Acórdão nº 452/15.4JAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

AA foi julgado pelo Tribunal Colectivo da Instância Central – 1.ª Secção Cível e Criminal – J2 da Comarca ..., tendo sido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171º, n.

os 1 e 2 e 177.º, n.

os 1, alínea b), 5 e 8, ambos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante BB contra o arguido, tendo sido, em consequência, condenado no pagamento àquele da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal civil vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização cível e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

  1. Inconformado com a decisão, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando a matéria de facto e sua fundamentação, pedindo a sua absolvição da prática do crime e bem assim do pedido de indemnização civil por que foi condenado.

    Sem prescindir, «ser condenado a título de tentativa do crime de que foi condenado com uma pena especialmente atenuada (…) e absolvido do pedido de indemnização civil».

  2. Por acórdão de 26 de Outubro de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso interposto pelo arguido.

  3. De novo inconformado, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões[1]: «Conclusões 1ª) O caso «sub judice» é subsumível na primeira parte do referido artigo 434º do CPP. Senão vejamos; 2ª) O recorrente não praticou nunca qualquer tipo de acto sexual com o infeliz menor. Em que baseou a sentença da primeira instância – confirmada pelo Acórdão recorrido- para decidir como decidiu? Como dela ressalta fundamentalmente: a) Da Confissão feita pelo arguido no seu primeiro auto de interrogatório judicial de arguido detido de fls 100 e seguintes dos autos.

    b) Do relatório de autópsia de fls 226 e seguintes dos autos.

    Ora; 4ª) Um e outro estão eivados de polémica e sobretudo no que toca ao relatório de autópsia de insuficiências e manifestas contradições entre algumas afirmações efectuadas no exame, na discussão e conclusões e por isso podem ser objecto de cognição critica desse tribunal. Na verdade; 5ª) O arguido negou em audiência de julgamento a prática daqueles factos, todavia quer a primeira instância, quer a Relação desprezaram este depoimento privilegiando o primeiro depoimento judicial do arguido em que este confessou o crime.

    6º) Não obstante estarmos em sede de livre apreciação da prova, a verdade é que o arguido não só alegou o condicionamento das suas declarações no seu primeiro interrogatório de arguido em função das agressões policiais de que foi alvo pelas forças policiais, como através do seu mandatário participou-as ao tribunal pelo seu requerimento de 28DEZ2015 (fls do processo). Porém sobre as mesmas, nada foi feito, caindo um, muito provavelmente, um encobridor manto de silêncio…ou “sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano da fantasia”.

    7ª) Na discussão (fls. 229) o relatório é peremptório ao afirmar que «Pela desconformidade entre o pénis erecto de um adulto e a elasticidade permitida ao esfíncter anal, seria de esperar lesões mais graves na região ano-rectal, para o caso de a penetração ter sido consumada.», mais aí se escrevendo que «a informação do Boletim de Informação Clínica e Circunstancial de “À inspecção peri-anal verificou-se laceração anal extensa” não se confirmou na autópsia”» (fls. 229 v). Acrescendo; 8º) O referido relatório volta afirma que «as lesões descritas no exame macroscópico da autópsia não são suficientes graves para produzir a morte nem as lesões microscópicas diagnosticadas no exame histopatológico explicam só por si o evento fatal» explorando depois três “eventualidades plausíveis para o sucedido” (tudo a flãs 229 v). E Ademais; 9º) Nas suas conclusões não há afirmação taxativa de a causa da morte tenha sido o alegado abuso sexual referindo-se a essa hipótese como uma mera possibilidade (como o revela o termo “é de admitir” «que a morte CC tenha sido devida a inibição cardio-inibição na sequência de abuso sexual» (fls. 230).Ora; 11ª) Se é de facto de admitir (pelo menos como hipótese a académica) que uma situação de “stress” (eventualmente resultante das bofetadas fortes que o arguido admite ter dado no infeliz CC) pode ter determinado uma cardio-inibição, já o facto de a mesma ter resultado de abuso sexual, não só não encontra qualquer respaldo no relatório da autópsia, como é por ela excluída na sua (fls229, 229V) designadamente pelas considerações acima transcritas das quais pela sua importância se repete a seguinte: «Pela desconformidade entre o pénis erecto de um adulto e a elasticidade permitida ao esfíncter anal, seria de esperar lesões mais graves na região ano-rectal, para o caso de a penetração ter sido consumada.» 12ª) Tudo sem esquecer que por mais repugnante que seja o crime pelo qual se acuse o arguido o mesmo beneficia sempre do principio “in dubio pro reo” 13ª) Do acima exposta resulta, no entender do recorrente, que deve o mesmo ser absolvido da prática do crime pelo que vem condenado e bem assim do pedido de indemnização cível a que foi condenado bem como e, consequentemente, das respectivas custas.

