Acórdão nº 108/13.2TBMIR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

1 – Relatório.

AA deduziu oposição à execução que contra ele e outra moveu BB, Ld.ª, alegando que o título dado à execução não preenche os requisitos necessários para que tenha força executiva.

Para o efeito, alega que dos documentos juntos pela exequente não se pode inferir qualquer confissão expressa de dívida por parte dos executados.

Mais alega que deles não consta a causa de pedir, pelo que não está dispensada a alegação da relação material subjacente, que deveria constar da exposição dos factos.

Conclui, assim, que o requerimento executivo é inepto, por não indicar o facto gerador da obrigação.

A exequente contestou, alegando que os sócios da empresa CC, Ld.ª, entre os quais se encontram os ora executados, assumiram expressa e pessoalmente uma dívida perante a exequente.

Mais alega que a causa de pedir é a confissão da dívida feita por aqueles sócios.

Conclui, deste modo, que, do título executivo e do requerimento executivo, consta a confissão de dívida dos sócios e a narração dos factos que integram a causa de pedir, pelo que não há ineptidão.

Seguidamente, foi proferido saneador-sentença, tendo-se decidido julgar totalmente improcedentes os embargos e determinar o prosseguimento da execução.

Inconformado, o opoente interpôs recurso de apelação daquela sentença, o qual foi julgado procedente, tendo o acórdão da Relação revogado a decisão recorrida, julgando procedentes os embargos e extinta a execução.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se relevantes os seguintes factos: 1. O exequente apresentou com o requerimento executivo dois documentos: cópia da acta da assembleia geral da sociedade por quotas denominada CC, Lda, realizada em 29 de Agosto de 2011, e cópia do relatório e contas de gestão da dissolução/ liquidação da mencionada sociedade.

  1. Da acta da assembleia geral da sociedade, assinada pelos executados, consta, além do mais: Ponto Dois: Seguidamente o sócio gerente DD pediu de novo a palavra e afirmou que em virtude da sociedade, na presente data, já não ter qualquer activo nem passivo, se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada (…).

  2. Do relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação, também assinada pelos executados consta: 3- Pagamento do passivo; 3.3. Outras dívidas “passaram para a responsabilidade dos sócios as seguintes dívidas: BB, Lda – 65 000,00”.

  3. No requerimento executivo a exequente alegou: “no seguimento da dissolução da sociedade comercial CC, Lda, os executados assumiram uma dívida perante a exequente, por documento particular. A cada um dos executados cabe o pagamento de 16 250,00”.

    Por nossa parte, consideramos, ainda, relevantes os seguintes pontos constantes do «Relatório e Contas de Gestão da Dissolução/Liquidação» (fls.34 a 35 v.º): «2.2 – Alienação dos bens do activo imobilizado Foram transferidos para os sócios todos os bens do activo imobilizado pelo justo valor encontrado, tendo havido colaboração de todos os sócios na concretização das transferências nomeadamente para decisão do preço final a obter.

    Valor das transferências Escoras e juntas 2.500,00€ Balde de descarga lateral 170,00€ Lixadeira 850,00€ Grua 36.000,00€ (…) 3.4 – Empréstimos dos Sócios No início do período de Liquidação comercial da sociedade existiam dívidas aos sócios que totalizavam 193.473,87€, assim repartidas: Sócio DD 97.337,75€ Sócio EE 96.136,12€ (…) 6 – Obrigações declarativas Sendo aprovadas as contas que aqui se apresentam, assim como o projecto de partilha, há que cumprir as inerentes obrigações declarativas perante a Conservatória de Registo Comercial e Administração Fiscal.

    (…)».

    Consideramos, também, relevante, o seguinte ponto constante da acta da assembleia geral realizada em 29/8/11 (cfr. fls.33): «Postas à votação, foram aprovadas, por unanimidade, as contas e o respectivo balanço de exercício final, assim como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo (…)» 2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.

    Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que veio revogar e substituir a decisão da 1ª instância por outra, a julgar procedentes os embargos de executado e a julgar extinta a execução.

  4. Salvo melhor opinião, a ora recorrente considera que ao julgar o recurso procedente e ao revogar a decisão da 1ª instância, o acórdão recorrido violou a lei substantiva e a lei de processo, o que constitui fundamento para a presente revista (cfr. artigo 674º, nº1, alínea a) e b) do C.P.Civil).

