Acórdão nº 596/08.9TYVNG-B.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.596/08.9TYVNG-B.P1.S1 R-603[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Na comarca do ..., ..., Instância Central, 2.ª Secção de Comércio, corre os seus termos Processo Especial de Insolvência, sendo insolvente AA, Lda.

  1. No âmbito do aludido processo, de que os presentes autos são apenso, intervêm como credores da insolvência, entre outros, BANCO BB, S.A. – Sociedade Aberta, CC e DD.

    1.1. O administrador da insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, a que se reporta o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), nos termos documentados a fls. 2 e 224 a 226 dos autos.

    Aí se considera, relativamente a créditos reconhecidos e reclamados e na parte que aqui interessa: - Ao BANCO BB, S.A.-Sociedade Aberta, o valor total de € 195.058,58, “garantido por hipoteca sobre a fracção “C”, correspondente a estabelecimento comercial no r/c, na Rua ... e garagem com n.º 10 na cave (…)” – cf. teor de fls. 2 e 224.

    - A CC e a DD, como crédito comum, o valor total de € 30.796,97. Anota-se a este propósito na relação de créditos de fls. 2 que “Este credor tem registada uma “Garantia Real de Retenção” sobre a garagem, uma parte da fracção apreendida pela Massa Insolvente. A fracção é um “Estabelecimento Comercial e garagem na cave”, e, na relação de fls. 226, qualifica-se o crédito como “garantido (direito de retenção)” e enuncia-se como origem “contrato-promessa de compra e venda celebrado em 27 de Abril de 2005 que teve por objecto parte de fracção autónoma apreendida e já vendida no processo de insolvência (restituição do sinal pago em dobro)”.

    1.2 CC e DD reclamaram o respectivo crédito nos termos documentados a fls. 119 e seguintes, afirmando que, no dia 27 de Abril de 2005, celebraram com a insolvente, por documento particular por eles assinado, com cópia a fls. 137 dos presentes autos, um contrato promessa de compra e venda, no qual a insolvente prometeu vender aos reclamantes, pelo preço de € 15.000,00, um lugar de garagem, na cave de prédio que identificam, tendo a insolvente recebido dos reclamantes a totalidade do preço acordado. Os reclamantes respeitaram na íntegra o contratado, o que lhes permitiu receber no dia da assinatura do contrato promessa as chaves e o comando de acesso ao lugar de garagem, identificado com o n.º10, com entrada pelo n.º 9 da Rua ....

    A insolvente, apesar de interpelada, recusou a escritura de compra e venda, o que gerou o incumprimento definitivo, pelo que os reclamantes têm direito a receber o sinal em dobro e juros de mora entretanto vencidos, assistindo-lhes ainda o direito de retenção sobre o identificado lugar de garagem.

    Reclamam um crédito no valor de € 30.000,00, acrescido de € 796,67 de juros vencidos e dos juros vincendos, garantido por direito de retenção.

    1.3 O BANCO BB, S.A.-Sociedade Aberta, impugnou a lista de credores, nos termos documentados a fls. 3 e seguintes dos presentes autos, afirmando que carece de fundamento, no que lhe diz respeito, o alegado direito de retenção reclamado por CC e DD, relativamente à fracção autónoma designada pela letra “C”.

    Esta é composta por um estabelecimento comercial e por um lugar de garagem com o n.º10; daí que a garagem alegadamente prometida vender pela sociedade insolvente aos referidos credores reclamantes, através do contrato que estes juntam como documento n.º1 no seu articulado de reclamação de créditos, não tem qualquer correspondência com a fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º0.591 que se encontra onerada com uma hipoteca registada a favor do Banco reclamante – que jamais teve conhecimento da existência de qualquer contrato promessa de compra e venda que tivesse por objecto uma garagem no referido prédio, na certeza de que, a admitir-se que a garagem referida no contrato de promessa de compra e venda fosse a mesma que integra a fracção autónoma designada pela letra “C” que foi dada de hipoteca ao Banco reclamante, então o referido contrato promessa é nulo, por impossibilidade e indeterminabilidade do seu objecto.

    Acresce que não se demonstra que os credores reclamantes sejam possuidores da fracção e, por qualquer modo, possam invocar o direito de retenção.

    Conclui que, com a total procedência da impugnação, não deve ser reconhecido o crédito invocado pelos reclamantes CC e DD, nem verificado nem graduado, bem como não deve ser reconhecida a existência do invocado direito de retenção, improcedendo a reclamação de créditos deduzida pelos referidos reclamantes, com todas as consequências legais.

