Acórdão nº 225/14.1TBTND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e marido, BB, instauraram uma acção contra a Companhia de Seguros CC, S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento de € 103.243,84, com juros de mora vencidos desde 3 de Setembro de 2013 e vincendos até integral pagamento. Para o efeito, alegaram ser beneficiários do contrato de seguro de vida celebrado com a ré, sendo tomador o Banco DD, S.A. e aderente EE, entretanto falecido, terem comunicado o sinistro à ré e não ter esta procedido ao pagamento devido.

A ré contestou. Impugnou grande parte das afirmações dos autores, alegou que não dispunha de diversos elementos informativos de que carecia, razão pela qual “não aceitou nem recusou o sinistro” e, para o caso de vir a concluir-se que a situação clínica do aderente não correspondia à que foi descrita no boletim de adesão ou que pré-existiam causas de exclusão de cobertura que desconhecia, invocou a anulabilidade do contrato, “por falsas declarações”.

Ao abrigo do despacho de fls. 82, os autores responderam às excepções alegadas na contestação.

Em articulado superveniente, apresentado e admitido liminarmente na audiência final (cfr. fls. 222-223), a ré alegou que, segundo resulta da documentação clínica que entretanto foi junta ao processo, o segurado sofria de hipertensão desde 20 de Agosto de 2008 e de insuficiência cardíaca congestiva e obesidade desde 24 de Dezembro de 2008, “era seguido por médicos para controlo dessas doenças, tomava medicação, fazia consultas e exames de forma regular”, o que não podia ignorar quando aderiu ao seguro; assim, “omitiu de forma deliberada o seu estado de saúde impedindo a ré de avaliar o risco real que iria correr com a celebração do seguro”; a ré, se conhecesse as doenças jám existentes, “não teria aceite o seguro ou após pedido de exames médicos com avaliação clínica teria aplicado um sobreprémio e exclusão das doenças para cobertura de invalidez”.

Os autores responderam a fls. 240, impugnando os factos assim alegados .

A acção foi julgada procedente pela sentença de fls. 294, sendo a ré condenada a pagar aos autores “o montante do capital seguro, no valor de € 100.00.00 (…), acrescido de juros vencidos” (€ 3.243,84, à data da propositura da acção) “e vincendos sobre tal quantia, à taxa de 4% (…),devidos até efectivo e integral pagamento”.

Em síntese, entendeu-se na sentença: – que ocorreu o sinistro coberto pelo contrato de seguro, celebrado para garantir o pagamento de um capital de € 100.000,00 à beneficiária, a autora; – que a ré sustenta que “não lhe cabe liquidar o prémio do seguro, por ter havido omissão deliberada de declarações por parte do falecido (…) na declaração de saúde que este subscreveu em 23/1/2012, designadamente por ter omitido qualquer informação relativa a doenças pré-existentes das quais padecia. Por esse motivo, arguiu a seguradora a anulabilidade” do contrato; – que, nos termos do artigo 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aplicável, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, o tomador do seguro ou o segurado estão vinculados ao dever de informação, até espontaneamente, não se esgotando no dever de preencher o questionário que lhe seja fornecido; quanto ao segurador, não pode prevalecer-se de declaração inexacta ou de omissão, se foi negligente no “controlo do dever de informação a cargo do segurado”; – que, “analisada a factualidade apurada, dúvidas não restam de que, no momento em que preencheu a declaração de saúde – 13/1/2012 –, o falecido (…) já era portador das doenças de que viria a falecer”; – que o conteúdo da declaração de saúde, “correspondente a declaração pré-elaborada pela ré” e assinada pelo segurado, “reflecte a realidade vivenciada pelo falecido (…) que, de facto, não se encontrava sob observação médica ou em tratamento médico regular, não apresentando qualquer deficiência física ou funcional ou, pelo menos, não tendo consciência de da mesma padecer”, tendo desenvolvido ate morrer a actividade profissional de motorista e “renovado a carta de condução para o efeito (5.19)”; – assim, não procede a anulabilidade oposta pela ré. E, mesmo que se entendesse ter ocorrido informação de “informações relevantes para a apreciação do risco pela ré”, não poderia esta invocar a anulabilidade, por “estar em causa informação conhecida do segurador” – artigo 24º, nº 3, alíneas d) e e) –, no sentido de que o funcionário da instituição bancária que contactou com o falecido observou “o seu estado físico (5.5)” que se deve haver como representante da seguradora, para o efeito. E tal observação abrangeu, inequivocamente, a obesidade de que o falecido padecia que, de harmonia com a prova produzida, era notória e facilmente perceptível”, “sendo do conhecimento comum que a obesidade se mostra associada, frequentemente, às demais patologias de que padecia o falecido”.

