Acórdão nº 175/14.1TUBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 175/14.1TUBRG.G1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório[2]: Frustrada a conciliação, na fase conciliatória, cuja instância se havia iniciado em 30.04.2014, Aa intentou, na Comarca de Braga, Instância Central – 1ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação declarativa, com processo especial, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, contra “BB, S. A.”, agora “CC, S A.

” pedindo a sua a condenação a pagar-lhe: a. A pensão anual e vitalícia de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros); b. A quantia de € 1.315,65 (mil trezentos e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelo período em que esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho; c. A quantia de € 5.939,79 (cinco mil novecentos e trinta e nove euros e setenta e nove cêntimos) que despendeu em consequência do acidente de trabalho; d. Os juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva.

Para tanto, alegou que trabalha por conta própria, como agente de seguros, sendo proprietária de uma agência de seguros e que no dia 10 de fevereiro de 2014, tendo interrompido o seu horário de trabalho, foi almoçar a casa dos seus pais, como o fazia habitualmente.

Quando se deslocava a pé, para o seu local de trabalho e em direção à via pública, foi atropelada por um veículo automóvel, conduzido pelo seu marido, no logradouro da moradia que era a residência de seus pais.

Que em consequência desse acidente, que foi de trabalho, ficou com Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde a data do acidente (10.02.2014) até ao dia 31 de março de 2014, dia em que teve alta médica e, após, com Incapacidade Permanente Parcial (IPP).

Alegou, ainda, que havia celebrado, no dia 20.09.2013, com a Ré, então “BB, S. A.” um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., com o objetivo de transferir para esta as responsabilidades pelas consequências advindas de quaisquer acidentes de trabalho, que, nos dias úteis da semana, ia habitualmente almoçar a casa de seus pais e que por o acidente ter ocorrido em propriedade privada de terceiros não inviabiliza a sua caracterização como de trabalho.

~~~~~~~~ A R. seguradora contestou alegando que o atropelamento ocorreu inteiramente dentro do logradouro da habitação pertencente ao pai da Autora, em espaço privado, dado que se verificou sobre a rampa pavimentada com pedra decorativa que existia dentro dos limites desse logradouro.

Ora, não tendo o sinistro ocorrido na via pública, nem em espaço onde pudesse aceder quem quer que fosse, a não ser os proprietários do imóvel ou quem estes autorizassem, não se está perante um acidente de trabalho.

Mais aduziu que não sabia se a Autora tinha tomado a sua refeição no prédio onde se encontrava e ignorava, também, se ela, no momento do atropelamento, se dirigia, como referiu, para o seu posto de trabalho.

Concluiu, dizendo que o referido acidente não devia ser qualificado como de trabalho e, sem prescindir, caso o fosse, não eram devidas as importâncias peticionadas porque a Incapacidade da Autora não era a que lhe fora atribuída pelo Gabinete Médico-Legal e porque a retribuição diária deveria ser encontrada através da divisão da retribuição anual por 365 dias.

Por fim, sustentou que só devia pagar juros de mora sobre a pensão anual desde a data do seu vencimento e até à data da entrega do capital de remissão.

~~~~~~~~ Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, e respetiva fundamentação.

Por sentença de 12 de dezembro de 2016 decidiu-se julgar a ação integralmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou-se a Ré: 1. A pagar à autora a pensão anual e vitalícia de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros) acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva, sobre o correspondente capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento; 2. Esta quantia é devida desde o dia seguinte ao da alta e obrigatoriamente remida no correspondente capital de remição; 3. A pagar à autora as quantias de € 1.315,65 (mil trezentos e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos) e de € 5.939,79 (cinco mil novecentos e trinta e nove euros e setenta e nove cêntimos), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo estas quantias serem pagas juntamente com a entrega do capital de remição; 4. A fornecer à autora próteses auditivas para os ouvidos direito e esquerdo sempre que tal seja necessário, designadamente por necessidade de substituição ou avaria.

Na sentença, foi fixado à ação o valor de € 30.350,61.

II Inconformada com esta decisão, a Ré Seguradora interpôs recurso de revista “per saltum”, nos termos do artigo 678º, do Código de Processo Civil [doravante CPC] concluindo sua alegação da seguinte forma: I. A Ré requer, nos termos do disposto no artigo 678º do CPC, que o presente recurso seja processado como revista e suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça (Recurso Per Saltum).

