Acórdão nº 7397/15.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 28 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1. AA intentou acção de condenação contra BB alegando ser comproprietária de fracção autónoma, por compra a sua mãe, que a havia herdado de Luís Manuel da Silva Pinho, indicando que este, à data da sua morte, vivia em união de facto com a Ré e que, por via dessa união, a Ré tinha o direito de habitar a fracção pelo prazo de 5 anos (que já havia decorrido) e que, não obstante a interpelação para a sua entrega, a Ré não o fez, pelo que se encontraria a ocupar a fracção, devendo indemnizar a autora pelo montante correspondente ao que esta poderia obter se tivesse arrendado a fracção a terceiro.
A Ré apresentou a sua defesa.
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Em 1ª instância foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou que a autora é dona e legitima comproprietária da fracção, condenando-se a ré a reconhecer e respeitar tal direito, mas absolveu a ré dos restantes pedidos contra si formulados.
Inconformada com a decisão dela apelou a A., tendo a R. contra-alegado.
O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o recurso, tendo confirmado a decisão recorrida.
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Novamente inconformada com a decisão, veio dela apresentar recurso de revista excepcional a A., atento o impedimento à revista normal “dupla conforme”.
O Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso, por decisão da formação, nos termos do disposto no art.º 672.º do CPC.
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Nas conclusões do recurso, a A. afirma (transcrição): 1ª. A presente questão prende-se com o alcance dos direitos e deveres em sede de união de facto, com a aplicação e interpretação de sucessão de leis no tempo, com relevância para o Ordenamento Jurídico, que não se confina aos interesses das partes, saber até que ponto se procurou limitar o direito de propriedade e a sucessão hereditária, com toda a relevância para a vida familiar no futuro, já que a lei da união de facto não estabelece normas transitórias, tornando mais complexo o objectivo do legislador, o que justifica a recorribilidade do acórdão em crise, nos termos do disposto na alínea a), do n." 1, do artigo 672°, do CPC.
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Por outro lado, a Recorrente é pessoa humilde e de condições económicas precárias; litigando com o beneficio do apoio judiciário, encontrando-se, por vezes desempregada, atendendo à grave crise que assola o país, não podendo contar com o único imóvel de que é titular, nem possuindo qualquer outro para sua habitação, estando em causa verdadeiras restrições ao direito de propriedade e à própria sucessão hereditária, cujos limites devem ser estabelecidos, o que assume toda a relevância em situações grandes dificuldades económicas de habitação de parte a parte, e, daí, que se mostrem em causa interesses de particular relevância social.
3a. Encontra-se, pois, justificado o presente recurso de revista excepcional, na medida em que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e também porque se mostram em causa interesses de particular relevância social.
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De acordo com o douto Acórdão do STJ, de 30/0112014, Revista excepcional n.º 1246/10.9JTLSB, disponível em www.dgsi.pt.: "III - O requisito da alínea a) do n." 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil implica a controvérsia da questão jurídica na doutrina e na jurisprudência, a sua complexidade, ou, finalmente a sua natureza inovadora, em termos de justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas e porem em causa a boa aplicação do direito.
IV - O requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 6720 do Código de Processo Civil tem ínsita a aplicação de preceito ou instituto a que os factos sejam subsumidos e que possa interferir com a tranquilidade, a segurança ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito"; o que "in casu" se verifica pelo que o presente recurso de revista excepcional deverá ser admitido e apreciado enquanto tal.
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O douto acórdão recorrido, ao considerar provado que a Ré viveu em união de facto com o falecido CC durante 22 anos até ao falecimento deste ocorrido em 01-02-2007, no que ao período de 22 anos concerne, baseou-se, apenas no documento da Junta de Freguesia, uma vez que, como refere, as testemunhas não referiram a data precisa em que a R. iniciou a sua vida em comum com o falecido CC.
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O douto acórdão recorrido refere, e bem, que do documento da Junta de Freguesia não pode resultar a prova plena dos factos que atesta.
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Dispõe o art.s 2.º-A, n.º 4 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30/08) que "No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela Junta de Freguesia atesta que o interessado residia há mais de 2 anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de 2 anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão de óbito do falecido", sendo que o documento em apreço não é acompanhado por qualquer documento, não especificando a materialidade concreta subjacente ao conceito jurídico união de facto.
