Acórdão nº 3074/16.9T8STR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório AA e marido, BB instauraram a presente ação declarativa comum contra Heranças Indivisas de CC e DD, representadas pelas únicas e universais herdeiras, EE e FF, pedindo que seja: a) reconhecido e declarado o direito de propriedade dos autores sobre duas lojas amplas de rés-do-chão destinadas a comércio, designadas pelas letras “A” e “C”, ambas no prédio urbano sito na Rua …, em …, freguesia de Fátima, concelho de Ourém, inscrito na respectiva matriz sob o art.2…6 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o número 81.

  1. decretado o cancelamento da inscrição predial a favor das rés resultante da Ap. 3 de 2008/04/29.

    Alegaram, para tanto e em síntese, que em 1980 e1981, o CC vendeu ao autor marido as ditas frações autónomas, onde a autora mulher, desde 1981, passou a exercer a sua actividade de comércio de calçado, pronto-a-vestir, malas de viagem e carteiras de senhora.

    Desde então, os autores ocupam as referidas fracções, de forma continuada e ininterrupta, na convicção de serem os seus legítimos donos, à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja, pelo menos, até outubro de 2010.

    Não obstante, através de documento escrito, datado de 15 de março de 1982, o CC ter declarado dar de arrendamento à autora mulher cada uma das fracções “A” e “C”, tal documento foi feito com o objectivo de evitar o pagamento de uma coima e liquidação adicional de imposto de sisa, no montante e 736.972$00, referente ao valor da sisa devida pela aquisição da fracção “A”.

    Mais alegaram que, na ação de despejo, a invocação do direito de propriedade tem natureza reconvencional e que, sendo facultativa a dedução de reconvenção, não só não lhes é oponível o argumento da preclusão da defesa como nada os impede de proporem a presente ação. 2. Contestaram as rés, sustentando que os factos alegados pelos autores já foram apreciados e decididos nos embargos de execução nº 1293/10.0TBVNO-C, pelo que o tribunal não pode voltar a discutir nesta ação os mesmos factos sob pena de violação da autoridade do caso julgado formado na sentença proferida na ação declarativa nº 1293/10.0TBVNO.

    Mais argumentaram existir identidade, quanto aos sujeitos, objecto e pedido, entre a presente ação e a ação nº 1621/11.1TBVNO, onde foi decidida a absolvição das rés da instância por verificação da exceção de caso julgado.

    Concluíram pugnando pela extinção da instância por força da exceção da autoridade de caso julgado e pela condenação dos autores em multa e indemnização por litigância de má fé ou, em alternativa, pela condenação dos mesmos na taxa sancionatória prevista no art. 531º do CPC.

    1. Notificados os autores para, no prazo de 10 dias, exercerem o contraditório relativamente à invocada exceção da autoridade de caso julgado e litigância de má fé, sustentaram os autores a improcedência desta exceção e do pedido de condenação por litigância de má fé.

    2. Proferido despacho saneador, nele considerou-se precludido o direito dos autores proporem a presente acção e procedente a exceção de caso julgado, absolvendo-se os réus da instância. Mais se decidiu pela improcedência do pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé.

    3. Inconformados com esta decisão, vieram os autores interpor recurso de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. Aludindo à figura da preclusão, o Tribunal entende que a revelia dos aqui Autores na acção declarativa nº 1293/10.0TBVNO [melhor identificada em a) de 2 da petição inicial] os impede de agora invocarem o direito de propriedade sobre as fracções identificadas em 1 da petição inicial.

    4. Em processo civil, o princípio da preclusão está associado ao princípio da concentração da defesa na contestação, nos termos do qual o réu deve verter na contestação todos os argumentos defensionais de que disponha.

    5. À luz dos princípios da concentração e da preclusão, fica prejudicada a hipótese de invocação posterior de matéria impeditiva (e modificativa ou extintiva) do direito feito valer na acção.

    6. O Tribunal laborou em erro ao reconduzir a invocação do direito de propriedade sobre uma coisa à defesa por excepção peremptória impeditiva (“factos impeditivos”, conforme ficou exarado).

    7. Na verdade, se o demandado pretender invocar o direito de propriedade sobre uma coisa, tal invocação tem óbvia natureza reconvencional, na medida em que está fazendo valer uma pretensão própria e autónoma, o que é típico da reconvenção.

    8. Porque assim, visto que os princípios da concentração e da preclusão só operam relativamente à matéria defensional, não faz sentido falar em preclusão quanto à (não) invocação do direito de propriedade pelo réu.

