Acórdão nº 40/10.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 02 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
Caisse Suisse de Compensation intentou acção contra Fundo de Garantia Automóvel, Herdeiros incertos de AA e BB, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe: a) A quantia de € 39.769,93, a título de prestações já entregues à viúva do seu segurado; b) A quantia de € 19.878,95, a título de prestações já entregues à filha do seu segurado; c) A quantia de € 126.417,00, a título de prestações futuras a entregar pela autora à viúva do seu segurado; d) A quantia de € 99.914,66, a título de prestações futuras a entregar pela autora à filha do seu segurado; e) Juros de mora, à taxa legal, contados sobre as quantias antes enunciadas, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamentou as suas pretensões na ocorrência de um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel com a matrícula UL-...-... (pertencente à R. BB, que era conduzido por AA) e o motociclo com a matrícula …-…-TD (conduzido pelo seu proprietário, CC), acidente de que resultou a morte de ambos os condutores. Em virtude de CC ser segurado/beneficiário da A., e em consequência da sua morte, a A. passou a pagar a cada uma das suas herdeiras (concretamente DD e EE, respectivamente, viúva e filha do segurado) uma pensão, com periodicidade mensal, a partir de 1 de Junho de 2004, ficando, nessa medida, sub-rogada nos direitos destas últimas perante os responsáveis pelo acidente.
O Fundo de Garantia Automóvel contestou a acção e deduziu incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros FF, S.A.
, de DD e de EE, incidente que foi admitido como intervenção acessória.
BB contestou a acção, invocando excepção de ilegitimidade passiva por, na data do acidente, existir seguro válido celebrado com a Companhia de Seguros GG, S.A.
, que cobria a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo com a matrícula UL-...-..., e deduziu incidente de intervenção principal provocada da referida seguradora, incidente que foi admitido.
Contestaram a acção a interveniente principal Companhia de Seguros GG, S.A., a interveniente acessória Companhia de Seguros FF, S.A.. e as intervenientes acessórias DD e EE.
Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual a A. requereu prazo para dedução de incidente de intervenção principal dos herdeiros legitimários de AA, pretensão que foi deferida. A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de BB, HH e II, na qualidade de herdeiros de AA, que foi admitido. Os intervenientes HH e II contestaram.
Na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, foi informado que GG – Companhia de Seguros, S.A. e Companhia de Seguros FF, S.A.. se fundiram por incorporação, passando a denominar-se JJ Companhia de Seguros, S.A.
Por sentença de fls. 992, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se HH, II e BB, na qualidade de herdeiros de AA e na proporção das quotas que a cada um deles coube na herança deste último, a pagar à A. a quantia de € 13.802,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação até efectivo pagamento, sendo absolvidos os demais intervenientes e demandados dos pedidos contra si deduzidos.
Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação no Tribunal da Relação do Porto. Tanto o FGA como BB contra-alegaram, pedindo a ampliação do objecto do recurso. Apenas foi admitido o segundo pedido de ampliação do objecto do recurso, que se decidiu mandar seguir como recurso subordinado.
Por acórdão de fls. 1177, foi a apelação julgada parcialmente procedente, bem como o recurso subordinado de BB, na qualidade de herdeira de AA, decidindo-se: a) Revogar o segmento da sentença recorrida que absolveu do pedido a JJ Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de sucessora da GG – Companhia de Seguros, S.A., e seguradora do veículo de matrícula UL-...-..., condenando-se a mesma a pagar à A. a quantia de € 15.492,57; b) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou BB, HH e II, todos na qualidade de herdeiros de AA e, com fundamento em ilegitimidade legal, absolvendo-se todos da instância; c) No mais, manter a sentença recorrida.
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A interveniente JJ Companhia de Seguros, S.A., veio recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. Afigura-se à Recorrente que o douto Acórdão recorrido não poderá manter-se.
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A decisão recorrida consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.
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Resultou provado nos presentes autos que na data em que se verifica o sinistro dos autos existia um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-...-... titulado pela apólice n.º AU4…1.
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Resultou igualmente provado que o contrato de seguro celebrado com a Recorrida relativamente ao veículo matrícula UL-...-... era nulo nos termos dos arts.º 428.° e 429.° do Cód. Comercial.
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Quem figurava, na proposta de seguro, como condutor habitual do veículo era o segurado HH, pai do condutor do veículo de matrícula UL-...-....
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O veículo de matrícula UL-...-... era propriedade da Recorrida BB, casada, quer à data da celebração do contrato de seguro, quer à data do sinistro, com o condutor do UL-...-....
