Acórdão nº 4076/15.8T8BRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB demandaram no dia 4-9-2015 CC Seguros Gerais, SA pedindo a sua condenação nos seguintes termos: Pagar ao A. AA

  1. A quantia global de 70.119,25€, sendo (a) 52.700€ devidos pelo capital seguro (68.700€) descontados do valor dos salvados de 16.000€, (b) 584,25€ referentes ao parqueamento da viatura sinistrada do A até ao dia 27-6-2014 no concessionário da marca e (c) 16.835€ de prejuízo de paralisação.

  2. Os prejuízos de paralisação desde 27 de junho de 2014 (dia até ao qual o veículo ficou em parqueamento) até ao dia do pagamento efetivo do capital seguro à razão de 35€ diários.

  3. O pagamento da eventual despesa de parqueamento que venha a ser apresentada pela oficina onde o carro se encontra desde o dia 27-6-2014.

  4. Em juros de mora sobre os valores peticionados.

    Pagar à A. BB

  5. A quantia global de 6.294,45€ sendo 344.45€ que pagou ao Hospital de …, 1500€ de prejuízo não patrimonial derivado dos fenómenos dolorosos,3.400€ relativos a implantes auriculares e 1050€ em transportes.

  6. No pagamento das despesas médicas e medicamentosas que a A. tenha de suportar no futuro na sequência do sinistro e nomeadamente na clínica ... pelos tratamentos já feitos e a fazer ainda não faturados.

  7. Em juros de mora sobre os valores peticionados.

    1. A ré é demandada pelo pagamento de indemnização correspondente aos danos sofridos pelos AA em consequência de sinistro rodoviário ocorrido no dia 11 de maio de 2014.

    2. O A., condutor do veículo sinistrado que deu causa ao acidente, tinha transferido os riscos de choque, colisão ou capotamento por contrato de seguro celebrado com a ré com início em 6-11-2013.

    3. O contrato de seguro abrangia danos próprios até ao montante de 68.700€, constatando-se que o custo de reparação era de 63.818,11€ (ver facto provado 14 infra).

    4. O sinistro foi participado no dia 11-5-2014.

    5. A ré no dia 5-6-2014 informa o A que a peritagem considerou que houve perda total do veículo (facto aceite pelo autor: ver facto 15 infra), comunicando os seguintes valores, "sem que tal pressuponha a assunção de qualquer responsabilidade por parte da seguradora", (a) 35.000 euros de valor venal; (b) 16.000 euros valor do veículo acidentado (salvados). No dia 9-6-2014 por sms a ré informa o autor declinando a responsabilidade pelo pagamento do sinistro "por, alegadamente, haver falta de provas" (facto que, no entanto, não se provou conforme facto 1 infra dos factos não provados).

    6. Alegou a A. que está sem viatura desde 11-5-2014 (facto 21 infra provado; que ficou sem meios de usar e fruir normalmente o veículo; que tem necessidade de usar o veículo no dia a dia para as suas deslocações profissionais e viagens de lazer principalmente ao fim de semana (facto provado: infra 22).

    7. A quantia de 16.835 euros foi contada desde o dia 11-5-2014 (dia do sinistro) até ao dia 4-9-2015 (dia em que a ação foi proposta) e foi calculada com base numa perda diária de 35 euros (ver facto 23 infra provado considerando que um veículo semelhante ao do autor tem um custo de aluguer diário de 35 euros).

    8. A ré alegou que os riscos transferidos para a seguradora não incluem a paralisação comummente chamada privação do uso nem as despesas de parqueamento e que o valor patrimonial do veículo não excede 35.000 euros (facto este que não se provou).

    9. A sentença, considerando que a ré dispunha de 60 dias para averiguação cabal do sinistro e que se vencia a obrigação de pagamento da indemnização decorridos 30 dias, sustentou que a ré teria de pagar o valor do veículo deduzidos os montantes dos salvados até ao dia 12-8-2014, considerada a data do sinistro, ocorrido em 11-5-2014. Por isso, a ré foi condenada no pagamento da quantia de 52.700 euros, valor do veículo (68.700 euros) descontados os salvados e a quantia de 35 euros/dia pela privação do uso desde 12-8-2014, data em que a indemnização deveria ter sido satisfeita, até à data do efetivo pagamento da indemnização devida. Incidem juros de mora à taxa legal sobre a quantia de 52.700 euros. A ré é absolvida do pedido de pagamento da indemnização respeitante ao parqueamento.

    10. A sentença condenou a ré a pagar à autora BB a quantia de 6.294,45€, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento e ainda a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos custos dos tratamentos efetuados na Clínica … em B….

    11. O acórdão da Relação confirmou a sentença.

    12. A revista excecional interposta pela ré seguradora com fundamento na contradição de acórdãos foi admitida.

    13. O acórdão fundamento é o acórdão da Relação de … de 19-5-2015 (127/14.1TBSCD.C1) transitado em julgado no dia 24-6-2015.

