Acórdão nº 56/04.7TCGMR.G1.S2-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

AA e mulher, BB, depois do trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos, vieram interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 688º. e ss do CPC, alegando contradição daquele Acórdão com o Acórdão do STJ de 17.03.2005 (Proc. 433/05), por um lado, e, por outro, com os acórdãos de 07.04.2011 (Proc. nº 956/07) e de 27.11.2007 (Proc. 3815/07), no que respeita à questão da acessão da posse, adquirida no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda, para efeitos de usucapião.

Os Recorrentes formularam as seguintes conclusões: « (…) 4. Julgou-se, também, no douto Acórdão em recurso, que a acessão na posse de proprietário pode dar-se ainda que o título em que ela se funda não seja substancial nem formalmente apto à transmissão do correspondente direito de propriedade.

  1. Concretamente decidiu-se que um contrato promessa de compra e venda, com constituição do promitente-comprador na posse dos prédios objecto do contrato, atentas as mais circunstâncias do negócio (emissão de procuração, no interesse, expressamente mencionado, da sua autora e do procurador, e poderes para venda pelo procurador a terceiro ou a si próprio), permite a acessão entre a posse conferida ao promitente comprador e a que, como plena e exclusiva proprietária, era a da promitente vendedora.

  2. O assim decidido está em oposição com o que foi julgado nos doutos Acórdãos, igualmente deste Supremo Tribunal de Justiça, constantes dos documentos juntos sob os nºs 3 e 4 7. Também quanto a esta matéria entendem os Recorrentes ser o decidido nestes o conforme com a lei, não o sendo o douto Acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 1256º e 1294º do CCivil, 8. e, ainda, porque a interpretação feita no douto Acórdão recorrido do disposto no artigo 1296º representa uma ilegal contracção dos direitos de proprietário promitente vendedor, que plena e totalmente continua a sê-lo até à outorga do contrato prometido, com perda, nomeadamente, do direito de resolver o contrato promessa, com justa causa, antes de outorgada a escritura respectiva, 9. para além de que posterga o estatuído no artigo 413º do CCivil, consagrando um direito de sequela, de bem imóvel, decorrente de contrato promessa, sem que neste tenha sido clausulada a sua eficácia real, sem que tenha sido outorgado por escritura pública e sem que tenha sido registado.

  3. Deve, pois, ser uniformizada jurisprudência no sentido em que foi decidido nos doutos acórdãos, ou em qualquer deles, constantes dos juntos docs 3 e 4, nomeadamente no sentido de que não pode, para efeitos de acessão na posse, juntar-se a posse do promitente-comprador à do promitente vendedor proprietário pleno do bem objecto do contrato, apenas valendo, para efeitos de aquisição da propriedade por usucapião fundada em posse conferida ao promitente-comprador por contrato promessa particular, o prazo que começou na data do contrato».

  4. Contra-alegou a Autora, concluindo pela inadmissibilidade do recurso, o qual «se destina exclusivamente a protelar o trânsito em julgado da decisão, encontrando-se os Recorrentes – que já foram condenados em todas as instâncias como litigantes de má-fé – a litigar nos mesmos termos» e «Para além disso não colhem as conclusões … 4ª a 10ª que se fundamentam também no pressuposto errado que [a autora] não tenha exercido a posse quando … todos os quesitos 2º a 6º da base instrutória se deram como provados» (conclusão 14ª).

  5. Concluso o processo ao Relator, para os efeitos previstos no art. 692º do CPC, foi o recurso admitido, com fundamento em contradição quanto à questão indicada, reportada ao acórdão do STJ de 07.04.2011, (despacho a fls. 193/9).

  6. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da uniformização de jurisprudência, na formulação que indicou.

  7. Vistos os autos, cumpre decidir.

    II – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.

  8. Dispõe o artigo 688º, nº 1, do Código de Processo Civil, que: «As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito».

    O recurso para uniformização de jurisprudência tem na sua base e fundamenta-se numa contradição existente entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

    Pretende-se com este recurso extraordinário solucionar e dirimir um conflito de jurisprudência sobre a mesma questão de direito, decidida contraditoriamente por dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

    Foi partindo deste pressuposto – contradição de Acórdãos deste Supremo tribunal de Justiça - que este recurso extraordinário foi liminarmente admitido.

    Confrontado o Pleno das Secções Cíveis com o mérito dos Acórdãos em causa, foi suscitada a questão prévia da contradição de julgados.

    Deste modo, importa verificar se se encontra preenchido aquele requisito, ou seja se existe oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, do Supremo Tribunal de Justiça de 07.04.2011 (Proc. nº 956/07.2TBVCT.G1.S1). 2. Será que efectivamente ocorre uma oposição entre o Acórdão recorrido e o invocado Acórdão fundamento? Existirá um real e efectivo conflito entre aquelas duas decisões? Sabe-se que «1. Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito».

    E, que «2. O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito: - correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados; - têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto; - a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica», Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2014, in www.dgsi.pt.

    3 - Vejamos os factos em causa em ambos os Acórdãos

    1. No Acórdão Fundamento, que confirmou o acórdão da Relação, foi considerada a seguinte factualidade: a) Autora e Réu casaram, no regime da comunhão de adquiridos, no dia 12-04-1987.

      1. Corre termos no 1º Juízo Cível da Comarca de … - Proc. n.º 3.326/06.6 TJVNF, uma acção de divórcio litigioso, instaurada pela Autora, em 13-11-2006.

      2. Numa acção de contrato de trabalho instaurada pela Autora, que com o nº 838/06.5, correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal de Trabalho de …, foi o 1º Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 66.782,09.

      3. Está inscrito na matriz sob o art. 1944º e descrito na CRP de ... sob o n.º 200-O prédio “Fracção autónoma, designada pela letra O, Tipo T3, correspondente ao 5° andar esquerdo, com um lugar na cave, uma varanda e uma floreira, sito na freguesia de ...”.

      4. O prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, de que a identificada fracção “O” faz parte, foi construído numa parcela de terreno, designada por Lote n° 264 do Loteamento para que foi concedido pela Câmara Municipal de … o alvará n° 7…6/86 de 2 de Dezembro, que a 2ª Ré comprou a “S... - Sociedade de Empreendimentos e Urbanizações, Lda”, por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 11 de Novembro de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT