Acórdão nº 768/08.6TBPVZ.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA instaurou acção declarativa contra BB e mulher CC pedindo que, com base na declaração de resolução de contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano que foi celebrado, os RR. sejam condenados a restituírem-no e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou perturbem o exercício pelo A. do seu direito de propriedade.

Alegou que celebrou com o R. marido um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano. O RR. foram anteriormente proprietários desse prédio, o qual foi objecto de dação em pagamento a favor do BANCO DD. Entretanto os RR. e o procurador e pai do A. acordaram que, por via das relações de amizade que mantinham, agiriam no sentido de possibilitar que mais tarde o mesmo prédio fosse readquirido pelos RR. Na execução desse plano, foi acordado que o prédio seria adquirido pelo A. ao BANCO DD, o que veio a ocorrer, sendo também outorgado um contrato-promessa de compra e venda entre o A. (representado pelo seu pai e procurador) e o R.

Nos termos deste contrato-promessa, o R. comprometeu-se a efectuar o pagamento, por conta do preço acordado, de 60 prestações mensais e de uma última prestação. Ficou ainda clausulado que, em caso de falta de pagamento de 3 das referidas prestações e decorrido que fossem 3 meses sobre a última prestação incumprida sem que fosse efectuado o pagamento de todo o preço, era conferido ao A. o direito de resolver o contrato-promessa, posto que o A. devolvesse ao R. todas as prestações entretanto recebidas.

Os RR. efectuaram o pagamento de algumas prestações, tendo cessado o pagamento de mais de 3 prestações. Decorrido o prazo previsto no contrato, o A. comunicou aos RR. a resolução do contrato-promessa e pretende agora, através da presente acção, a condenação dos RR. na entrega do prédio.

Os RR. contestaram e deduziram reconvenção. Em impugnação alegaram que o R. não aceitou que o A. pudesse resolver o contrato nas condições que dele ficaram a constar e que o procurador do A. contribuiu para a instalação de confusão acerca do pagamento das prestações. Em reconvenção pediram a execução específica do contrato-promessa de compra e venda com base no incumprimento do contrato por parte do A.

O R. replicou.

Foi efectuado o julgamento e proferida sentença que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção. Assim, foi reconhecido ao A. o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sendo os RR. condenados a restituírem esse prédio e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou perturbem o exercício pelo A. do seu direito de propriedade.

Os RR. apelaram e a Relação revogou a sentença, julgando improcedente também a acção com fundamento na falta de verificação das condições para a resolução do contrato-promessa de compra e venda.

O A. interpôs recurso de revista em que no essencial suscita as seguintes questões: - Os RR., no recurso de apelação, não questionaram a situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, de modo que a Relação não podia, com base alegada inverificação dessa situação, julgar improcedente o pedido do A. de entrega do imóvel na sequência da resolução do contrato que fora por ele operada; - Tendo as partes convencionado uma cláusula resolutiva expressa, não se mostra necessário para accionar o direito de resolução converter uma situação de simples mora em incumprimento definitivo; - A efectivação da resolução não está dependente da efectiva disponibilização por parte do A. das quantias recebidas ao abrigo do contrato-promessa nos termos que foram convencionados.

Os RR. contra-alegaram e nas contra-alegações suscitaram uma série de questões: - O facto de no prédio urbano que é objecto da presente acção estar instalada a casa de morada de família, devendo o contrato-promessa de compra e venda ser autorizado pela R. mulher; - Falta de notificação da declaração de resolução do contrato à R. mulher; - A contradição entre a cláusula de resolução e a cláusula VII só poderia ser resolvida por aplicação do regime do nº 2 do art. 236º do CC; - A cláusula de resolução só pode ser havida como “fonte de pressão” e “não para levar a sério” (sic); - Consideração por acordo entre as partes do facto 48º da contestação; - Ocorrência de uma alteração substancial quanto ao valor e lugar de pagamento das prestações que determinou a confusão do R. e criou a convicção de que não seria invocado o incumprimento do contrato; - Verificação de uma situação de abuso de direito por parte do A. e seu procurador; - Verificação de uma situação de incumprimento de obrigação de escassa importância que impede a declaração de resolução do contrato; - Incumprimento por parte da Relação do art. 662º, nº 2, do CPC, na medida em que foi invocada pelos RR. a falta de credibilidade do testemunho do procurador do A., devendo determinar-se a remessa dos autos à Relação.

Cumpre decidir.

