Acórdão nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução08 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Em 1 de Outubro de 2015, a fls. 2043, foi proferido neste Supremo Tribunal o seguinte acórdão, que se transcreve parcialmente, por comodidade, no que agora releva: 1. « AA propôs uma acção contra BB, Hospor – Hospitais Portugueses, SA – CC, Hospital da ... de V… e Hospital de S. ..., pedindo a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização de € 304.711,55 (€ 200.000,00 por danos não patrimoniais, o restante por danos patrimoniais), com juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento; e ainda no “valor relativo a danos futuros e que se vier a liquidar em execução de sentença”.

Como fundamento, invocou ter realizado um exame de colonoscopia nas instalações da CC, efectuado pelo médico BB, do qual resultou uma perfuração do intestino com as graves consequências que descreve e que a colocaram em perigo de vida, obrigaram a várias intervenções cirúrgicas e a internamento hospitalar prolongado, no Hospital de S… A…, e a tratamentos, cuidados e sofrimentos posteriores à alta hospitalar.

Disse ainda que, após o exame, e por causa das dores e mal estar agudo que sentiu, se deslocou aos serviços de urgência do Hospital da Nossa Senhora da Conceição de V… e do Hospital de S. ..., no qual procurou o primeiro réu, sem que tivesse sido detectada a perfuração e realizado o tratamento devido.

Contestaram: – O Hospital da ... de V…, sustentando a incompetência do tribunal e a competência da jurisdição administrativa, por se tratar de uma “acção de responsabilidade civil extracontratual” e de “um estabelecimento público dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial [com] natureza empresarial (…) integrado no Serviço Nacional de Saúde”. Impugnou matéria de facto e disse que os factos alegados eram insuficientes para determinar qualquer responsabilidade da sua parte, não existindo nexo de causalidade entre os que lhe são atribuídos e os danos invocados; – O Hospital de S. ..., impugnando diversos factos e dando a sua versão de outros, nomeadamente quanto ao abandono dos seus serviços pela autora, quando já tinha realizado alguns exames e ainda havia que realizar mais, “impedindo, assim, a conclusão definitiva do diagnóstico e a terapêutica adequada à sua situação clínica”.

Sustentou ainda que, quer o serviço de urgência, quer os médicos que a atenderam, actuaram de acordo com as leges artis “e com o zelo e a diligência que lhe eram exigidos no caso concreto” e que, de qualquer forma, o montante indemnizatório pedido era exagerado. Disse ainda que as despesas hospitalares foram suportadas pela ADSE e que nunca poderia ser condenado solidariamente com os demais réus, “já que a sua responsabilidade – a existir – sempre seria limitada”; – Hospor – Hospitais Portugueses, SA, “sociedade anónima que se dedica à prestação de serviços médicos na Clínica que possui e explora (…) denominada CC”, dizendo que o exame realizado por BB, auxiliado por uma enfermeira, decorreu com toda a normalidade e com respeito escrupuloso “das regras e técnicas da ciência e prática médicas”, que a autora nunca mais se dirigiu às suas instalações, que a perfuração do intestino “é uma complicação possível à realização de um exame de colonoscopia”, que a que ocorreu não resultou de qualquer incúria ou negligência; e impugnando muitos factos alegados pela autora.

Requereu a intervenção provocada da Companhia de Seguros DD, S.A., invocando um contrato de seguro; – BB defendeu-se por impugnação e contrapôs que o exame “foi feito com respeito pelas leges artis do ofício, e com o zelo e cuidado exigíveis por tal procedimento (acto médico)”; que, durante o exame, a autora – a quem tinha sido ministrado um sedativo – reagiu normalmente; que, quando a mesma recorreu à urgência do Hospital de S. ..., actuou de acordo com as regras, “pelo que a realização de um diagnóstico completo e definitivo apenas foi impedida, única e exclusivamente, pela atitude da autora de puro e simples abandono da urgência”; que a perfuração pode resultar de outras causas, que não da colonoscopia; que “é um médico gastroenterologista com uma vasta experiência, altamente prestigiado e de grande competência”; que a autora exagera na indemnização pedida e apresenta traços de “mentalidade obsessiva” e de fragilidade psicológica, em consideração dos quais o réu optou por “não proceder criminalmente contra aquela” quando o insultou, “nas instalações da CC”.

Disse ainda que a autora tinha apresentado queixa-crime contra ele, o que preclude a possibilidade de pedir uma indemnização em acção civil, devendo a instância ser suspensa “até que o tribunal competente (o tribunal criminal) se pronuncie”, citando o nº 1 do (então) artigo 97º do Código de Processo Civil (artigo 71º Código de Processo Penal); e sustentou a inexistência de solidariedade entre os réus, devendo qualificar-se a situação dos autos como um caso de coligação passiva (e não de litisconsórcio).

