mais se absolvendo o arguido.

  1. - Operando o cúmulo jurídico de harmonia com o disposto no art. 77º do Código Penal e considerando, em conjunto, os factos supra descritos e a personalidade do arguido nestes revelada, condená-lo na pena única de 9 anos de prisão.

    II – Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante ..., E.P.E. - Unidade de ... procedente e, em consequência, decide-se condenar o arguido/demandado civil AA a pagar-lhe a quantia de € 1.574,84, acrescida de juros vincendos calculados à taxa legal e contabilizados desde a notificação para, querendo, contestar até integral pagamento.

    III – Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil BB parcialmente procedente e, em consequência, condenar o arguido/demandado civil AA a pagar-lhe: - A quantia de € 30.000,00 pelos danos não patrimoniais neste momento considerados (dores, incómodos, limitações, sofrimentos, medos, angústias) por si sofridos, relegando-se para incidente de liquidação a fixação da compensação pelos danos não patrimoniais futuros, com o limite peticionado; - As despesas por esta suportadas com consultas de psiquiátrica/psicologia, bem como com medicação nestas prescrita, cuja quantificação dos respectivos montantes fica relegada para incidente de liquidação; com o limite peticionado; - Os montantes salariais que esta deixou e deixará de auferir em virtude da baixa médica e de situação de desemprego, deduzindo-se o que se vier a apurar ter sido pago à mesma pela Segurança Social pelo período de baixa, assim como os montantes pagos a título de subsídio de desemprego, cuja quantificação se relega, igualmente, para incidente de liquidação, com o limite do peticionado.

    A tais quantias acrescem juros legais devidos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil.

    IV – Julgar extinta a instância cível correspondente ao PIC deduzido pela demandante menor CC, representada pela progenitora BB, por impossibilidade superveniente da lide.

    » O arguido interpôs recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação do Porto nele formulando as seguintes conclusões (transcrição): I. O Arguido não pode conformar-se com o enquadramento jurídico penal vertido no douto acórdão do Tribunal a quo, no que ao Crime de Violência Doméstica e ao Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada diz respeito, uma vez que as conclusões aí chegadas não reflectem, de todo, a solução que a boa interpretação das normas legais a aplicar impunha.

    II. Dispõe a alínea a) do n° 3 do artigo 152° do Código Penal que "Se dos factos previstos no n° 1 resultar:

  2. Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos".

    III. O Tribunal deu como provado, logo no número 5 da Matéria de Facto Provada, que "O arguido não se conformou com tal decisão, e no dia 18 de Maio de 2015, iniciou a prática de actos de perseguição, ameaça à vida e integridade física de BB, que culminaram com a tentativa de por termo à vida daquela, através do disparo de vários tiros com arma de fogo." IV. Atenta esta factualidade dada como provada, o Tribunal considera que todo o comportamento do Arguido, direccionado para com a Ofendida BB, corresponde a uma actuação integradora da tipificação legal do crime de Violência Doméstica, incluindo o episódio do dia 10 de agosto, relatado nos números 26 e ss. da Matéria de Facto Provada.

    V. Não deveria, assim, ter sido autonomizado um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, relativamente aos actos praticados no dia 10 de agosto, porquanto o Código Penal prevê, precisamente no supra citado artigo, uma punição específica quando do comportamento do arguido resulta "Ofensa à integridade física grave" (alínea a) do n.° 3), ou mesmo a morte (alínea b) do n.° 3).

    VI. O crime de Violência Doméstica, verificando-se, absorve toda a restante factualidade que, individualmente considerada, pudesse integrar a tipificação legal prevista para outro crime.

    VII. Prevendo o Código Penal português, para o crime de Violência Doméstica, que em resultado da sua prática possam ocorrer ofensas à integridade física graves ou mesmo a morte, o agente terá de ser punido apenas como autor material do crime de Violência Doméstica, e não deste crime acrescido de um crime ofensa à integridade física grave qualificada ou mesmo de um crime de homicídio.

    VIII. Neste sentido já se pronunciaram, entre outros, os seguintes acórdãos: Ac. TRL de 8-11-2011, CJ, 2011, T.V, pág.319; Ac. TRG de 15-10-2012; Ac. TRE de 8-01-2013; Ac. TRG de 1-07-2013, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

    IX. Todo o comportamento manifestado pelo Arguido para com a ofendida é integrador deste conceito de especial desconsideração para com esta, tendo sido praticado no contexto de uma relação amorosa.

    X. Não pode ser o Arguido condenado pela prática de "Um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada", do qual deverá ser absolvido.

    XI. O Arguido deverá, isso sim, ser condenado pela prática como autor material de um crime de Violência Doméstica previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1, alínea b) e n° 3, alínea a) do Código Penal.

    XII. O Arguido encontra-se condenado, entre outros, pela prática de "Um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada, previsto nos termos das disposições conjugadas dos arts. 143°, n°. 1, 144°, als. b) e c), 145°, n°. 1, al. c), 132°, n°. 2, ais. b), h) e j), todos do Código Penal na pena de 7 (sete) anos de prisão;" XIII. O "Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada" está em concurso meramente aparente com o "Crime de Violência Doméstica", pelo que deverá, por seu turno, a pena a aplicar pelo crime de Violência Doméstica ser modificada por forma a reflectir os actos de ofensa à integridade física graves que a integram, resultantes da actuação do Arguido no dia 10 de Agosto de 2016, nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do artigo 152° do Código Penal.

    XIV. Se assim se não entender, e a considerar que o arguido praticou em concurso efectivo com o Crime de Violência Doméstica um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave Qualificada, a pena concretamente determinada de 7 anos é por demais exagerada.

    XV. A título comparativo e para efeitos de visão global do nosso ordenamento jurídico, o Artigo 131° do Código Penal prevê que a pena mínima para "Quem matar outra pessoa" é de prisão de 8 anos, sendo que o comportamento em referência nos presentes...

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