Acórdão nº 2089/16.1TDLSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

O requerente, AA, pede que ao amparo do disposto no artigo 43º do Código Processo Penal, lhe seja concedia a escusa de intervir, como relator, no processo supra averbado, com os sequentes fundamentos: “Tomei conhecimento de que me foi distribuído o presente processo em que figura como assistente o Exmo. Sr. Juiz Desembargador BB.

Fui seu colega na secção criminal do Tribunal da Relação ... e mantemos relações de franca cordialidade.

Porém, a razão que me leva a pedir a escusa no processo prende-se com a circunstância de nos presentes autos se discutir a tempestividade da queixa por crime de difamação e a relevância para esse efeito da data de entrada da queixa no Conselho Superior da Magistratura apresentada pelo irmão do assistente, aqui arguido, da data em que o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador foi ouvido em sede de inquérito ou a data em que lhe foi entregue a certidão da participação.

Nesse período exercia funções como vogal do Conselho Superior da Magistratura (triénio 2013/2016) e tive intervenção no Plenário de 3.12.2013 que discutiu e determinou a junção da participação ao inquérito disciplinar que já corria termos e no Plenário de 5.1.2016 que discutiu e deliberou o arquivamento do inquérito.

Pode, pois, questionar-se legitimamente se tenho memória ou conhecimento de algum facto pertinente para a decisão da questão que se coloca ou alguma convicção já formada sobre a situação em causa por força do exercício daquelas funções. Assim, afigura-se-me existir motivo sério e grave susceptível de gerar desconfiança sobre a minha imparcialidade (art. 43º nº 1 e, de alguma forma, também nº 2 do Código de Processo Penal).

Embora considere que a minha capacidade de julgar com independência e imparcialidade não está em causa e de me sentir apto a proferir decisão nestes autos com imparcialidade, importa evitar suspeições hipoteticamente possíveis, já que "não é a exigida capacidade de imparcialidade do julgador que importa aqui acautelar, mas antes assegurar para o exterior, para os destinatários da justiça, a comunidade, essa imagem de imparcialidade”[1].

Consequentemente, nos termos do art. 43º nº 4 do Código de Processo Penal requeiro a V.Exas, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que ponderem a necessidade de me escusar de intervir nos presentes autos.

Apresente-se o presente pedido de escusa no Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de cópia da decisão recorrida.” I.a). – ELEMENTOS PARA A DECISÃO.

- O Senhor Desembargador AA, exerceu funções, como vogal eleito pelos Juízes, durante o triénio de 2013 a 2016; - Enquanto vogal participou na sessões plenária que se realizou em 3.12.2013 em que foi discutida a junção a um processo disciplinar que pendia contra o juiz desembargador, BB de uma participação que CC havia efectuado contra este; - Enquanto vogal participou na sessões plenária que se realizou em 5 de Outubro de 2016, em que foi discutido e deliberado o arquivamento do inquérito disciplinar em que era visado o juiz desembargador, BB.

- O assistente, BB, interpôs recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, da decisão instrutória que o pronunciou arguido, CC, pela prática de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artº 365º nº1 e 2 do Cod. Penal e de um crime de difamação agravada p. e p. pelo artº 180º nº1 e 184º, conjugado com o teor da alínea l) do artº 132º, nº2, al. l) do Cod. Penal (“Em face do exposto e para ser julgado em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular PRONUNCIO: CC, filho de BB e de DD, natural de [...] pelos factos referidos na acusação que faz fls. 181 a 183, com excepção do facto referido número 12, daquela, cujo teor na parte restante aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos do artº 307º nº1 e 308º nº2 do CPP, na sua redacção actual e pela prática de um crime de denuncia caluniosa p. e p. pelo artº 365º nº1 e 2 do Cod. Penal.

”) - O recurso foi distribuído, no Tribunal da Relação de Lisboa, ao Senhor Desembargador, AA.

- Para o recurso que impulsou o assistente, condensou o acervo conclusivo que a seguir queda transcrito (sic): “

  1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho da Sr.ª Juiz de Instrução Criminal que considerou caduco o direito de queixa relativamente ao crime de difamação porque em 22/5/2014 o Assistente, teve conhecimento da queixa apresentada pelo arguido junto do Conselho Superior da Magistratura, que constitui o objeto destes autos e só em 4/4/2016 apresentou a queixa-crime.

  2. A Sr.ª Juiz confunde, com o devido respeito se afirma, a denúncia apresentada pelo ora arguido ao CSM com os factos dela constantes.

  3. Se é verdade que em 22/5/2014, “o Assistente prestou em tais autos declarações” e teve conhecimento da existência de uma «…carta/participação de fls. 809, de que é autor CC...», daí não pode extrair-se a conclusão, como erradamente o fez a M.ª Juiz a quo, de “que o Assistente teve conhecimento dos factos mencionados na denúncia apresentada pelo arguido CC em 22/10/2013, junto do CSM”.

  4. Quando inquirido no âmbito do processo de inquérito disciplinar o Assistente foi confrontado com determinados factos, não circunstanciados e truncados, expostos na perspectiva da investigação disciplinar.

  5. O assistente deles se defendeu e, por isso, o inquérito disciplinar veio a ser arquivado.

  6. Mas não foi confrontado com a totalidade dos factos constantes da participação disciplinar: - Desde logo porque o processo de inquérito disciplinar é de natureza secreta (n.º 1 do art.º 113º do EMJ) e, por isso, a ele não pode aceder antes de ser arquivado em Fevereiro de 2016; - Depois porque o assistente sempre recusaria ter acesso ao processo para não poder ser sequer aventada a possibilidade de que estava a hipotizar uma qualquer manipulação do objecto do processo de inquérito disciplinar.

  7. Requereu certidão decorridos cerca de 6 meses após a sua inquirição (em Abril de 2015), tempo que considerou mais do que suficiente para conclusão do inquérito disciplinar.

  8. A qual demorou mais de 9 meses a ser emitida e entregue ao aqui Recorrente, e só após recurso hierárquico impróprio.

  9. Não é, por isso, da responsabilidade do ora Recorrente o atraso na obtenção da certidão.

  10. O Recorrente só teve acesso ao conteúdo da participação apresentada pelo arguido em Dezembro de 2015, quando lhe foi entregue a certidão, como consta dos autos.

    K) A queixa destina-se a exprimir a vontade de que contra determinado sujeito seja instaurado processo – crime porque cometeu factos ilícitos típicos.

  11. Para se apurar da caducidade do direito de queixa, não interessa que o assistente tenha conhecimento da existência de uma participação disciplinar apresentada pelo arguido contra si, antes tem de ter conhecimento de todos os factos, na sua vertente naturalística, designadamente na sua relação com o sujeito actuante.

  12. Porque só assim se pode apurar da verificação dos elementos do tipo, maxime do elemento subjectivo, que há-de resultar, nesta fase, apenas dos factos materiais constantes da denúncia.

  13. Porque o ora Recorrente apenas em Dezembro de 2015 teve acesso à Participação apresentada pelo arguido, só nesta data teve conhecimento dos factos na sua globalidade, parece fácil concluir que só nesta data pode saber que os factos denunciados são ofensivos da honra e consideração que lhe são devidas enquanto Homem e enquanto Juiz.

  14. Atendendo a que a queixa foi apresentada em Abril de 2016, a mesma é tempestiva por não terem decorrido ainda 6 meses sobre a data do conhecimento dos factos e seu autor.

  15. Pese embora a corrente jurisprudencial que defende que o crime de difamação não tem autonomia por estar consumido pelo crime de denúncia caluniosa, a verdade é que há jurisprudência em contrário, que entende que entre os dois tipos de crime há uma relação de concurso efectivo (Ac da RG de 23/5/2011, processo 864/08.0TAGMR.G1, in www.dgsi.pt), precisamente porque não há coincidência total de bens jurídicos.

  16. Em todo o caso, é sempre possível que, em sede de decisão final, se convole o crime de denúncia caluniosa para o crime de difamação agravado, o que não pode ocorrer se o direito de queixa por este tipo de crime estiver caduco.

  17. Daí o interesse no presente recurso.

    Termos em que deve ser revogado o douto despacho recorrido na parte em que considera caduco o direito de queixa, que deve ser substituído por outro que considere tempestivo o exercício do direito de queixa.” II. – FUNDAMENTAÇÃO.

    No século dezoito Cesar Beccaria escrevia que “o soberano, que representa a sociedade, pode unicamente formar leis gerais que obriguem todos os membros, mas não julgar, quando algum haja violado o contrato social, porque então a nação se dividiria em duas partes: uma representada pelo soberano que afirma a violação do Direito e outra pelo acusado que a nega. É, pois, necessário, que um terceiro julgue a verdade do facto.

    Esta condição de terceiro, alheio ao litigio, que na concepção da imparcialidade no sentido se atribui ao Juiz, é a causa que determina que a violação da regra da imparcialidade pela sua parte pareça, «aos olhos da justiça e da razão, inclusivamente criminal», como dissera Bentham: pois quando o juiz se desvia da regra da imparcialidade, se converte em parte e utiliza os seus poderes de juiz ao serviço da sua ilegítima posição de parte, desequilibra a balança da justiça.” Mais adiante o Autor citado na nota 3, transcreve um troço da sentença 162/1999, de 27 de Setembro, do tribunal constitucional espanhol, em que se recorta o sentido hermenêutico que deve ser conferido ao conceito-valor da imparcialidade.

    Refere o citado aresto que “a separação e alheamento das partes em litigio e dos seus interesses permite ao juiz «situar-se por cima das partes acusadoras e imputadas, para decidir justamente a controvérsia determinada pelas suas pretensões em relação com a culpabilidade ou inocência» (SSTC1985, fundamento jurídico 6º, e 225/1988, fundamento jurídico 1º). Esta obrigação de ser alheio ao...

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