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Retira-se de tal documento que se filia em testemunhos e documentos arquivados na referida Junta, sendo que, tratando-se de uma questão controvertida e objecto de litígio judicial, só em audiência de julgamento se podia provar a duração da factualidade integrante da união de facto, que não podia o douto acórdão recorrido concluir que a união de facto durou 22 anos, pelo que, ao conceder-lhe tal virtualidade, aliado a testemunhos que não corroboraram esses 22 anos, o douto acórdão recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, padecendo da nulidade, prevista na al. d), "ín fine", do n.º 1 do art.s 615.º do CPC.
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A união de facto corresponde em termos factuais a uma comunhão de leito, de habitação e de mesa, e não tendo sido possível atestar a data do início dessa união "in casu", como os conceitos jurídicos que, construídos, é certo, a partir de realidades materiais, não se confundem com essa materialidade subjacente, sempre a R. teria que ter provado em termos concretos e factuais, a materialidade subjacente ao conceito união de facto e o seu início.
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Como muito bem refere o Ac. TRL 08/05/2012, proc. n.º 3410/11.4TBSXL.BLl-l, disponível in www.dgsi.pt, "Nem com a alteração introduzida no art.º 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, pelo art. 1.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, o texto actualmente em vigor no n.º 2 do primeiro dos normativos citados, é suficiente para, por si só, definir a compreensão/extensão lógica do conceito 'união de facto', que, independentemente da realidade material que lhe possa subjazer, é um conceito/instituto jurídico.".
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Assim, ao considerar provada a alínea G) dos factos provados, o douto acórdão recorrido acaba por não justificar os fundamentos de facto que justificam a decisão, tendo plasmado apenas um conceito de direito, pelo que padece da nulidade de sentença, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
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Caso não se considerem tais invocações como nulidades, as mesmas constituirão pelo menos, erros de julgamento, tendo o douto acórdão recorrido violado os artigos 2º -A, nº 4, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30/08) e como tal devem ser apreciados por V. Exas ..
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Não tendo as testemunhas atestado a data do início da união de facto o douto acórdão recorrido ao considerar que existiu união de facto por 22 anos acaba por violar as regras de produção da prova, quer documental, quer testemunhal previstas nos artigos 362º e seguintes do C. Civil, bem como o artigo 607º, n.ºs 4 e 5, do CPC, pois não tendo as testemunhas sido capazes de atestar a data do início da união de facto, e não tendo o documento da Junta tal virtualidade, tal só poderia ser atestado por documento com tal virtualidade, designadamente documento subscrito por ambos os unidos, o que não é o caso.
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Por outro lado, o documento em apreço foi apresentado 19 dias antes da audiência de discussão e julgamento, em violação do disposto no art.º 423.º n.º 2 do CPC determina que só podem ser apresentados documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, pelo que teria que aplicar-se o n.º 3 do referido dispositivo legal, não tendo a Ré apresentado qualquer justificação, pelo que a sua admissão é ilegal e viola a referida norma, o que constitui nulidade.
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Pretende o douto acórdão recorrido que a redacção de 2010 da lei 7/2001 é aplicável à situação dos autos, já que o que importa não é o momento da morte do membro da união de facto, mas se, o momento em que se pretende constituir o direito à habitação.
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Quando CC faleceu, estava em vigor a Lei n.º 7/2001, de 11/05, e não a Lei n.º 23/2010, de 30/08, sendo que a união de facto prevista no artigo 2020.º do C. Civil cessa com a morte de um dos seus membros.
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Por outro lado, a R./Recorrida constituiu o direito à habitação em Fevereiro/2007, de acordo com a Lei 7/2001, em vigor à data da constituição de tal direito, com a duração de cinco anos.
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Para efeitos da aplicação da lei no tempo, nos termos do artigo 12º do C. Civil, os factos que permitem desencadear o efeito de atribuição do direito a que se arroga o sobrevivente da união de facto, devem reportar-se à data da morte, considerada como facto instantâneo pelo que a Lei n.º 23/2010, de 30/08, de acordo com o princípio "tempus regit actum", não se aplica às situações em que o óbito de um dos seus membros ocorreu em data anterior à sua vigência, não se aplicando ao caso em apreço, (dr. Ac. TRL, de l5/12/2011, proc.º 1805/10.0YXLSB.Ll-2; Ac. RP, de 15/03/2011, proc.º n.º 10027/09.1 TBMALP1, Ac. RC, de 08/11/2011, proc.s n.º 133/10.5TBPNL.C1 e Ac. RC, de 19/02/2013, proc.º n.º 1267/10.1 TBCBR.Cl, Ac. RC, de 15/03/2011, procº nº 10027/09.1 TBMAI.Pl, todos...
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