    14. A ré fundamentou a revista concluindo a minuta nos seguintes termos: 5) Nos presentes autos foram proferidas, na 1a instância e posteriormente na Relação, duas decisões de idêntico teor, e que incidiram sobre a interpretação e solução jurídica a conferir à seguinte questão: "Da (in)existência do dever de indemnizar o dano da privação do uso da coisa segura, fundado em violação de deveres acessórios de conduta, por retardamento peia Seguradora, da realização da prestação indemnizatória a que se vinculou por força do contrato de seguro de danos, de caráter facultativo e quando tal cobertura não foi expressamente convencionada" 6) O entendimento plasmado pelas duas instâncias espelha-se, sumariamente, no seguinte trecho constante do douto acórdão ora posto em crise: "(...) na hipótese de o tomador do seguro não receber, em tempo devido e injustificadamente, o capital previsto no contrato de seguro para a perda total do veículo, não há duvida de que poderá sofrer prejuízos decorrentes da privação do uso, que excedem os prejuízos da simples mora da obrigação pecuniária.

      A violação dos deveres acessórios, que se impunham neste caso, por aplicação do princípio da boa fé, constitui o lesante na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos sofrido.

      A propósito, como se refere na sentença, citando DD, o princípio indemnizatório significa que tendencialmente, a prestação do segurador não deve ultrapassar o dano decorrente do sinistro, o que constitui, naturalmente, uma questão diferente daquela que estamos a analisar.

      Por conseguinte, não obstante a cobertura da privação de uso não se encontrar especialmente contemplada no contrato, assiste ao Autor, neste caso concreto, o direito de ser indemnizado por ter suportado esse relevante prejuízo, em consequência da ré não ter cumprido os deveres acessórios de informação e de adequada prontidão, como lhe competia.

      Em suma, conclui-se que, in casu, a indemnização pelo dano patrimonial da privação do uso do veículo tempo a sua fonte na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta […]." 7) A seguradora recorrente discorda veementemente do entendimento vertido no douto aresto, sendo, a tese nele expendida a propósito do dever de indemnizar na situação concreta, fundado no disposto no art.762° do Cód. Civil e por virtude do incumprimento da realização da prestação indemnizatória ao abrigo do contrato de seguro de danos próprios, encontra-se em manifesta contradição com o entendimento constante do Acórdão do Tribunal da Relação de …, de 19/05/2015, proferido no âmbito do Processo n.° 127/14.1TBSCD.C1, onde se lê, no respetivo sumário: "1. Apesar de se tratar de um dano emergente, o segurador só responde pela privação do uso da coisa segura se assim se tiver convencionado no contrato de seguro.

      O atraso no retardamento, pelo segurador, da realização da prestação indemnizatória a que, por força do contrato de seguro, se vinculou, respeita à violação do dever principal ou primário de prestar e não à ofensa de qualquer dever acessório.

      Nos seguros de danos, o segurador está vinculado à realização de uma prestação indemnizatória puramente pecuniária, de origem contratual, pelo que, no caso de atraso na realização dessa prestação, a única indemnização devida é a correspondente aos juros legais, contados desde a data da constituição em mora." 8) É patente que, perante duas situações fácticas muito semelhantes, foram proferidas duas decisões contraditórias quanto à questão da ressarcibilidade do dano emergente da privação do uso da coisa segura, na específica situação em que esteja em causa uma seguro de danos, de caracter facultativo, em que não tenha sido convencionada a cobertura atinente à privação do uso ou veículo de substituição e em que a seguradora, não tenha satisfeito de imediato a indemnização devida em caso de sinistro (no caso, perda total).

      9) A decisão aqui posta em crise entende, pois, que o não pagamento imediato da indemnização devida ao abrigo do contrato de seguro, configura um incumprimento dos deveres acessórios de conduta ditados pelo princípio da boa fá na execução dos contratos, previsto no art. 762° do Cód. Civil e que, por tal motivo, ainda que estejamos diante de responsabilidade contratual e perante um contrato de seguro que, comprovadamente, não inclui a cobertura de danos próprios, tem o segurado direito a ser indemnização por este dano emergente da privação do uso do veículo.

      10) Por seu turno, o acórdão fundamento contempla um entendimento segundo o qual nos seguros de danos não existe uma verdadeira obrigação de indemnizar stricto sensu, mas sim uma vinculação, por banda da seguradora, de proceder ao pagamento de uma prestação de natureza estritamente pecuniária, que constitui o dever principal do contrato de seguro.

      11) Assim, o incumprimento dessa obrigação de pagamento - note-se de uma quantia monetária previamente acordada e referente ao valor da perda total do veículo seguro - configura o incumprimento do tal dever primário do contrato de seguro, e não de um qualquer dever acessório de conduta ditado pela boa fé.

      12) E, como tal, o incumprimento do contrato de seguro, nestes termos, faz a seguradora incorrer em mora, cuja indemnização é unicamente a correspondente aos juros legais, computados desde a data da constituição em mora e até efetivo e...

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