    9. Dito de outro modo, nada obsta a que, em momento posterior e em acção própria, aquele que foi demandado venha a invocar factos constitutivos do (seu) direito de propriedade, tanto mais que, nos termos da lei, a reconvenção tem natureza facultativa.

    10. Embora tendo ambas por base o trânsito em julgado de uma decisão, a excepção de caso julgado e a autoridade do caso julgado são figuras distintas.

    11. A excepção de caso julgado orienta-se pelo objectivo de impedir a repetição de causas, tomadas estas segundo o critério da tríplice identidade, isto é, identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – por isso se fala em efeito negativo, já que o caso julgado impede nova apreciação do mérito.

    12. A autoridade do caso julgado conduz à necessidade de respeitar uma decisão anteriormente proferida, dispensando-se a dita tríplice identidade – assim se fala em efeito positivo, já que a primeira decisão se impõe como pressuposto incontornável da segunda decisão de mérito.

    13. Quando se invoca a excepção de caso julgado, do que se trata é de afirmar que o Tribunal se deve recusar a proferir decisão sobre o mérito da causa, isto é, sobre o fundo da questão.

    14. Tudo isso porque se verifica uma repetição de causas, tomada esta repetição à luz da incontornável tríplice identidade – em ambas as acções, serão os mesmos os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.

    15. E quando se invoca a autoridade do caso julgado, do que se trata é de sinalizar a necessidade de, na segunda acção, o Tribunal respeitar uma decisão anteriormente proferida.

    16. O reconhecimento da excepção de caso julgado, dado que esta se trata de uma excepção dilatória, determina, nos termos legais, um juízo de absolvição da instância.

    17. Por sua vez, o reconhecimento da autoridade do caso implica que, na decisão de mérito a proferir em certa causa, se respeite o anteriormente decidido noutra causa.

    18. Conforme resulta da lei, a absolvição da instância não obsta a que seja proposta nova acção quanto ao mesmo objecto.

    19. O mesmo é dizer que uma decisão desta natureza, porque não decide do mérito da causa, não é susceptível de gerar caso julgado.

    20. A decisão de absolvição da instância proferida nestes autos conduz a uma situação absurda, pois isso pressuporia a anterior prolação de uma decisão sobre o mérito da causa.

    21. No caso vertente, a decisão anterior a que o Tribunal se refere decretou somente a absolvição da instância, não tendo, por conseguinte, apreciado o mérito da respectiva causa, razão pela qual também não é passível de gerar caso julgado.

    22. Consequentemente, nada obsta à instauração da presente acção, na qual deverá ser proferida uma decisão que aprecie materialmente o direito de propriedade que os aqui Autores invocam, e invocam a título originário, relativamente às fracções identificadas em 1 da petição inicial.

    23. E isto é tanto mais assim quanto não é possível dizer que, na acção referida em a) de 2 da petição inicial, na qual os aqui Autores eram demandados e incorreram em revelia operante, foi decidida a favor das aqui Rés (e então demandantes) a questão do direito de propriedade sobre as ditas fracções.

    24. Aliás, naquela acção, que visava a resolução de um pretenso contrato de arrendamento, as aqui Rés (aí demandantes) não se arrogaram proprietárias nem formularam qualquer pretensão de reconhecimento de um direito de propriedade sobre as fracções alegadamente locadas.

    25. Acresce que, naquela acção, que foi julgada procedente em regime de revelia operante, a sentença não se pronunciou sobre a questão da propriedade das ditas fracções – nem podia fazê-lo, sob pena de nulidade, por força do chamado princípio do pedido, que limita o julgamento ao peticionado.

    26. Não pode olvidar-se que a mera invocação da segurança jurídica é susceptível de encobrir situações de manifesto abuso, as quais não podem merecer tutela jurisdicional.

    27. No presente caso, o simples apelo à sentença proferida na acção referida em a) de 2 da petição inicial, com a tese de que tudo ficou resolvido ali, equivale a caucionar uma conduta absolutamente abusiva e censurável das aqui Rés.

    28. Mostra-se violado o disposto nos arts. 278º, nº1, al. e), 279º, nº 1, 577º, al. i), 580º, 581º e 619º do Código de Processo Civil, impondo-se a revogação da decisão recorrida, com o prosseguimento da lide para apreciação do pedido formulado na petição inicial».

    11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *** II. Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos...

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