Acórdão nº 117/13.1TBMLG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa de condenação contra CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF, pedindo que os réus sejam condenados a: I.A) fazer cessar a utilização do espaço destinado a dança existente no estabelecimento de discoteca e pub que gira no comércio sob o nome “GG”; I.B) ou, subsidiariamente, fazer cessar a utilização do espaço destinado a dança, entre as 22h00 e as 07h00 ou outra que resulte do período de silêncio/repouso estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis; II. A) absterem-se de produzir ruídos que sejam audíveis a partir do prédio dos autores, designadamente música, vozes altas, gritos, mesas de matrecos e ventilação, provenientes de qualquer uma das componentes do estabelecimento (espaço destinado a dança, café e esplanada); II. B) ou, subsidiariamente, absterem-se de produzir quaisquer ruídos que atinjam o prédio dos autores, designadamente música, vozes altas, gritos, mesas de matraquilhos e ventilação, provenientes de qualquer uma das componentes do estabelecimento (espaço destinado a dança, café e esplanada) e que gerem incomodidade e/ou excedam os valores-limite definidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis; III) pagar sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829-A do CC, de € 250 por cada infração diária; IV) pagar, solidariamente, a quantia de € 1.476 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos; V) pagar, solidariamente, a quantia de € 7.500 ao autor marido e € 5.000 à autora mulher, a título de compensação por danos não patrimoniais; VI) pagar, solidariamente, aos autores compensação pelos danos não patrimoniais que se produzam na pendência da ação, a liquidar em incidente de liquidação; VII) tudo com juros de mora vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento, custas de parte e demais encargos.
Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados.
A final, foi proferida sentença na qual a acção foi julgada parcialmente procedente, determinando-se que o estabelecimento (espaço de dança e café-snack bar), durante o mês de Agosto, encerre pelas 24h00, excepto aos sábados, em que o funcionamento poderá estender-se até às 02h00; nas noites de Natal, Passagem de Ano, Páscoa e Carnaval, o estabelecimento poderá prolongar o horário de funcionamento até às 04h00; no resto do ano, deverá o estabelecimento encerrar até às 22h00, salvo ao sábado, em que poderá funcionar até às 24h00.
Os 2.ºs Réus foram condenados a pagar sanção pecuniária compulsória de € 200 por cada dia em que se verifique o incumprimento do decidido quanto ao horário de funcionamento do estabelecimento comercial; bem como a pagar aos Autores a quantia de € 9.476, correspondente aos danos patrimoniais pedidos, acrescidos de € 3.000 de indemnização por danos não patrimoniais à Autora mulher, e de € 5.000 de indemnização por danos morais ao Autor marido, sem prejuízo de outros danos produzidos no decurso do processo, a liquidar em incidente.
No mais foram os Réus absolvidos dos pedidos.
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Desta sentença apelaram os Autores e os 2.ºs Réus, impugnando-se a decisão proferida acerca da matéria de facto; tal impugnação procedeu em parte, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:
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Os autores são donos e possuidores de um prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar e rossios, destinado a habitação, sito no Lugar …, freguesia de …, M…, inscrito na matriz sob o art.º 4…8.º urbano, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1…0, estando o direito de propriedade definitivamente registado a seu favor através da apresentação 1693 de 02/05/2011 (cfr. documento de fls. 29-30 do procedimento cautelar).
b) O direito de propriedade sobre o prédio foi adquirido pelos autores através da celebração de contrato de compra e venda com HH e II (cfr. documento de fls. 29-30 do procedimento cautelar).
c) Atualmente, o prédio dos autores corresponde ao número de polícia … da Rua ….
d) Os 1.ºs Réus são donos e possuidores do prédio urbano composto por casa de morada com dois pavimentos, com salão anexo e rossios, sito no Lugar …, Freguesia de …, em M…, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3…3 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 4…7º. (cfr. documentos de fls. 31-32 e 121 do procedimento cautelar) e) Atualmente o prédio dos 1.ºs Réus corresponde aos números de polícia 9… a 10… da denominada Rua ….
f) Os prédios dos Autores e dos 1.ºs Réus confrontam entre si, encontrando-se o prédio dos Autores a nascente do prédio dos 1.ºs Réus.
g) No prédio dos 1.ºs Réus encontra-se instalado um estabelecimento de bebidas com espaço para dança, que gira sob o nome “GG”, funcionando como discoteca e pub, e usando também o nome “JJ”. (cfr. auto de inspeção judicial de fls. 307v.-308 e autos de ocorrência de fls. 275 a 279 e fls. 81 a 83 do procedimento cautelar) h) O estabelecimento comercial é propriedade dos 2.ºs Réus, que o exploram.
i) O estabelecimento comercial tem o alvará de licença de utilização n.º …/20…, emitido pela Câmara de M… em …/01/2010, com horário de funcionamento entre as 07h00 e as 04h00, sem período de almoço e sem encerramento semanais, tendo sido aprovado, em …/07/2012, o alargamento do horário até às 06h00, entre 15 de Julho e 31 de Agosto. (cfr. documento de fls. 131-143) j) O estabelecimento está inserido em zona habitacional, existindo no seu raio de 100, 200 e 300 metros diversos fogos e edifícios habitacionais, para além de uma carpintaria e uma serralharia, ambas empresas familiares. (cfr. documento de fls. 198-243 e esclarecimentos de fls. 252-259) k) O referido estabelecimento é integrado por um espaço destinado a café, que funciona no seu interior, por um espaço para dança que funciona num pavilhão anexo nas suas traseiras (lado sul) e ainda por uma esplanada exterior (lado norte), a qual funciona sempre que as condições meteorológicas são mais favoráveis, em especial na primavera e verão.
l) Todos os espaços podem laborar de forma funcionalmente integrada, já que a disposição dos espaços permite a fácil circulação interior dos clientes entre a sala do café e a discoteca, através da porta que os separa. (cfr. auto de inspeção judicial de fls. 307 v.-308 e relatório pericial de fls. 198-243 com esclarecimentos de fls. 252-259) m) O estabelecimento comercial, incluindo o seu espaço para dança, encontra-se a cerca de 6 metros do edifício habitacional que integra o prédio dos autores. (cfr. auto de inspeção judicial de fls. 307v.-308) n) Os 2.ºs Réus utilizam o espaço destinado para dança, que funciona em horas e dias específicos, sem um padrão regular, sendo que nos últimos anos funciona nas épocas festivas (Natal, Passagem de Ano e Páscoa) e/ou estivais (mormente na segunda quinzena de Julho e durante o mês de agosto).
o) Durante o final do ano de 2014 e o ano de 2015, o espaço destinado a dança funcionou, pelo menos, nas noites de Natal e passagem de Ano, algumas vezes na segunda quinzena de julho e diariamente durante todo o mês de agosto.
p) O funcionamento do espaço de dança costuma iniciar-se cerca das 22h00 e as 23h00, iniciando mais tarde sempre que o afluxo de público é menor ou mais retardado, e prolonga-se, já após o encerramento do café cerca das 02h00, sobretudo nas épocas estivais, até às 06h00 da madrugada, prolongando-se, não raras vezes, para além daquela hora, até às 06h30 e 07h00 horas da madrugada.
q) No espaço destinado a dança, os 2.ºs Réus fazem reproduzir música pré-gravada, maioritariamente do tipo pop e rock, com as batidas fortes de ritmos de baterias, sintetizadores ou caixas de ritmos, características destes tipos de música, que se traduzem em sons muito vincados e persistentes.
r) O som atravessa as paredes do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento e, ainda, as suas janelas e portas, sendo que os equipamentos instalados no estabelecimento tem potenciómetros que permitem variar o som de forma a ser percetível no interior da habitação, e até no quarto dos autores, ainda que com as janelas fechadas.
s) No local onde está instalado o estabelecimento, foi observada, em janeiro de 2015, a implementação, em data não concretamente apurada, de várias “melhorias” tendentes a isolar acusticamente, designadamente: i) Colocação de teto falso, com efeito de reforço do isolamento sonoro; ii) Aplicação de paredes duplas com lã mineral, com efeito de reforço do isolamento sonoro; iii) Revestimento das condutas de exaustão e retirada da parede de fachada dos equipamentos referentes aos sistema de exaustão/ventilação, com a subsequente colocação no interior do estabelecimento, permanecendo no local onde estavam anteriormente os equipamentos de exaustão/ventilação três condutas de extração de ar, assinalando-se que os equipamentos de exaustão/ventilação não permitem regulação do modo de funcionamento, havendo apenas a possibilidade de ligar ou desligar; iv) Entre a porta de acesso no exterior (com a espessura de cerca de 10 cm) e o interior da sala de dança existe um hall com uma porta intermédia (com a espessura de cerca de 10 cm) e uma antecâmara com porta dupla que dá acesso à pista de dança, com a espessura de cerca de 8 cm e que tem instalada, e em funcionamento, uma mola de fecho automático, para garantir que a porta da sala de dança fica sempre completamente fechada; v) A sala de dança tem duas portas de saída de emergência que estão sempre fechadas e que têm uma espessura aproximada de 18 cm; e t) Existe no local um equipamento programado pelo instalador/fornecedor e que funciona como limitador de som, que, desconhecendo-se se é estanque, se constatou ser de fácil acesso para desligar. (cfr. auto de inspeção judicial de fls. 307 v.-308 e relatório de fls. 198-243 e esclarecimentos de fls. 252-259) u) Aquando da realização da perícia determinada nos presentes autos, constatou-se que três colunas existentes na sala de dança não estavam a funcionar.
v) Aquando da...
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