Acórdão nº 523/07.0TACTX.E1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. – No âmbito do processo nº 523/07.0TACTX da Instância Central Criminal da Comarca de Santarém foram julgados AA e BB, juntamente com outros arguidos, sendo decidido o seguinte: a) Condenar AA pela prática, como co-autor material, em concurso real e efectivo, de 14 crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelos artigos 255º, alínea a), e 256º, nº 1, alíneas b), c) e e), e n.º 3, numa pena de 6 meses de prisão cada; de 12 crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 202º, alínea a), 217º e 218º, nº 1, numa pena de 6 meses de prisão cada; de 2 crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 202º, alínea b), 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão; b) Condenar BB pela prática, como co-autor material, em concurso real e efectivo, de 14 crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelos artigos 255º, alínea a), e 256º, nº 1, alíneas b), c) e e), e n.º 3, numa pena de 5 meses de prisão cada; de 12 crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 202.º, alínea a), 217.º e 218º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 5 (cinco) meses de prisão cada; de 2 (dois) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 202º, alínea b), 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 5 meses de prisão cada; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.

As disposições citadas são do Código Penal.

Os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando nas motivações respectivas as seguintes conclusões (transcrição): O arguido AA: 1. O, aliás, douto tribunal recorrido, deu como provado que o recorrente agiu sempre de comum acordo, em conjugação de esforços e de intenções, de acordo com um plano pré-definido, tendo como finalidade que AA, BB e CC, aproveitando os seus conhecimentos da actividade de compra e venda de automóveis que desenvolviam há algum tempo, combinaram entre si uma forma de se apropriarem de veículos automóveis usados, mediante engano dos seus proprietários.

2. No âmbito deste desiderato, AA, BB e CC combinaram que iriam concertadamente contactar vendedores de veículos com aquelas características, apresentando como meio de pagamento cheques pertencentes a terceiras pessoas, os quais previamente seriam preenchidos e assinados como se tratasse dos seus legítimos titulares e, bem assim, das contas bancárias respectivas.

3. Foi em execução dessa resolução que AA, ora recorrente, e os outros co-arguidos agiram, de de forma constante e ininterrupta, conforme confessadamente se espelha no douto acórdão recorrido.

4. Tratou-se de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, não existindo mais necessidade de renovar o processo de motivação, pelo que a actuação do recorrente realiza um único tipo legal de crime, previsto nos artigos 256º nº 1 e nos artigos 217º nº 1 e nº 1 e no nº 2 alínea a) do artigo 218º todos do Código Penal.

5. Tendo por base a diferença de bens jurídicos protegidos, comummente aceite na doutrina e na jurisprudência.

6. Estamos, pois, em presença de um único crime de burla e não de catorze e de um único crime de falsificação, e não catorze conforme veio a ser condenado, e por isso a punir em conformidade com o que se motivou e para aí se remete.

7. O tipo legal de crime preenchido com as referidas condutas é só um e, comprovado ficou, que tiveram tais condutas lugar no âmbito da mesma resolução criminosa, ou seja, embora haja uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, há um só crime já que só houve uma única resolução criminosa que persistiu ao longo de toda a realização.

8. Neste caso e contrariamente à qualificação operada pelo acórdão recorrido, não estamos perante um concurso real ou efectivo de crimes, porquanto o recorrente actuou na sequência de um mesmo plano e modo de execução pré-estabelecido, e assim, encontramo-nos perante um único crime de falsificação de documento e de um único crime de burla, cuja execução se foi sucedendo no tempo, isto é, em obediência a um único e inicial projecto, em que a reiteração foi dominada por uma e a mesma resolução.

9. Ao não ter procedido como o acima exposto o douto acórdão recorrido, por erro de interpretação violou os artigos 30° nº 1, 256° nº 1, 217 ° no 1 e 218° nº 1 e alínea a) do nº 2, todos do Código Penal.

10. Devia ter interpretado o artigo 30° no 1 do C. Penal em conformidade com a unanimidade da doutrina e da jurisprudência, em considerar os factos acima provados como uma única resolução criminosa, um único crime.

Termina pedindo a sua condenação por um só crime de burla e um só crime de falsificação na pena única de 4 anos de prisão.

O arguido BB: . O Tribunal, deu como provado que o arguido BB agiu sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e de intenções, de acordo com um plano pré definido tendo como finalidade que os outros arguidos tinham conhecimentos de atividade de compra e venda de automóveis e de combinarem entre si uma forma de se apropriarem de automóveis usados, através de uma maneira de enganarem os seus proprietários.