    1.4. Esta impugnação mereceu resposta destes reclamantes, nos termos que estão documentados a fls. 41, onde reiteram as razões inicialmente afirmadas, alegando que o facto de o lugar de garagem fazer parte de uma fracção em nada colide com a garantia real de retenção de que são titulares.

    Concluem reafirmando que deve ser reconhecido e graduado o crédito que invocam e reconhecida a existência do invocado direito de retenção, procedendo a reclamação de créditos que deduziram.

    *** 2. No prosseguimento dos autos, terminada a produção de prova e respondida a matéria de facto, foi proferida sentença que concluiu nos seguintes termos: Decisão: Em face do exposto: - Julga-se a impugnação apresentada pelo credor BANCO BB parcialmente procedente e verificado o crédito dos credores CC e DD no montante que consta da relação de créditos, com a natureza, todavia, de crédito comum, homologando-se, no demais, a lista de créditos reconhecidos apresentada (cf. fls. 224 a 226); - Graduo os créditos para serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem: 1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda; 2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos laborais; 3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do credor BANCO BB, S.A.; 4.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P.; 5.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, al. c)); 6.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º.

    Custas pela massa insolvente - art.º 172.º do C.I.R.E.

    (…).” *** 2.1 Os credores reclamantes CC e DD, apelaram para o Tribunal da Relação do ... que, por Acórdão de 13.2.2017 – fls. 309 a 322 -, decretou: “Pelas razões que se deixam expostas e dando provimento ao recurso, decide-se: 1. Eliminar o parágrafo único dos factos não provados e aditar à matéria de facto provada o parágrafo 8, com o seguinte teor: “O lugar de garagem referido em 7 corresponde à garagem apreendida e hipotecada ao BANCO BB, S.A.”.

  2. Alterar a decisão recorrida, nos seguintes termos: A) - Julga-se a impugnação apresentada pelo credor BANCO BB improcedente e verificado o crédito dos credores CC e DD no montante que consta da relação de créditos, homologando-se a lista de créditos reconhecidos apresentada (cf. fls. 224 a 226).

    1. - Em consequência, declara-se que o crédito de CC e DD beneficia de direito de retenção sobre à identificada garagem pertencente à fracção “C”, objecto do contrato promessa de compra e venda e identificada nos autos, sendo por isso garantidos, pelos valores indicados na relação de créditos reconhecidos, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde 7/3/2012 e até integral pagamento, nos termos infra referidos em C).

    2. Graduam-se os créditos reconhecidos para serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem: 1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda; 2.º - Os créditos laborais; 3.º - O crédito dos recorrentes, CC e DD; 4.º - O crédito hipotecário do credor BANCO BB, S.A.; 5.º - O crédito do Instituto da Segurança Social, I.P.; 5.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, al. c)); 6.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º.

    Custas a cargo do recorrido.” *** Inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o credor BANCO BB, S.A.-Sociedade Aberta, que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 28. O Tribunal da Relação do ... alterou a decisão do Tribunal de lª instância, reconhecendo aos recorridos, com fundamento no art. 755.°, n.º1, al. f) do Código Civil, um direito de retenção sobre parte da fracção autónoma designada pela letra “C”, integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º0591 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 0655.°, sem que estivessem reunidos todos os requisitos impostos por aquele artigo para o reconhecimento desse direito de retenção.

    28.1. O acórdão do qual se recorre aditou o seguinte facto à matéria de facto provada cfr. facto n.º 8 aditado à matéria de facto provada pelo acórdão do qual se recorre: “O lugar de garagem referido em 7. corresponde à garagem apreendida e hipotecada ao BANCO BB, S.A.” 28.2. Porém, não basta que uma determinada pessoa ocupe um imóvel para que possa invocar um direito de retenção sobre ele, sendo também necessário, segundo o art. 755º, nº1, al. f) do Código Civil, que esse imóvel tenha sido prometido vender pelo proprietário do mesmo e prometido comprar pelo retentor ocupante.

    28.3. Este facto não foi alegado no momento próprio, o que não impediu o Tribunal da Relação do ... de o considerar, em violação do princípio fundamental do dispositivo (art. 5º do Código de Processo Civil) e dos poderes de cognição de que dispunha, viciando de nulidade o acórdão do qual se recorre (art. 615.º, n.°1, al. d) do Código de Processo Civil).

    28.4. O Tribunal da Relação do ... não tinha outra alternativa que não fosse entender que os recorridos não possuem um direito de retenção sobre parte da fracção autónoma designada pela letra “C”...

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