Acórdão nº 1205/15.5T9VIS.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

RECURSO PENAL[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. No processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, nº 1205/15.5T9VIS.C1.S2, da Comarca de ..., Instância Central- ...Secção Criminal-..., foi proferido acórdão, em 16.11.2016, que decidiu: « I) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e concurso efetivo: a) um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2 e 177.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (na pessoa de BB), na pena de 10(dez) anos de prisão; b) um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º1 e 177.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (na pessoa de CC), na pena de 6(seis) anos de prisão, acrescida da pena acessória de inibição do exercício do poder paternal, nos termos do art.179.º, al. a), do Código Penal, sobre a mesma pelo período decorrente até perfazer os dezoito anos de idade; c) um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171.º, nºs 1 e 2, do Código Penal (na pessoa de DD) na pena de 6(seis) anos de prisão; d) um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 171º nº1, do Cód. Penal (na pessoa de EE), na pena de 2(dois) anos e 6(seis) meses de prisão.

* Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão condena-se o arguido na pena única de 14(catorze) anos de prisão efetiva, acrescida da pena acessória de inibição do exercício do poder paternal sobre a menor CC pelo período decorrente até perfazer os dezoito anos de idade.

* II) Mais se condena o arguido a pagar às vitimas, a título de indemnização civil: a) à sua sobrinha DD a quantia de €7.500(sete mil e quinhentos euros); b) à sua filha BB a quantia de €25.000(vinte e cinco mil euros); c) à sua filha CC a quantia de €10.000(dez mil euros); d)à menor EE a quantia de €500(quinhentos euros) ».

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação de Coimbra, terminando as respetivas motivações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1ª – Nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada no artigo 40.º do Código Penal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.

  1. - O Tribunal “a quo” sustentando o seu entendimento nas considerações plasmadas no ponto 2.4.2 decidiu aplicar ao arguido as seguintes penas parcelares: § 10 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor BB; § 6 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor CC; § 6 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor DD; § 2 anos e meses de prisão pelo crime praticado sobre a menor EE. 3ª – Afigura-se-nos que, em face dos factos dados como provados, as penas parcelares mostram-se pesadas e injustas, tendo por essa razão sido violado o disposto nos artigos 40º, 71º, 171º e 177º todos do Código Penal.

  2. – Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se há-de construir a medida da pena, pelo que aplicados e cumpridos correctamente os ditames dos artigos 40º e 71º do Código Penal, redundará para o Recorrente as seguintes penas parcelares: § 7 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor BB; § 5 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor CC; § 4 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor DD; § 1 anos de prisão pelo crime praticado sobre a menor EE. 5ª - Considerou o douto Tribunal “a quo”, ponderadas todas as particularidades e especificidades que ao caso dizem respeito, ser equilibrado aplicar em cúmulo jurídico das penas parcelares, a pena única de 14 (catorze) anos de prisão efectiva.

  3. - Por um lado, alterando-se o quantitativo das penas parcelares nos termos enunciados na 4ª Conclusão essa alteração implicará a fixação de uma pena única necessariamente inferior a 14 catorze anos.

    7º - Por outro lado, e independentemente de não se alterarem as penas parcelares, o que não se admite, ainda assim afigura-se-nos ter sido feita uma incorrecta interpretação do disposto no art. 77º do Código Penal, aplicando-se, por isso, uma pena única deveras excessiva.

  4. - Ponderando, em conjunto, os factos, a data da sua ocorrência, a sua gravidade, as suas consequências e a personalidade do arguido, entendemos ser de aplicar ao arguido a pena unitária de 9 (nove) anos de prisão, o que se requer.

  5. - Entendeu o Tribunal “a quo” arbitrar, oficiosamente, às vítimas BB, CC e DD a título de indemnização as quantias de 25.000€, 10.000€ e 7.500€, respectivamente.

  6. – As indemnizações arbitradas, considerando o seu quantitativo, mais se assemelham a uma sanção/punição aplicada ao Recorrente do que a uma reparação às vítimas, pelo que entendemos ter sido violado o disposto no art. 82-A do Código de Processo Penal.

  7. – Será, assim, mais consentâneo com a realidade dos factos, mais equitativo com o sofrimento das vítimas e mais concordante com a modesta condição económica do Recorrente, fixar-se os valores indemnizatórios da seguinte forma: - 15.000€ para a filha BB; - 7.500€ para a filha CC; - 5.000€ para a sobrinha DD.

    Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença, com todas as consequências legais».

    1. O Ministério Público na 1ª instância, apresentou resposta, da qual transcrevemos os seguintes segmentos: «(…) os factos dados como provados ilustram com clareza que o arguido possui uma pulsão que o arrasta sucessivamente para a prática destes actos de abuso sexual de crianças.

      Veja-se que o arguido manteve estas condutas há já mais de quinze anos a esta parte, praticando estes abusos sexuais de forma repetida e persistente, indiferente ao sofrimento das suas filhas e sobrinha, não recuando nos seus intentos nem quando a sua filha mais velha se encontrava em convalescença, com uma perna engessada; Prosseguiu nestas práticas mesmo depois de ter sido confrontado com estes abusos pela sua mulher e pelas suas filhas e já depois de sucessivamente ter afirmado o seu arrependimento e efectuado repetidos juramentos de que tal nunca mais sucederia; Manteve estas práticas, indiferente à circunstância de se encontrar a correr termos o presente processo e de nele já ter sido constituído como arguido pela prática dos abusos sexuais às suas filhas e sobrinha, voltando a reincidir passados apenas dois meses em novo abuso sexual de crianças na pessoa da ofendida EE.

      Tendo em conta todos estes factores que evidenciam a elevadíssima ilicitude dos factos no que concerne às suas filhas e sobrinha; o modo de execução, que traduz um profundo desprezo pelo bem jurídico protegido; as graves consequências para as vítimas suas filhas e também para a sua sobrinha; o elevadíssimo grau de violação dos deveres a si impostos; a sua elevadíssima culpa, espelhada nos factos provados, traduzindo um dolo directo, intenso e persistente; a falta de arrependimento; a ausência de consciência crítica para a gravidade da sua conduta; os sentimentos e fins manifestados nos factos, que mais não são do que aqueles típicos de um predador sexual, indiferente ao sofrimento repetidamente provocado nas vítimas; os seus antecedentes criminais; a ausência de gestos tendentes a reparar os danos provocados; e o seu perfil marcadamente pedófilo, a revelar falta de preparação para manter uma conduta lícita, de que é bem exemplo o último crime por aquele cometido, são de molde a concluir que não merece censura, a nosso ver, o acórdão recorrido no que concerne à medida das penas, parcelares e única, concretamente aplicadas ao arguido.

      Invoca o arguido a circunstância de contar com o apoio das suas irmãs. Contudo, tal não foi dado como provado.

      Mais diz o arguido que demonstrou arrependimento e que interiorizou a gravidade da sua conduta. Contudo, tal também não resultou dos factos provados, bem ao invés, aquilo que emergiu da prova foi justamente o contrário, ou seja, a sua falta de arrependimento e de consciência crítica para os factos, tal como salientado no acórdão recorrido: “consubstanciam fatores de risco de reincidência a falta de consciência critica e de arrependimento sincero, sendo que em julgamento o arguido negou e/ou desvalorizou sobremaneira a sua atuação sobre as menores; - a falta de arrependimento sério emerge da reiteração da conduta após sucessivas verbalizações de perdão e falsas promessas de não mais voltar acontecer;” Pelo exposto, verifica-se que o Tribunal a quo, ao fixar as penas parcelares nas medidas concretas supra referidas, sopesou as circunstâncias que depunham a favor e contra o arguido, inexistindo qualquer excesso na sua medida.

      E o mesmo se diga no que concerne à medida concreta da pena única, pois que esta foi fixada no terço inferior da moldura penal abstractamente aplicável.

      Desta forma, a medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas ao arguido recorrente pela prática dos sobreditos crimes, não merecem, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, qualquer censura, mostrando-se adequadas à gravidade dos factos e à culpa do arguido, sendo que, para além do mais, qualquer pena fixada abaixo de tal limite poria em causa de forma irremediável a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e por essa via dos sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico penais.

      Pelo exposto, deverá o recurso do arguido nesta parte improceder.

      (…) Refere, por último, o arguido no recurso por si interposto, que o quantitativo das indemnizações arbitradas às vítimas BB, CC e DD mostra-se igualmente excessivo, devendo ser arbitrada a quantia de 15000 euros como indemnização à BB, a quantia de 7500 euros como indemnização à CC e a quantia de 5000 euros à DD, tendo sido violado o consignado no art. 82º-A do Código de Processo Penal.

      Também nesta parte, se nos afigura, salvo o...

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