“Consequentemente, sendo do conhecimento comum que a obesidade se mostra associada, frequentemente, às demais patologias de que padecia o falecido EE, estaria em causa a eventual inoponibilidade pelo segurador de facto que era do conhecimento de seu representante no momento da celebração do contrato” ou, numa outra construção, de pessoa funcionalmente envolvida “no processo de avaliação do risco, de aceitação da proposta e de emissão do contrato em causa” – citando, aqui, Luís Poças, em obra identificada na sentença e, ali, Filipe Albuquerque Matos.

Conclui a sentença que não pode deixar de ser reconduzida àquele envolvimento funcional a situação do “funcionário perante quem a adesão é feita, ainda que pertença à instituição bancária e não à seguradora, pois nele esta delegou tal tarefa.

Assim, ainda que o dever de informação contratual não exclua os factos que são do conhecimento do segurador, não pode este, porém, impugnar o contrato prevalecendo-se de factos omitidos que fossem do seu conhecimento”; – Cumpre ainda ter relevantemente em conta que a sentença entendeu que “a factualidade apurada não permite concluir que o falecido EE, ao preencher a declaração de saúde, tenha agido de forma negligente, dolosa, e muito menos como dolo agravado (…).

2. A Companhia de Seguros recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo acórdão de fls. 353, revogou a sentença e julgou a acção improcedente.

Em primeiro lugar, alterou alguns pontos da matéria de facto, nomeadamente: – A parte sublinhada do ponto 5.5, no qual se dizia “Tal declaração de adesão foi subscrita no balcão do Banco DD, perante funcionário de tal instituição bancária que com o falecido EE contactou directamente, tendo observado o seu estado físico”, passou a dizer “sendo patente que este era obeso”; – Acrescentou os pontos 9. e 10. da lista de factos provados, adiante transcrita.

Em segundo lugar, entendeu: – ser inexacta a declaração do segurado: “dissentimos da sentença proferida quando considera que o aí declarado reflecte a realidade vivenciada pelo declarante. Com efeito, a despeito do falecido ter mantido a sua actividade de motorista internacional até à data do óbito, tendo renovado a carta de condução para o efeito – pelo que não estaríamos efectivamente perante uma qualquer “deficiência física ou funcional”– afigura-se que a factualidade apurada permite afirmar que se encontrava sujeito a tratamento médico regular, uma vez que tomava medicação para as patologias diagnosticadas, o que surge recorrentemente referenciado nos elementos clínicos disponíveis desde 2008 e no relatório de autópsia. Deste modo, e vistos os termos da declaração, afigura-se ser a mesma, quanto a este aspecto, inexacta”; – que, “conforme resulta do citado art.º 24.º, nos seus n.ºs 1 e 2, a eventual elaboração de questionário pela seguradora – ou, dizemos nós, do texto pré-elaborado de uma declaração sumária de saúde – não isenta o proponente (…) do dever de declarar todas as circunstâncias relevantes suas conhecidas, estejam ou não contempladas na declaração ou questionário, conhecimento indispensável para que a seguradora proceda a uma avaliação correcta do risco. E se se reconhece sem dificuldade que o proponente, detendo embora conhecimento privilegiado das características deste risco, poderá não saber qual a relevância a atribuir a cada uma delas, afigura-se que no caso em apreço estamos perante informação de relevância indiscutível, não podendo razoavelmente sustentar-se, ainda que se trate de declarante com baixo nível cultural e de literacia, que não antecipasse a relevância para a seguradora, no âmbito de um seguro de vida, da informação de que sofria de hipertensão e insuficiência cardíaca no contexto de obesidade mórbida, ainda que se encontrasse medicado para controlo de tais patologias”, tendo portanto o dever de a fornecer; – que a ré fez prova de que “caso o aderente tivesse dado a conhecer tais factos teria recusado a celebração do contrato ou, no limite, tê-lo-ia celebrado com diverso conteúdo”; – que, “ao omitir voluntariamente a informação estando ciente da sua relevância, como não podia deixar de estar, violou o proponente dolosamente o assinalado dever de declaração, tornando anulável o contrato celebrado, nos termos previstos no art.º 25.º, n.º 1, e ficando o segurador isentado de cobrir o sinistro ocorrido em data anterior à do conhecimento do incumprimento doloso do contrato (cf. n.º 3 do preceito); – que “a qualificação como doloso do comportamento do aderente falecido assenta na consideração de que o conceito de dolo pressuposto neste art.º 25.º é o que decorre da sua contraposição ao de negligência referido no art.º 26.º”; – que, apesar de ter de se considerar que “os factos que são do” conhecimento do funcionário bancário com quem o segurado contactou “devem entender-se como sendo também do conhecimento” da seguradora, e de ser patente a obesidade do segurado, não se pode concluir que isso possa ser enquadrado no nº 3 do artigo 24º, “tornando inoponível à autora a excepção de anulabilidade do contrato”; “no caso dos autos, considerando a factualidade apurada, não vemos que o...

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