  1. Tal recurso é admissível, uma vez que o valor da ação (30.350,61€) é superior à alçada do Tribunal da Relação, a Ré foi condenada a satisfazer à Autora indemnizações que, na sua totalidade, ascendem a montante superior a metade da alçada do Tribunal da Relação (o capital de remição da pensão arbitrada ascende a € 23.095,17) e nas alegações de recurso serão suscitadas, apenas, questões de direito e não são impugnadas neste recurso quaisquer decisões interlocutórias.

  2. Da conjugação do que dispõem os artigos 8º n.º 1, 9º n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea e) da LAT resulta que só o acidente ocorrido no trajeto entre o local de refeição (ou residência) e o local de trabalho será acidente de trabalho.

  3. Nem o destino final (local de trabalho), nem o ponto de partida (local de refeição), fazem parte do trajeto protegido, merecendo os acidentes ocorridos no primeiro a garantia decorrente da norma do artigo 8º n.º 1 (o que se impõe), mas excluindo-se da garantia os ocorridos no segundo (por não integrar nem um acidente de trajeto, nem um acidente ocorrido no local de trabalho).

  4. A responsabilidade do empregador relativamente aos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores não assenta tanto no chamado «risco profissional», mas sim no «risco económico ou de autoridade», isto é, na inclusão do trabalhador na estrutura da empresa, sujeitando-o à autoridade do empregador.

  5. A responsabilidade objetiva decorrente dos acidentes de trabalho é, já de si, um regime excecional (cf. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil), e os acidentes in itinere, também por via da exceção, alargam o campo de aplicação dessa responsabilidade.

  6. Assim, para se considerar a existência de um acidente in itinere, é indispensável que o trabalhador esteja, ou possa estar, sob o risco da autoridade do empregador: se o trabalhador pode dispor livremente da sua autonomia (por exemplo, se se encontra na sua residência ou no seu local de refeição), não existe qualquer “risco de autoridade” e, portanto, não se pode considerar a existência de um acidente de trabalho.

  7. Do mesmo passo, só se pode falar em risco de autoridade nas situações em que a entidade patronal possa, de alguma forma, controlar os perigos aos quais se expõe o trabalhador.

  8. Os eventuais espaços integrados na residência de um familiar da Autora – seu pai – ou até os de um restaurante ou outro lugar onde tome a sua refeição, incluindo os seus jardins, logradouros, caminhos, etc., são privados, o que significa que se trata de espaços na disponibilidade do trabalhador ou dos proprietários desses imóveis, que só eles podem percorrer (e até gerir) como melhor entenderem.

  9. A Autora poderia controlar os riscos existentes nesse espaço solicitando a seu pai que os eliminasse ou até optando por não tomar a sua refeição nesse local, se oferecesse risco.

  10. Já a entidade patronal (neste concreto caso a própria Autora, nessa qualidade) não poderia de forma alguma impedir esses riscos, sob pena de violação do direito de propriedade de terceiros e de reserva da vida privada do seu trabalhador.

  11. E, tão pouco, poderia impedir a Autora de se deslocar a esse local para tomar a sua refeição, já que no período de pausa para refeição o trabalhador pode decidir fazer o que bem entender.

  12. Dentro do espaço privado de uma habitação ou estabelecimento ao qual o trabalhador tenha decidido deslocar-se (nomeadamente para tomar a sua refeição), a entidade patronal em nada domina ou controla os riscos aos quais o trabalhador se expõe, por lhe estar vedada a possibilidade de perturbar ou impedir o pleno exercício do direito de propriedade de terceiros sobre o mesmo, ou a reserva de intimidade privada que protege uma residência (cf. artigo 1305º, 1314º do Código Civil, 34º e 62º da CRP e 190 e 191º do Código Penal).

  13. O espaço privado de um prédio particular inclui não só o próprio edifício, como também os espaços anexos, nomeadamente jardins, pátios e outros espaços vedados.

  14. Enquanto o trabalhador se encontrar no interior de um prédio particular onde, por sua livre e exclusiva iniciativa, entendeu deslocar-se (nomeadamente para tomar a sua refeição), a entidade patronal nada pode controlar, nem pode impedir ou mitigar os riscos que o espaço em causa possa oferecer, na medida em que aí não chega a sua “autoridade”.

  15. Já no que toca ao trajeto trilhado na via pública, a entidade patronal pode tomar medidas tendentes a diminuir (ou controlar) os riscos a que se sujeita o trabalhador no percurso entre o local de refeição e o local de trabalha, bastando, para o efeito, dotá-lo, por exemplo, de um veículo de uso profissional que lhe garanta maior segurança, ou assegurando ela própria o transporte dos trabalhadores em condições que repute seguras.

  16. Assim, temos de concluir que só a partir do momento em que o trabalhador sai do seu local de refeição (no caso depois de...

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