Acórdão nº 1026/13.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e sua filha menor BB, por aquela representada (A.A.), instauraram, em 03/06/2013, ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra CC Seguros - Companhia de Seguros Vida, S.A. (R.), alegando, no essencial, que: .

No dia 11/05/2007, a autora (A.) e o seu cônjuge DD celebraram com a ré (R.) um seguro de vida com a função de salvaguardar o contrato de mútuo com hipoteca destinado ao financiamento da sua habitação; .

O seguro em apreço deu origem à apólice n.º 1…/2…6, pelo qual ficaram cobertos os riscos de vida dos beneficiários AA e marido DD; .

Assim, em caso de sinistro, a seguradora pagaria ao banco mutuante o valor do débito à data da sua verificação, neste caso, metade de € 71.289,86; .

DD morreu em 01/10/2010, por suicídio; .

Em 02/12/2010, foi feita a participação à seguradora R a reclamar o pagamento da indemnização; .

No dia 30/12/2010, a R. declinou a sua responsabilidade, argumentando, em síntese, que o risco de morte por suicídio estava excluído nas condições particulares da apólice; .

A A. continuou a proceder ao pagamento mensal da prestação relativamente ao valor do empréstimo.

Concluíram as A.A. a pedir a condenação da R. a pagar a quantia de € 35.644,93, acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a data em que foi interpelada para o cumprimento a 03/12/2010 até efetivo e integral pagamento, sendo os já liquidados, em 03/06/2013, no montante de € 3.519,48, bem como no montante ilíquido referente ao diferencial dos juros suportados sobre o capital em dívida no montante segurado à data do óbito de € 71.289,86 e os que deveria suportar se a indemnização fosse paga pela R. ao banco mutuante indevidamente, valor esse a liquidar em sede de incidente de liquidação.

2.

A R. contestou, sustentando que: .

Não tem responsabilidade no pagamento da indemnização, porquanto o regime previsto no Dec.-Lei n.º 72/2008 entrou em vigor já passado mais de um ano desde a celebração do contrato de seguro; .

Embora se trate dum contrato de renovação periódica, sempre o regime previsto no Dec.-Lei n.º 72/200 se encontra afastado na medida em que não se aplica às regras respeitantes à formação do contrato como é a regra que prevê a exclusão da pessoa segura em caso de morte por suicídio; .

O disposto no art.º 191.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 72/2008 admite “convenção em contrário”; .

No caso presente, existe essa convenção no Ponto II, 7.1. das Condições Gerais da Apólice, onde não é aposto qualquer limite temporal à exclusão por suicídio, devendo, por isso, tal exclusão vigorar durante toda a vigência do contrato.

3.

Findos os articulados e dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença a fls. 90-97, datada de 26/06/2014, a julgar a ação parcialmente procedente, proferindo-se decisão com o seguinte teor: «Reconhece-se como válido o contrato de seguro titulado pela apólice nº 1../ 2…6 de que DD era titular, recaindo sobre a ré a obrigação de proceder ao pagamento ao beneficiário “Banco EE, S.A.” da indemnização no valor do capital seguro à data da morte da pessoa segura, bem como a pagar à autora todos os valores por ela suportados junto do “Banco EE, S.A.” desde a data da anulação do contrato de seguro identificado, cujo valor deverá ser liquidado em incidente, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (cf. art.º 559.º do Cód. Civil e Portaria n.º 291/ 2003, de 08.04), desde a data dos respetivos pagamentos junto do “Banco EE, S.A.” e até efetivo e integral pagamento.» 4.

Inconformada com tal decisão, a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão proferido a fls. 185-198, datado de 16/11/2016, julgou procedente a apelação e confirmou a sentença recorrida, mas com um voto de vencido do Exm.º 2.º Juiz-Des.-Adjunto, no sentido de que daria provimento ao recurso.

5.

Novamente inconformada, vem a R. pedir revista, formulando conclusões que se resumem ao seguinte: 1.ª - A Recorrente não pode estar de acordo com o decidido no acórdão recorrido no respeitante à interpretação da aplicação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do DL n.º 72/2008, por considerar que tal interpretação não se coaduna com o sentido da norma legal; 2.ª - Apesar de sanada a questão sobre a natureza supletiva da norma constante do art. 191.º do DL n.º 72/2008, o Tribunal “a quo” faz, consequentemente, uma aplicação do n.º 2 do art.º 3.º do DL 72/2008, com a qual a Recorrente não pode concordar, interpretação esta que foi, inclusivamente, responsável pelo voto de vencido constante daquele acórdão; 3.ª - Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do preâmbulo da LCS, as normas supletivas previstas no regime jurídico do contrato de seguro aplicam-se aos contratos de seguro com renovação periódica celebrados anteriormente à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data da respectiva renovação do conteúdo das cláusulas alteradas em função da adopção do novo regime; 4.ª - Assim, ao contrário do profetizado na sentença e, posteriormente, reiterado pelo acórdão recorrido, não era a exclusão da cobertura da morte por suicídio já prevista no contrato que teria de ser expressamente acordada, após a entrada em vigor do DL n.º 72/2008, mas sim a eventual decisão de aplicação da norma supletiva constante do artigo 191.º da LCS e, consequentemente, a alteração do conteúdo das cláusulas contratuais já subscritas, o que não sucedeu; 5.ª - Ainda que surgindo alterações no que a esta questão diz respeito, com a entrada em vigor da Lei do Contrato de Seguro, “o traço fundamental do regime de 1888 foi mantido em 2008 - a supletividade, permitindo a manutenção do que se julga ser a prática mais frequente no mercado nacional, da previsão da exclusão por 1 ou 2 anos; Só se a apólice nada estabelecer é que se registará uma diminuição no âmbito da cobertura dos contratos; 6.ª - A “convenção em contrário” admitida no n.º 1 do art.º 191.º tanto pode aumentar o prazo da exclusão como eliminá-la (n.º 1 do art.º 13.º “a contrario”) - não relevando portanto da ordem pública nacional seja a existência mesma da exclusão, seja a cobertura após o ano previsto nesse n.º 1.” - é o que resulta dos comentários expressos por Arnaldo Costa Oliveira à Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2011, 2.

a Edição, Almedina; 7.ª - Pelo que, face a todo o exposto, dúvidas não poderão restar de que a norma constante do artigo 191.º do DL n.º 72/2008 é uma norma supletiva, pelo que apenas se poderá aplicar aos contratos de seguro de renovação periódica, como é o caso, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data da respetiva renovação do conteúdo das cláusulas alteradas em função da adoção do novo regime.

8.ª - Assim, não tendo ocorrido tal informação, mantêm-se as cláusulas do contrato sem qualquer alteração no que respeita às normas supletivas, nomeadamente a convenção existente no Ponto 11.1.7 das Condições Gerais da Apólice se Seguro subscrita, onde não é imposto qualquer limite temporal à exclusão por suicídio, devendo, por isso, tal exclusão vigorar durante toda a vigência do contrato; 9.ª - Nos termos supra referidos, a cobertura de morte encontrava-se excluída em caso de suicídio, sendo que o Tribunal da Relação fez uma incorreta interpretação e aplicação da norma em apreço, mais concretamente a referente ao artigo 3.º, n.º 2, do preâmbulo do referido diploma, tendo...

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