II – Factos que as instâncias consideraram provados: 1. O prédio referido em 6.

foi adquirido pelo pai do R. marido, FF, que adquiriu por compra, conforme consta do registo a seu favor na CRP da Póvoa de Varzim - feito através da Ap. 18, de 22.7.92, em G-2 e G-3 (fls. 23 a 30) – I); 2. Esta casa foi depois adquirida pelo R. marido, por lhe ter sido adjudicada em partilhas, por óbito do seu pai, conforme consta do registo a seu favor na CRP da Póvoa de Varzim, feito através da ap. n° 37 de 16-4-98, em G-4 (fls. 23 a 30) e foi definitivamente registada a favor do A. pela inscrição G-6 (Ap. 03/20051010) (fls. 23 a 30) – J); 3. Desde pelo menos esta data (1998) até hoje, ininterruptamente e à vista de toda a gente, os RR. passaram a viver com os seus três filhos naquela casa, aí permanecendo, comendo, dormindo, recebendo os seus familiares e amigos, à vista de toda a gente, isto é, aí instalaram até hoje a sua casa de morada da família – 6º; 4. Desde há mais de 20 anos que o A., por si e antecessores, têm utilizado o terreno, bem como o prédio implantado no mesmo e referido em 1.

, usufruindo dos rendimentos do mesmo, pagando contribuições à Fazenda Nacional a ele inerentes, na frente de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém e com o ânimo de serem seus exclusivos donos – 1º; 5. Em 13-1-03, o Banco DD, SA, os RR., casados no regime de comunhão de adquiridos, e a Construtora FF, Lda, representada pelo R. marido, intervieram na qualidade de outorgantes de um contrato-promessa de dação em cumprimento outorgado no 4o Cart. Not. do Porto, dele constando, nomeadamente na cláus. 2ª que o outorgante marido é dono e legítimo proprietário do prédio urbano composto de casa de cave, r/c e andar, com dependência e quintal, sito na R. …, …, Póvoa de Varzim, descrito na CRP respectiva sob o n° 01…5 da freguesia da Póvoa de Varzim, e que “nesta data o bem imóvel (...)encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos, não é objecto de qualquer contrato que limite o direito de propriedade sobre ele, designadamente de qualquer contrato de arrendamento e que não existe qualquer direito de preferência legal ou convencional na aquisição do mesmo, à excepção da hipoteca sobre ele constituída a favor do Banco ...

” (fls. 51 a 56) – A); 6. Em 23-12-03, por escritura pública de dação em cumprimento outorgada no 4o Cart. Not. do Porto, o BANCO DD e os RR. intervieram na qualidade de outorgantes mediante e estes declararam dar ao referido Banco o prédio referido em 1.

para pagamento de uma dívida que a Construtora FF, Lda, representada por pelo R., tinha para com o Banco, e com o consentimento da sua mulher, no valor de € 294.000,00 (fls. 47 a 50) – B); 7. O A., AA, é filho de GG e natural de F…; é …, foi criado com a mãe na …, trabalhou em M… e desde 2006 trabalha em …, V…, ao contrário do que acontecia com o pai do A. que era amigo do R. marido há largos anos, convidados nas respectivas festas de família, companheiros de viagem ao estrangeiro, ajudando-se mutuamente – 9º, P) e 10º; 8. O pai e procurador do A., GG, montou uma empresa de compra e venda de carros usados e de peças de carros novos e usados, com armazém e estaleiro na R. …, …, desta comarca, e ao longo de muitos anos o R. marido e o GG fizeram negócios entre si a crédito, sustentando-os com uma conta corrente existente entre ambos, sendo que de vez em quando aquele GG emitia extractos de conta corrente que em 19-10-05 tinha um saldo a favor do R. marido do montante de € 89.660,74 – M) e 11º; 9. Em inícios de 2005, mais precisamente aquando do negócio de 27-1-05, o R. marido propôs ao GG que este assumisse a dívida da Construtora FF ao BANCO DD fazendo ele um empréstimo ao banco, cujas prestações o R. marido se obrigava a pagar ao GG, dando-lhe aquele de garantia a sua casa e, no final do pagamento desse empréstimo, o GG transferiria a propriedade da casa para o R. marido ou para quem este indicasse e GG considerou tal proposta, atenta a relação de amizade com os RR. – 20º e 21º; 10. O interesse dos RR. em resgatar a casa ao BANCO DD pelo valor de € 294.000,00 advinha do facto do valor da casa ser muito superior ao valor daquela dívida ao BANCO DD e ainda ao facto de estar sediada nessa casa a casa de morada de família – 42º; 11. No dia 25-2-05, o A. AA, passou uma procuração a GG (seu pai), conferindo-lhe, entre outros, poderes para este “comprar e vender, prometer comprar e vender, pelo preço e condições que entender, quaisquer imóveis e ainda para em nome dele contrair empréstimos na CGD até ao montante de € 294.000,00 pelo prazo e condições que entendesse, dar de hipoteca para segurança dos empréstimos e acessórios quaisquer bens móveis, podendo assinar e outorgar as respectivas escrituras ...

” (fls. 218 a 220) – L); 12. Em 15-7-05 o A., representado em tal acto pelo seu procurador GG, e o R. marido outorgaram entre si um documento que intitularam de contrato-promessa de compra e venda relativo ao prédio descrito em 6.

, nos termos do qual o R. marido prometeu comprá-lo ao A., estipulando-se que o R. pagaria o preço de € 304.266,00, em 60 prestações mensais e sucessivas de € 1.100,00 e uma última de €...

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