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Conforme resultou da prova produzida nos presentes autos, à data do sinistro, o condutor habitual do veículo seguro era o filho do tomador do seguro.
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A Recorrente apenas teve conhecimento destas situações depois de o contrato de seguro dos autos ter sido celebrado.
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O Tomador do seguro, HH, declarou, também, aquando da subscrição da PROPOSTA DE SEGURO que era o proprietário da viatura segura desde 11.06.1999.
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Aquando da celebração do contrato de seguro, o tomador do seguro não só omitiu que o condutor habitual do veículo era o seu filho mas, pior ainda, falseou a verdade quando referiu expressamente ser o proprietário da viatura de matrícula UL-...-..., a qual a Recorrente se estava a propor segurar.
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O tomador do seguro omitiu conscientemente não ser ele o condutor habitual do veículo matrícula UL-...-... e que o dito veículo não era sua propriedade, prestando, assim, falsas declarações quer quanto à identidade do condutor habitual desse veículo quer relativamente ao direito de propriedade sobre o mesmo.
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A propriedade do veículo e a identidade do condutor habitual são factos que influem sobre a existência e condições do contrato de seguro, o que sucedeu no caso concreto.
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Entre outros factores, a data da licença de condução bem como a idade do segurado são elementos determinantes da contratação de um seguro.
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O condutor habitual do veículo tinha, à data do sinistro, carta há apenas 2 (dois) anos e menos de 25 (vinte e cinco) anos de idade.
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O único motivo por que o Segurado HH prestou falsas declarações sobre a identidade do condutor habitual do veículo bem como da propriedade do veículo foi, no primeiro caso, o não estar sujeito a agravamentos do "preço" do seguro e, no segundo caso, o facto de a Recorrida nem sequer fazer o seguro.
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O segurado tinha plena consciência da falta de verdade nas declarações que prestou e de que iria beneficiar do prémio de seguro, sem qualquer agravamento, em prejuízo da Recorrente, como beneficiou, até à data em que procedeu à anulação do seguro devido ao facto de o veículo ter perecido.
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A nulidade do contrato de seguro é uma excepção peremptória que impede o efeito jurídico dos factos alegados pela Recorrida KK, por um lado, e pela Recorrida BB, por outro, nos termos do n.º 3 do art.º 493.° do CPC, importando, pois, a absolvição da Recorrente.
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A Recorrente aceitou o contrato de seguro em causa com base na proposta de seguro assinada pelo segurado HH em 11.06.1999.
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Para a aceitação desta proposta pela Recorrente era condição essencial que o proponente respondesse e fizesse declarações com toda a verdade e isenção.
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O segurado ao subscrever a proposta declarou que o veículo de matrícula UL-...-... era sua propriedade e que era o condutor habitual do dito veículo.
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O que o mesmo declarou não correspondia minimamente à verdade.
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Perante a proposta de adesão, a Recorrente aceitou o risco com desconhecimento de todos os factores agravantes do mesmo, não podendo assim sujeitar o processo à análise dos seus serviços, e, posteriormente, caso fosse essa a decisão, proceder à aceitação condicionada do risco, até em termos de valor do prémio do seguro.
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Além do mais, o contrato de seguro é um contrato assente nos princípios da boa fé, pelo que a doutrina entende que nas declarações que prestam os segurados, além de responderem e prestarem os esclarecimentos expressamente solicitados, devem informar o segurador de quaisquer outras circunstâncias susceptíveis na opinião do risco.
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O contrato de seguro é NULO, nos termos dos art.ºs 428.° e 429.° do Cód. Comercial e também das Condições da Apólice.
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Nos termos da lei, considera-se nulo o contrato de seguro celebrado entre o Segurado e a ora Recorrente e que tem por objecto o veículo de matrícula UL-...-... e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro.
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A questão de sucessão de regimes legais é relevante.
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Estando em causa um contrato celebrado na vigência do DL 522/85 (como sucede com o caso dos autos) e um acidente ocorrido nesse enquadramento, mas tratando-se de um efeito (a intervenção da Recorrida e do Fundo de Garantia) já produzido no domínio do DL 291/2007, a sucessão de leis é relevante.
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O art.º 54.°, n.º 6 do DL 291/2007 assumiu um pendor objectivamente interpretativo, projectando o seu sentido na lei interpretada (o art.º 25.°, n.º 1 do DL 522/85), como resulta do art.º 13.°, n.º 1 do CC.
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No quadro legal emergente da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (LCS), a afirmação do tomador do seguro nos termos em que o foi no caso dos autos gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do...
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