Acórdão nº 11674/16.0T8LSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução02 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e mulher BB, intentaram a presente acção declarativa sob a forma comum contra o Banco CC, S.A.

, e o Banco DD, S.A.

, peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 180.862,3, com juros vincendos sobre € 160.850,00 desde a citação até integral pagamento.

Fundamentam o seu pedido na subscrição de acções preferenciais Poupança Plus e Euro Aforro sem o seu conhecimento e autorização, tendo sido vítimas de burla por parte dos funcionários do CC. Consideram que existe responsabilidade civil contratual e extra-contratual do CC por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediário financeiro, responsabilidade que, por força da medida de resolução aplicada ao CC e criação do banco de transição, foi transferida para o Banco DD, S.A..

Por requerimento entrado em 17-8-16, veio o CC informar que, por deliberação do BCE de 13-7-16, foi revogada a autorização que detinha para o exercício da actividade bancária, pelo que tal deliberação determinou a sua insolvência, seguida de liquidação, devendo considerar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

O R. Banco DD, contestou a acção, invocando que, por via da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3-8-14, o crédito aqui reclamado não se transferiu para si, tendo-se mantido na esfera do CC, conforme deliberação rectificativa de 11-8-14 do BdP, a qual foi objecto de duas novas deliberações, em 29-12-15, a clarificar que não haviam sido objecto de transferência para o Banco DD os créditos decorrentes de acções preferenciais emitidas por sociedades veículo, estabelecidas e vendidas pelo CC. Alegou ainda que mesmo que, por via destas deliberações, tivessem sido transmitidos os passivos, estes devem considerar-se retransmitidos ao Banco CC com efeitos às 20 h do dia 3-8-14, atenta a deliberação do BdP denominada “retransmissão”, da mesma data.

Notificados os AA. para se pronunciarem sobre a matéria das excepções alegadas pelos RR., vieram responder que o Banco DD é o sucessor do CC, tendo os títulos na sua posse, pelo que poderá exercer os direitos nele previstos contra o CC, sendo pois parte legítima na demanda.

Foi proferida decisão decomposta em dois segmentos: - Por um lado, julgou extinta a instância contra a massa insolvente do Banco DD, SA, por impossibilidade superveniente da lide, decorrente da declaração de insolvência; - Por outro lado, julgou a acção improcedente relativamente ao Banco DD, S.A., que foi absolvido do pedido.

Os AA. interpuseram então recurso de revista per saltum em que suscitam as seguintes questões: - Inadmissibilidade de um órgão administrativo, como o Banco de Portugal, se imiscuir nos direitos fundamentais económicos, em violação do princípio da separação de poderes, quer do poder legislativo, quer dos tribunais; - Caracteriza como confisco as deliberações do Banco de Portugal que executaram a resolução do CC e criaram um banco de transição, em detrimento da garantia patrimonial que os credores poderiam exercer sobre todo o património do CC e sem garantia e justa indemnização de todos os credores; - Solidariedade de ambos os RR. pelo ressarcimento de todos os prejuízos causados aos AA. pelo antigo CC, em consequência da violação dos deveres de cuidado relativamente aos clientes comuns; - Inconstitucionalidade material e orgânica das normas ao abrigo das quais se operou a transferência de património para o Banco DD; - O Banco DD deve ser considerado com sucessor nos direitos e obrigações que foram transferidas da esfera do CC; - Inverificação de uma situação de impossibilidade superveniente da lide relativamente ao CC em Liquidação e afirmação da legitimidade material do Banco DD relativamente à pretensão dos AA.

Houve contra-alegações de ambas as RR.

Cumpre decidir.

(…) III – Decidindo: 1.

A decisão recorrida decompõe-se em dois segmentos, um relacionado com a pretensão que foi deduzida contra o Banco CC, SA, agora em Liquidação, e outro reportado ao Banco DD, S.A., entidade que foi constituída por deliberação do Banco de Portugal, ao abrigo dos poderes de resolução bancária que lhe foram legalmente atribuídos.