  5. No âmbito deste processo, quer ao nível da 1ª instância quer ao nível da 2ª instância, foi definido que o documento que serve de base à execução (relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação) contém o reconhecimento de uma dívida, tal como está previsto no Art.458º, nº1 do C.Civil.

  6. Concordamos com o douto acórdão proferido nos presentes autos, na parte em que refere que a declaração dos sócios « … contém o reconhecimento de uma dívida e a promessa de a pagar …».

  7. No entanto, não concordamos que tal declaração da empresa e seus sócios não configure (também) uma assunção de dívida.

  8. No referido relatório, a empresa e os seus sócios não só reconheceram a existência de uma dívida à exequente no valor de 65.000,00 €, como decidiram transmitir a responsabilidade pelo pagamento da referida dívida, da esfera da empresa para a esfera pessoal dos seus sócios.

  9. Operou-se, é certo, uma transmissão da dívida através de um acordo entre a empresa e os seus sócios, nos termos do Art.595º, nº1, alínea a) do C.Civil.

  10. É largamente maioritário na doutrina e jurisprudência o entendimento de que, quando a obrigação dada à execução é causal, só pode ser requerida com a invocação da relação causal subjacente ou fundamental, sob pena de ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir.

  11. Necessário se mostra, pois, no caso concreto, verificar se foi (ou não) invocada a fonte da obrigação exequenda no requerimento executivo.

  12. A ora recorrente entende que a causa da obrigação resulta, ainda que de forma sucinta, do requerimento executivo.

  13. A fonte da obrigação exequenda é a dissolução da sociedade comercial CC, Ld.ª, e a responsabilidade dos respectivos sócios pelas dívidas da sociedade, nomeadamente pela dívida à exequente no valor de 65.000,00 €. São estes os factos constitutivos da obrigação exequenda dos executados perante a exequente, que demonstram claramente que se constituiu e reconheceu uma obrigação pecuniária individualizada, com a transmissão de dívida para os sócios e dissolução da sociedade.

  14. A relação causal fundamental desenvolve-se então, no caso concreto, entre a empresa devedora e os seus sócios, que vieram a assumir a dívida da sociedade perante a exequente (assunção de dívida), com vista à dissolução da sociedade comercial.

  15. Ora, no caso concreto, o relatório e contas de gestão da dissolução/liquidação e a referida acta valem como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, incorporando a obrigação subjacente ou fundamental, porque a causa foi alegada no requerimento executivo.

  16. Acresce que, assumindo os executados o pagamento da dívida da sociedade de que eram sócios, através de documento particular, operou-se uma assunção de dívida, com vista à dissolução daquela sociedade, sendo essa a causa que esteve na origem da obrigação exequenda.

  17. Tendo a ora recorrente invocado a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental, cabe aos devedores, por inversão do ónus da prova, provar que a relação nunca existiu ou deixou de existir.

  18. Entendemos que a causa da dívida não é a relação de onde procede a dívida da sociedade CC, Ld.ª à ora exequente. No caso concreto, a causa da dívida decorre da relação existente entre a sociedade e seus sócios que vieram assumir a dívida da sociedade perante a exequente, com vista à dissolução da sociedade.

  19. Na verdade, a causa da dívida apenas seria a relação de onde procede a dívida da sociedade CC, Ld.ª à ora exequente, se a ora exequente tivesse intentado a presente acção executiva directamente contra a sociedade, através de documento particular ou através de qualquer outro título. O que não aconteceu.

  20. A exequente intentou a presente acção contra os sócios da sociedade CC, Ld.ª, que entretanto, por acordo com a referida sociedade, e juntamente com a mesma, reconheceram aquela dívida em concreto (dívida no valor de 65.000,00 € da sociedade à exequente), tendo assumido pessoalmente a responsabilidade pelo seu pagamento, com vista à dissolução da sociedade – sendo esta a verdadeira relação causal subjacente ou fundamental.

  21. Portanto, ressalvado o devido respeito, entendemos que no acórdão proferido nos presentes autos, o Tribunal de 2ª instância não interpretou, nem aplicou correctamente a lei substantiva e a lei de processo, o que resultou na violação dos artigos 595º, nº1, alínea a) e 458º, nº1 do C.Civil e do artigo 46º, nº1, alínea c), 731º e 729º, alínea a) do C.P.Civil.

  22. No acórdão recorrido, o...

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