A autora replicou.

A Companhia de Seguros DD, S.A. veio contestar (fls. 285).

BB requereu a intervenção da Companhia de Seguros EE, o que foi deferido a fls. 418; a interveniente contestou, a fls. 428.

Na audiência preliminar, os réus Hospital de S. ... e Hospital ..., de V…, foram absolvidos da instância, por incompetência do tribunal (fls. 489).

  1. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 1303, nestes termos: – BB e EE – Portugal, Companhia de Seguros, SA foram condenados a pagar à autora uma indemnização de € 150.000,00 por danos não patrimoniais, “sendo que, deste valor, o de € 85.156,77 será pago pela seguradora e o remanescente pelo réu”, com juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a sentença até efectivo pagamento; – BB e EE – Portugal, Companhia de Seguros, SA foram condenados a pagar à autora uma indemnização de € 4.594,13 por danos patrimoniais, com juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo pagamento; – Quanto ao mais, estes réus foram absolvidos do pedido; – Hospor – Hospitais Portugueses, SA – CC e a Companhia de Seguros DD, S.A., foram absolvidas do pedido.

    Em síntese, o tribunal entendeu que, porque “durante a realização da colonoscopia veio a autora a sofrer de perfuração do intestino”, se verificou “a violação ilícita de um direito de personalidade (mais concretamente a integridade física da autora), estranho à realização do contrato”, estando provados factos que preenchem os pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto ilícito (violação da integridade física da autora), os danos, o nexo de causalidade e a culpa. Segundo o tribunal, “perante a matéria em causa, há que concluir que o réu actuou culposamente, não logrando provar que efectuou a colonoscopia cumprindo todas as exigências técnicas e todos os deveres de cuidado que conhecia e que podia observar (…), sendo a sua conduta profissional tanto mais censurável, quanto é certo que o réu se trata, não apenas de um especialista, mas de um gastroenterologista experiente, reputado e, logo, há que concluir-se, com conhecimentos e capacidades acima da média”.

    Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 1813, que absolveu do pedido os réus BB e EE – Portugal, Companhia de Seguros, SA. O Tribunal da Relação considerou que o litígio se situava no âmbito da responsabilidade civil contratual, mas que não estava provada “a ilicitude da conduta” do réu, uma vez que se não demonstrou nenhum erro médico que estivesse na origem da perfuração do intestino.

  2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

    (…) Os réus contra-alegaram, sustentando que o acórdão recorrido deve ser confirmado.

    (…) O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

  3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):- 1. A Ré e a Companhia de Seguros DD, no dia 27 de Fevereiro de 2002, celebraram entre si um contrato de Responsabilidade Civil – Clínica Médica e Lar de Idosos, titulado pela Apólice n.º 000…., pelo qual aquela transferiu para esta a responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, incluindo clientes, em consequência de lesões corporais e ou materiais, que ocorram durante o período de vigência da apólice, decorrente da actividade Clínica Médica e Lar de Idosos, utilizando para o efeito instalações, equipamentos e pessoas.

    2. A Interveniente EE Portugal - Companhia de Seguros, SA celebrou, em 19-02-1990, com o Réu BB um acordo de seguro do ramo responsabilidade civil garantindo os riscos inerentes ao exercício da profissão – Gastrenterologia – acordo esse titulado pela apólice nº 8…-0… que à data dos factos em causa nos autos, vigorava com o capital máximo por anuidade e por sinistro de 85.156,77 € em danos corporais e de 17.654,45 €, em danos materiais, estando sujeito a uma franquia a cargo do segurado de 49,88 € em danos materiais.

  4. No dia 22 de Junho de 2002, a autora foi submetida a um exame de colonoscopia, nas instalações da segunda ré, CC, sita nesta cidade da P… de V….

  5. Tal exame foi efectuado pelo primeiro réu, Dr. BB, que ali exercia, e exerce actualmente, a sua actividade profissional de gastroenterologista.

  6. Sendo que, tal exame, foi realizado a requisição do mesmo réu, Dr. BB.

    6. No decurso do exame e aquando da passagem do aparelho pelos intestinos, a autora sentiu dores.

  7. Facto que, de imediato, comunicou ao primeiro réu.

  8. A autora soltou gritos, demonstrando, desta forma, ao primeiro réu as dores que sentia.

    9. Concluído o exame, o primeiro réu, Dr. BB, comunicou à autora que estava tudo bem.

    10. Segundo referiu, a autora não apresentava quaisquer lesões nos intestinos.

    11. Durante os dois dias que se seguiram à realização daquele exame, colonoscopia, a autora foi acometida de obstipação intestinal.

  9. Em face dessa situação, no dia 24 de Junho, a autora ingeriu dois comprimidos Dulcolax.

    13. Não obstante a ingestão dos mesmos, a situação...

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