. Assim o arguido BB e os outros arguidos combinaram que iriam contatar proprietários/vendedores de veículos, apresentando como meio de pagamento cheques pertencentes a terceiras pessoas, que seriam previamente preenchidos e assinados, como se fossem os legítimos titulares bem como das contas bancarias.

. Tratou se de uma decisão tomada uma única vez.

. Pelo que a atuação do ora recorrente realiza um único tipo legal de crime, previsto nos termos do disposto nos artigos 256° n.° 1, 217° n° 1 e n° 2 alínea a) e 218° todos do CP.

. Tendo por base a diferença de bens jurídicos protegidos, comummente aceite na doutrina e na jurisprudência.

Estamos pois, somente perante um crime de falsificação de documentos e não de 14 (catorze), de um crime de burla qualificada e não de 14 (catorze) conforme foi condenado.

. Mais, o tipo legal de crime preenchido, com as já referidas condutas, é somente um, pois tiveram tais condutas lugar no âmbito da mesma resolução criminosa, ou seja embora tenha havido uma realização múltipla do mesmo tipo de crime, há um só crime, uma vez que houve uma única resolução criminosa.

. Neste caso e contrariamente á qualificação operada pelo dou acórdão, não estamos perante um concurso real de ou efetivo de crimes mas sim de um mesmo plano e modo de exercício pré estabelecido de um único crime de falsificação de documentos e de um único crime de burla qualificada.

. Pelo que antecede, foram violados no douto acórdão recorrido os preceitos dos artigos 30° n° 1, 50°, 72° e 73°, 217° n° 1, 218° n° 1 e n° 2 alínea a) e 256° do CP, pelo que, devem ser considerados fatos acima expostos como um único crime e o mesmo deve ser revogado na parte em que condena o ora recorrente em prisão efetiva, que deve assim ser suspensa na sua execução.

A magistrada do Ministério Público respondeu a ambos os recursos considerando que devem ser julgados improcedentes.

Neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de considerar que a posição sustentada pelos recorrentes carece de suporte na matéria de facto provada e, que por isso, a qualificação jurídica feita na decisão recorrida é a adequada.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP tendo o recorrente AA apresentado resposta em que reitera a posição assumida na motivação do recurso.

* 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados (com excepção dos que são respeitantes às condições pessoais de outro arguido não recorrente) foi o seguinte (transcrição): 1. - No dia 26 de Janeiro de 2006, pelas 15h 35m, desconhecidos apoderaram-se do veículo automóvel, ligeiro misto, matricula ...-SX, marca Toyota, o qual pertencia a DD e que se encontrava estacionado na ...

2. No interior de tal veículo encontravam-se um número indeterminado de objectos e documentos que igualmente foram subtraídos, concretamente livretes de veículos automóveis, títulos de registo de propriedade, cartas de condução, bilhetes de identidade, cartões bancários, carimbos, bem como 147 (cento e quarenta e sete) impressos de cheques em branco, da conta n.º ... do Banco ..., pertencentes a DD, vários cheques em branco da conta n.º ... da ..., pertencentes a DD e outros, também em branco, da conta n.º ... do Banco ..., pertencentes à empresa “..., SA”.

3. No dia 21 de Fevereiro de 2007, desconhecidos apoderaram-se do veículo automóvel, marca Mitsubishi, modelo L200, ligeiro de mercadorias, matricula ...-IA, pertencente a EE, o qual se encontrava estacionado na ...

4. No interior de tal veículo encontravam-se, para além de outros objectos e documentos que também foram subtraídos, um livro de impressos de cheques em branco, da conta n.º ... do Banco ..., pertencente a FF.

5. Em data que não se logrou apurar, mas certamente anterior a Janeiro de 2007, AA, BB e CC, aproveitando os seus conhecimentos da actividade de compra e venda de automóveis que desenvolviam há algum tempo, combinaram entre si uma forma de se apropriarem de veículos automóveis usados, mediante engano dos seus proprietários.

6. No âmbito deste desiderato, AA, BB e CC combinaram que iriam concertadamente contactar vendedores de veículos com aquelas características, apresentando como meio de pagamento cheques pertencentes a terceiras pessoas, os quais previamente seriam preenchidos e assinados como se se tratasse dos seus legítimos titulares e, bem assim, das contas bancárias respectivas.

7. Assim, AA, BB e CC começaram a consultar jornais à procura de anúncios de venda de viaturas com aquelas características.

8. De seguida, AA, BB e CC contactavam os vendedores, apresentando-se, quer em conjunto, quer alternadamente, como sendo, designadamente, pequenos empresários locais e negociavam o preço de venda das viaturas, a pagar com cheques.

9. Nesta sua execução, AA, BB e CC utilizaram cheques pertencentes a DD e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT