Acórdão nº 2899/14.4TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução06 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, instauraram a presente ação declarativa de condenação contra Metropolitano de Lisboa, EP., pedindo a condenação da Ré: a) - A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma aos AA., retomando o seu pagamento nos termos praticados até dezembro de 2013; b) - A pagar a cada um dos AA. o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que a partir de janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar, acrescidos de juros de mora desde a data do vencimento até integral pagamento; c) - A pagar a cada um dos AA., a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, acrescido dos respetivos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Invocaram como fundamento das suas pretensões, no essencial, que foram trabalhadores da Ré até à data da sua passagem à situação de reforma e que a Ré lhes atribuiu um complemento de pensão, cujo pagamento cessou em 1 de janeiro de 2014, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014. Mais alegaram que a Ré suspendeu o pagamento dos referidos complementos de pensão, com fundamento na aplicação do artigo 75.º da aludida Lei, norma que entendem ser inconstitucional porquanto viola vários princípios e normas constitucionais.

Referem ainda que a Ré quando os contratou reconheceu-lhes o direito ao complemento da pensão de reforma, direito que se constituiu como um dos elementos com base nos quais os AA. formaram a sua vontade de celebrar e manter os respetivos contratos de trabalho.

Concluem peticionando, para além dos danos patrimoniais correspondentes aos valores pecuniários em falta, o ressarcimento dos danos não patrimoniais, que pretendem ver igualmente reconhecidos na presente ação.

A Ré contestou, alegando, desde logo, que o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a constitucionalidade do artigo 75.º da LOE para 2014, através do Acórdão n.º 413/2014 e que a suspensão do pagamento dos complementos de pensão, superiores a € 600,00, aos seus ex-trabalhadores em situação de reforma ocorreu em cumprimento da aludida norma legal, que a abrange porque nos três últimos exercícios apurados (2011, 2012 e 2013) teve resultados líquidos negativos.

Por outro lado, refere que não está legalmente impedida de alterar o normativo do AE nesta matéria e que a suspensão nos termos consagrados na LOE para 2014 não fere, em si mesma, qualquer expectativa dos trabalhadores, pois não inviabiliza que no futuro esse benefício se possa vir a verificar num quadro de reposição do equilíbrio económico e financeiro da Ré.

Conclui referindo que não se verifica qualquer violação do direito à contratação coletiva ou de outro dos invocados pelos AA., impugnando, ainda, os factos relativos aos alegados danos não patrimoniais descritos na petição inicial.

Proferido despacho saneador, foi neste a ação julgada totalmente improcedente, e a Ré absolvida do pedido.

Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 11 de janeiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos autores.» Irresignados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional daquele acórdão, nos termos que resultam de fls. 902 e 903, e vieram igualmente interpor recurso de revista excecional para este Tribunal - (fls. 906 e ss.), referindo que o faziam «por cautela e para evitar que – sendo, na tese do Acórdão, o valor dos respetivos pedidos superior a € 30.000,00 – o Tribunal Constitucional pudesse mais tarde vir invocar, para não conhecer dos seus recursos, que eles não teriam previamente esgotado todas as vias de recurso ordinário».

Por despacho da Exm.ª Desembargadora relatora, de 22 de março de 2017, (fls. 1029 e 1030), foi admitido o recurso de revista excecional interposto, relativamente aos autores 7.º, 9.º, 14.º, 21.º, e 24.º.

Por despacho de 26 de abril de 2017, fls. 1035, foi recusada, relativamente a estes autores, a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional e admitido esse recurso relativamente aos restantes.

O despacho da Exm.ª Desembargadora que rejeitou a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, relativamente aos autores em relação aos quais foi admitido o recurso de revista excecional, e que admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional relativamente aos demais, não foi impugnado, tendo consequentemente transitado em julgado.

Transitou igualmente o despacho proferido pela Exm.ª Desembargadora relatora de 22 de março, na parte em que rejeitou a admissão do recurso de revista excecional relativamente aos autores 22.º e 23.º Remetido o processo ao Tribunal Constitucional, foi lavrado despacho pelo Exm.º Conselheiro relator, determinando a remessa do processo a este Tribunal, despacho que é do seguinte teor: «Para cumprimento da parte final do despacho de fls. 103 – recurso de revista excecional admitido com subida “nos autos” – remeta o processo ao tribunal a quo, título devolutivo».