Relativamente ao CC, em Liquidação, a 1ª instância decidiu considerar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ao passo que, quanto ao Banco DD, S.A., foi apreciado o mérito da pretensão, culminando na sua improcedência e na consequente absolvição do pedido.

Os argumentos que foram empregues na decisão recorrida relativamente a cada um dos segmentos não são coincidentes. Com efeito, a decisão de natureza formal que foi adoptada quanto ao CC, em Liquidação, assenta fundamentalmente numa decisão do Banco Central Europeu que revogou a licença bancária que o CC, S.A, detinha. Por via disso, o CC, S.A, entrou em liquidação, que foi iniciada no tribunal nacional onde se encontra pendente. Já no que respeita ao Banco DD, S.A., o resultado declarado funda-se essencialmente em deliberações do BdP, no exercício das suas funções que integram o poder de declarar a resolução de entidades bancárias, a constituição de banco de transição e a repartição dos activos e passivos da entidade bancária.

Fundando-se a decisão recorrida naqueles argumentos de ordem legal e administrativa, tendo em conta os poderes que são conferidos quer ao BCE, pelo Tratado da União Europeia, quer ao BdP, por legislação interna que visa regular a liquidação de instituições de crédito e a criação de bancos de transição, os recorrentes não colocam em crise o acerto da decisão fundada estritamente nas normas de direito ordinário que subjazem tanto á declaração do BCE como às deliberações do BdP. E na verdade, nenhuma crítica há a fazer relativamente aos efeitos jurídicos que foram extraídos pelo tribunal recorrido dos referidos instrumentos legais e regulamentares, de tal modo que, falhando outros fundamentos alegados, nada mais haveria a fazer do que confirmar ambos os segmentos decisórios e as respectivas motivações.

Ciente desta realidade os AA. procuraram evitar a confirmação da sentença e fizeram-no com uma argumentação que, em múltiplos aspectos, acaba por ser comum a ambos os segmentos decisórios, que essencialmente nos remete para preceitos ou princípios constitucionais que teriam sido violados, justificando-se que seja feita uma análise conjunta antes de tomar posição sobre a pretendida revogação da decisão recorrida.

Os AA. veicularam a sua pretensão através de recurso de revista per saltum, o que se compreende no âmbito de uma estratégia que visou evitar a ocorrência de uma situação de dupla conforme (art. 671º, nº 3, do CPC) que porventura projectaram a partir da multiplicidade de acórdãos das Relações que vêm confirmando decisões semelhantes às que agora são objecto de recurso proferidas em acções com semelhantes contornos fáctivos e jurídicos (ver por todos os Acs. da Rel. de Lisboa, de 7-3-17 e de 9-3-17, CJ, tomo I, págs. 69 e 89).

  1. Não deixaremos de analisar e de responder aos argumentos expostos pelos recorrentes que assim se sintetizam:

    1. O primeiro argumento terçado pelos recorrentes é o de que não compete ao BdP, enquanto entidade de natureza administrativa, imiscuir-se nos direitos fundamentais económicos dos cidadãos, em substituição do legislador, vendo no regime legal instituído fundamento para a declaração de inconstitucionalidade com base na violação do princípio da separação de poderes na vertente legislativa e jurisdicional. Violação que existiria ainda quando, com base nos poderes administrativos do BdP, o tribunal a quo remeteu para as deliberações do BdP, o que representaria violação do direito de acesso aos tribunais.

    2. O segundo argumento é dirigido contra a deliberação do BdP de 29-12-15, que estabeleceu a separação dos activos e passivos que transitariam ou não para o Novo Banco, considerando os recorrentes que é “profundamente injusta e imoral”, violando a CRP, a CEDH, a DUDH e o CC, valendo este como “lei ordinária reforçada”. Tal...

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