Acórdão nº 533/09.3TBALQ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

O Fundo de Garantia Automóvel (FGA), integrado no Instituto de Seguros Portugal, intentou, em 21/04/2009, contra AA (1. R.) e Transportes BB, Lda (2.ª R.), ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, alegando, em síntese, que: .

Em 10/10/2005, pelas 04h10, no IC 2, ao km 44, na Ota, no Município de …, ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo pesado de mercadorias ...-...- OE, propriedade da 2.ª R. e conduzido pelo 1.º R., no interesse daquela; .

À data do acidente, a 2.ª R. não dispunha de seguro válido para cobertura dos danos emergentes da circulação do veículo OE; .

O acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor, ora 1.º R., por conduzir com velocidade excessiva e inadequada para o local, perdendo o controlo do veículo e despistando-se para fora da estrada; .

O FGA pagou à lesada CC - Sociedade de Produtos Alimentares, S.A., a quantia de € 56.476,56, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes daquele acidente, e à EE, S.A., a quantia de € 53,24, pela averiguação desses danos. Concluiu o A. a pedir a condenação dos R.R. a pagar-lhe a quantia de € 56.529,80 acrescida de juros de mora, computando os já vencidos em € 6.244,61.

  1. O 1.º R. contestou, negando a prática de qualquer infração estradal que tivesse na origem do acidente em causa, sustentando que: .

    O despiste do veículo OE teve origem numa manobra brusca e imprevista do 1.º R. que se viu obrigado a executá-la por causa de um outro veículo não identificado; .

    Apresentou documento comprovativo, carta verde, da validade do seguro do veículo ...-...- OE; .

    A responsabilidade pelo pagamento dos danos provocados pelo acidente eram da seguradora FF, para a qual foi transferida a responsabilidade civil do veículo acidentado, através do contrato seguro com a apólice n.º 58…2/25; .

    Não é da responsabilidade do 1.º R. a contratação e pagamento do seguro, mas apenas a conferência da sua validade, o que fez.

    Concluiu o 1.º R. pela sua absolvição do pedido. 3.

    Tendo a 2.ª R. sido declarada insolvente, veio o A. desistir da instância quanto a ela, o que foi homologado por sentença a fls. 73-74.

    4.

    Prosseguindo a ação apenas contra o 1.º R., findos os articulados, foi fixado o valor da causa em € 62.774,41 e proferido despacho saneador tabelar, procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova (fls. 108-109).

    5.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 147-152, datada de 23/05/2016, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição do 1.º R. do pedido.

  2. Inconformado com tal decisão, o A. recorreu para o Tribunal da Relação de … que, através do acórdão de fls. 195-203, datado de 08/06/2017, revogou a sentença recorrida e condenou o 1.º R. a pagar ao A. a quantia peticionada, acrescida de juros vencidos e vincendos.

  3. Desta feita, o 1.º R. vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – A sentença da 1.ª instância não é merecedora de qualquer reparo, pelo que deve ser confirmada na íntegra; 2.ª - Ficou dado como assente que o acidente ocorrido no dia 10/10/2005 não foi por culpa do 1.º R. e que o presumido excesso de velocidade não foi nexo causal do acidente; 3.ª - Pese embora recair sobre este a presunção de culpa, por força do disposto do n.º 3 do art.º 503.º do CC, a verdade é que a mesma foi ilidida, dado que ficou como assente que o sinistro se ficou a dever a fatores externos à condução do 1.º R. – vide declaração do militar da GNR.

    4.ª – O 1.º R., no exercício da sua atividade profissional, sempre demonstrou ter uma conduta zelosa, atenta, diligente e responsável, pelo que não há, juízo de censura que lhe possa ser dirigido; 5.ª - A questão primordial para uma justa e correta resolução do presente caso, de acordo com a legislação aplicável, e uma vez que foi afastada a culpa do 1.º R., responde pelos danos produzidos na sequência do acidente a entidade empregadora e proprietária do veículo sinistrado.

    6.º - Atento ao facto de não ter sido transferido a responsabilidade civil obrigatória para uma companhia de seguros através da celebração de um contrato de seguro, quando sobre esta impera essa obrigação e dever; 7.ª - Face ao exposto, o direito de regresso invocado pelo FGA só pode ser exigido à 2.ª R.; 8.ª – Estando reunidos assim os pressupostos exigidos pelo n.º 2 do art.º 21.º do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12, a responsabilidade de reembolsar não está a ser assacada ao seu verdadeiro e único lesante, isto é, à 2.ª R., pelo facto desta estar insolvente e também por livre arbítrio do aqui A. que decidiu não demandar a massa insolvente da “Transporte BB, Ld.ª”, entidade patronal do 1.º R. e proprietária do veículo pesado que este conduzia.

    9.ª – Não se compreende ainda como é que o Tribunal “a quo” não colocou fim ao pesadelo que tem vindo a atormentar e inquietar há mais de dez anos consecutivos a vida de um simples trabalhador que tudo faz para garantir o seu sustento e o da sua família, viajando consecutivamente ao volante de um camião por essa Europa fora; 10.ª - Não nos parece que seja razoável, justo e concebível responsabilizar e consequentemente hipotecar a vida de um homem por algo que não o fez e que não podia de todo evitar, face ao nosso ordenamento jurídico em vigor e aplicável ao caso, dado que foi afastada a presunção de culpa, pelas razões acima expostas; 11.ª - Uma vez que a 2.ª R. não cumpriu com a sua obrigação de contratação de um seguro de responsabilidade civil obrigatório contra terceiros, é sobre esta que deveriam ser imputadas responsabilidades.

    8.

    O A./Recorrido apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II - Delimitação do objeto do recurso O objeto da presente revista recai sobre duas questões fundamentais: i) – Em primeiro lugar, saber se o 1.º R., não sendo responsável pela falta de seguro válido e eficaz relativo ao veículo causador do acidente, responde ainda assim perante o FGA em sede de subrogação deste no direito da terceira lesada; ii) – Em segundo lugar, saber se é...

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