O Tribunal da Relação veio a remeter a processo a este Tribunal onde foi distribuído à formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social.

2 – Os recorrentes fundamentaram a admissão do presente recurso de revista excecional nos termos seguintes: «Antes de mais, está em causa nestes autos a questão de se saber se é admissível, face a todo o ordenamento jurídico aplicável no nosso país, uma solução legislativa que, sob o argumento da verificação de factos totalmente estranhos à vontade e atuação dos AA. (como por exemplo os prejuízos da Empresa em que trabalhavam), lhes veio retirar o direito de receberem o complemento de reforma que lhes está formalmente reconhecido no Instituto de Regulamentação Coletiva aplicável, com base na qual não apenas formaram a decisão de se reformarem ou pré-reformarem como fizeram as suas opções de vida e assumiram os seus compromissos jurídico-financeiros, perdendo deste modo a garantia de um rendimento pessoal, certo, livremente disponível, com base no qual asseguravam a sua (ainda que parca) autonomia patrimonial e a continuação de um nível de vida minimamente satisfatório e condizente com o que detinham até aí.

Como o próprio Tribunal Constitucional consagrou recentemente, no seu Acórdão nº 3/2016, de 13/1/16, bem mais próximo do que o sistematicamente invocado e citado Acórdão nº 413/2014 – decidindo aliás relativamente às subvenções vitalícias atribuídas aos “pobres” e “desgraçados” titulares de cargos políticos pela Lei nº 4/85, de 9/4 (com as suas várias e sucessivas alterações, maxime a da Lei nº 52-A/2005, de 10/10) em sentido diametralmente oposto ao decidido no (milhentas vezes citado pela Ré e pela decisão ora recorrid

  1. Acórdão nº 413/2014 relativamente aos complementos de reforma dos trabalhadores reformados aqui recorrentes e seus colegas – “se a evolução legislativa e uma mudança das conceções sociais dominantes contrariam a formação de uma base de confiança na perpetuação, inalterado do regime anteriormente em vigor, é de ter por legítimo e digno da proteção a crença – (…) merecedora da tutela constitucional – de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração (…) consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais”.

Temos, pois, aqui em causa questões que não são apenas de todo questões casuísticas e pontuais, mas sim questões suscetíveis de amplíssima capacidade de expansão da respetiva controvérsia.

Por um lado, porque está em questão, fundamentalmente (embora não só) o respeito por princípios fundamentais da nossa sociedade e da nossa Ordem Jurídica (como o do respeito pela dignidade da pessoa humana e o da certeza e segurança jurídicas, ínsitas na ideia do Estado de Direito), e à luz não apenas de preceitos da lei ordinária interna, e até também da lei constitucional nacional, mas também do direito internacional, maxime do direito comunitário, a cuja interpretação e aplicação conformes os julgadores nacionais estão vinculados, sendo ainda certo que, estando em casa (também) normas de Direito da União Europeia, os órgãos jurisdicionais nacionais deverão ser particularmente cautelosos relativamente a interpretações e aplicações erradas do mesmo Direito ou à ausência da sua aplicação, sob pena de o próprio Estado português correr o risco de se ver condenado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (como sucedeu recentemente, e exatamente por tal razão, com o Acórdão da 2ª Secção do mesmo Tribunal de 9/9/2015 no processo C-160/14, muito pouco divulgado entre nós mas objeto do Comunicado de Imprensa nº 96/15 do mesmo Tribunal de Justiça da União Europeia).

Por outro lado, para além de questões cuja apreciação, pela sua enorme relevância jurídica, se revela não apenas necessária mas até indispensável para uma melhor aplicação do Direito, os interesses em causa (significando a admissibilidade ou não de soluções legais que possibilitam e representam o lançamento na miséria, através de cortes nos respetivos rendimentos disponíveis que chegam a 60%, de milhares e milhares de cidadãos portugueses, reformados, sem qualquer alternativa real no mundo do trabalho e sem quaisquer outros rendimentos de substituição) são de inegável e particularíssima relevância social.

Deste modo, mais que os interesses, mais que legítimos, dos AA., está aqui em causa o interesse geral de uma boa e correta aplicação do Direito com a matriz e o sentido uniformizadores – mesmo que se não trate de Acórdãos formalmente...

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