    14ª) Decidindo em contrário violou o tribunal recorrido os artigos 171º e 177º do Código Penal, e os artigos 483º,496º,562º e 566º todos do Código Civil.

    SEM PRESCINDIR; 15ª) Como se disse já e aqui e agora se realça de novo resulta claro da discussão do relatório da autópsia que «Pela desconformidade entre o pénis erecto de um adulto e a elasticidade permitida ao esfíncter anal, seria de esperar lesões mais graves na região ano-rectal, para o caso de a penetração ter sido consumada.» Pelo que; 16º) No limite estaríamos perante uma tentativa que sendo punível (nº1 do artigo 175º do CP) o deve ser de forma especialmente atenuada nos termos do nº2, do artigo 23º do C. Penal e, nesse caso, se deixa ao prudente juízo desse tribunal «ad quem» SEMPRE SEM PRESCINDIR 17ª) No caso sub judice o comportamento adoptado para determinação da medida da pena não se afigura tenha mostrado correcto, não sendo, outrossim, aplicado correctamente os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, bem como a correcta ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a correcta apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo que o “quantum” concreto de pena escolhido deve ser alterado por esse tribunal “ad quem”, afigurando-se-nos correcto tudo ponderado pena não superior a 6 anos (4, mais 2 pela agravação).Ser o arguido Pelo exposto e no que mais doutamente se suprirá deve o arguido: a) Ser absolvido do crime porque foi condenado, bem como do pedido de indeminização civil e custas. Ou Caso assim não se entenda; b) Ser condenado a título de tentativa do crime de que foi condenado com uma pena especialmente atenuada, que se deixa ao prudente juízo desse tribunal «ad quem» e, absolvido do pedido de indemnização civil. Ou assim também não se entendendo c) Ser o “quantum” concreto de pena escolhido deve ser alterado por esse tribunal “ad quem”, afigurando-se-nos correcto tudo ponderado pena não superior a 6 anos (4, mais 2 pela agravação».

  4. O Ministério Público no Tribunal da relação apresentou resposta tendo concluído: «1- A impugnação da matéria de facto só pode ser apreciada pelo STJ no âmbito dos vícios elencados no nº 2 do art. 410º do CPP.

    2- O recorrente não assaca à decisão deste Tribunal da Relação qualquer vício de que a mesma padeça, limitando-se a repetir a argumentação esgrimida junto deste Tribunal de recurso, argumentação analisada de forma exaustiva e sem deixar dúvida quanto ao bem fundado teor da decisão da 1ª instância, que aqui se reiterou.

    3- Por outro lado, quanto à dosimetria da pena, questionada apenas no âmbito da pretendida alteração da matéria de facto, que não se verificou, não deverá a mesma ser apreciada uma vez que sobre ela não se pronunciou este Tribunal, nem tinha de se pronunciar, por não alegada. 4- Não se verifica violação do princípio in dubio pro reo pela simples razão de dúvida não existir acerca da conduta do arguido, cuja gravidade e desconformidade com os valores que regem a nossa sociedade não pode deixar de salientar-se pela rejeição absoluta que convoca.

    5- O recurso deve ser rejeitado pelos motivos acima indicados ou, caso tal não se verifique, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se na íntegra o acórdão recorrido.» 6.

    O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o douto parecer que se transcreve[2]: «1.

    Do recurso/breve relatório: 1.1 – Por acórdão de 28 de Junho de 2016, proferido pelo Tribunal Colectivo da Instância Central de ..., ...ª Secção Cível e Criminal – ..., da Comarca ..., [exarado a fls. 418 e segs.], o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado, em primeira instância, como autor material de um crime, consumado, de abuso sexual de criança, agravado, da previsão dos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.ºs 1/b), 5 e 8, do Código Penal, no seu segmento penal na pena de catorze (14) anos de prisão, e na vertente cível no pagamento ao demandante/lesado, a título de indemnização, da quantia de € 50.000,00 acrescidos de juro de mora à taxa legal.

    * 1.2 – Desta decisão, e impugnando apenas, por um lado a decisão de facto proferida, e por outro, em todo o caso, a qualificação jurídica da sua provada conduta, interpôs o arguido atempado recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por Acórdão de 26 de Outubro de 2016, exarado a fls. 519 e segs., se decidiu negar-lhe provimento, confirmando integralmente aquele veredicto da 1.ª instância.

    * 1.3 – É esta última decisão que, continuando inconformado, o arguido traz agora ao reexame deste Supremo Tribunal, e em cuja motivação – [retomando e reeditando...

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