Acórdão nº 1077/14.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

O Ministério Público (A.) intentou ação declarativa inibitória, sob a forma de processo comum, em 08/07/2014, contra o Banco AA, S.A. (R.), a pedir que: a) – Fossem declaradas nulas as cláusulas 2.ª, n.º 5, 3.ª, 4.ª, n.º 2, 1.ª, n.º 2, 5.ª, n.º 3, 2.ª, n.º 3, 5.ª, n.º 7, 2.ª, n.º 7, 7.ª, n.º 2, 4.ª, n.º 2, 8.ª, n.º 3, 5.ª, n.º 3, 10.ª, n.º 1 e 2, 7.ª, n.º 1 e 2, 11.ª, 8.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª e 9.ª dos contratos denominados “Condições Especiais - Conta Ordenado” e “Documento Autónomo Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto - Super Conta Ordenado”, com fundamento em violação dos artigos 15.º, 16.º, 19.º, alínea d), 21.º, alínea g), 22.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, alíneas a) e b), do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais – LCCG); b) – A R. fosse condenada a abster-se de utilizar aquelas cláusulas em contratos que venha a celebrar de futuro, especificando-se na sentença o âmbito desta proibição, bem como a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos tal publicidade.

2.

O Banco réu contestou, pugnando pela improcedência da ação.

3.

Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 159-206, datada de 07/01/2016, na qual foi inserida a decisão de facto e a respetiva motivação, a julgar a ação parcialmente procedente, no que aqui releva, decidindo: A - Declarar proibidas as seguintes cláusulas: i) - A cláusula 5.ª, n.º 7 - nos termos do preceituado no art.º 15.º do RJCCG - com a seguinte redação: O produto das mobilizações de aplicações de capital, que hajam sido ordenadas pelo Cliente, destinar-se-ão prioritariamente à liquidação dos montantes que excederem o novo limite de crédito, nos termos do número anterior ficando o Banco expressamente autorizado a proceder ao respetivo débito da conta do Cliente pelos montantes que forem necessários para o efeito; ii) - A cláusula 2.ª, n.º 7, do Documento Autónomo Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto - Super Conta Ordenado - nos termos do preceituado no art.º l5.º do RJCCG - com a seguinte redação: O produto das mobilizações de aplicações de capital, que hajam sido ordenadas pelo Cliente, destinar-se-ão prioritariamente à liquidação dos montantes que excederem o novo limite de crédito, nos termos do número anterior ficando o Banco expressamente autorizado a proceder ao respetivo débito da conta do Cliente pelos montantes que forem necessários para o efeito; iii) - A cláusula 13.ª, n.º 1 e 2, sob a epígrafe “Compensação de créditos” - nos termos do preceituado no art.º 15.º do RJCCG - com a seguinte redação: 1. Em caso de insuficiente aprovisionamento da “Conta ordenado” do Cliente, poderá o Banco reter e utilizar todos e quaisquer fundos provenientes de saldos de contas ou valores detidos pelo cliente no Banco, compensando o respetivo montante com débitos de igual valor e independentemente da verificação dos requisitos de compensação legal.

2. O Banco fica expressa e irrevogavelmente mandatado para, na medida em que isso seja necessário ao reembolso do que lhe for devido, proceder à mobilização, ainda que antecipada, das quantias aplicadas em qualquer dos produtos indicados nas ordens de aquisição do Cliente no âmbito dos poderes previstos na Cláusula 4° ou em quaisquer outros Recursos constituídos junto do Banco, fazendo-o pela ordem que entender B – Condenar a R. a abster-se de usar as referidas cláusulas contratuais gerais em contratos que venha a celebrar; C – Condenar a R a dar publicidade à proibição acima determinada, a comprovar nos autos, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão, mediante anúncio de dimensão não inferior a ¼ de página, e a publicar em dois jornais diários de maior tiragem que sejam editados em Lisboa e no Porto, durante 2 dias consecutivos, nos termos do art.º 30.º, n.º 2, do RJCCG.

4.

Inconformado com tal decisão, o Banco R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão de fls. 352-381, datado de 10/11/2016, sem fundamentação essencialmente diferente, tomado por unanimidade, julgou a apelação parcialmente procedente, além do mais, confirmando a sentença recorrida no respeitante às seguintes cláusulas: i) – Cláusula 5.ª, n.º 7, das “Condições Especiais da Super Conta Ordenado” (CEs) e cláusula 2.ª, n.º 7, das Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto da Super Conta Ordenado” (DA); ii) – Cáusula 13.ª, n.º 1 e 2, das “Condições Especiais da Super Conta Ordenado” (CEs).

5.

Desta feita, vem o Banco R. pedir revista a título excecional, circunscrevendo o âmbito do recurso à questão da validade das cláusulas em foco, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Tanto a sentença da 1.ª instância quanto o acórdão recorrido consideraram que as Cláusulas 5.

a, n.º 7, e 13.

a, n.º 1 e n.º 2, das CEs e 2.

a, n.º 7, do DA, que regem a "Super Conta Ordenado", autorizam o Banco a fazer a compensação de créditos que tenha sobre um titular desta Super Conta, com saldos de outras contas que esse cliente detenha no Banco, quer em titularidade individual quer em contitularidade com outros clientes do Banco.

  1. - Quer a 1.

    a instância quer a Relação de Lisboa entenderam que, por assim estipularem, tais cláusulas contratuais gerais, violam o princípio da boa fé enunciado no art.º 15.º no Regime Legal da Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), pelo que declararam nulas tais cláusulas; 3.ª - O facto de esta questão ter sido objeto de recente AUJ do STJ n.º 2/2016, proferido em 13.11.2015) não dispensa o STJ de a reexaminar, uma vez que o nele decidido quanto a este tópico, colide com entendimento adotado pela esmagadora maioria da doutrina jurídica da especialidade, quanto ao que decorre da lei aplicável.

  2. - Verifica-se que nada existe na letra das Cláusulas 5.

    a, n.º 7, das CEs, e 2.

    a, n.º 7, do DA, que indique ou sugira que, através delas, o Banco Recorrente se tenha reservado o direito de fazer a compensação do seu crédito sobre o aderente em situação de “ultrapassagem de crédito”, com o saldo de outras contas que tenha no Banco, além da conta de que nesta ação especificamente se trata.

  3. - Tanto assim é que as referidas cláusulas referem o débito “da conta do cliente”, o que, naturalmente, significa que se teve em vista aquela conta que é objeto das “CES” e não outras contas do Cliente (i.e., aquela ou outras).

  4. - Por isso, é totalmente infundada a afirmação que figura na pág. 6 do acórdão recorrido (e provém da sentença da 1.

    a instância), segundo a qual “as refèridas cláusulas não especificam a conta bancária onde terá lugar o débito”; 7.ª - É inegável que a compensação convencional que incide sobre outras contas singulares ou coletivas do cliente aderente não está contemplada nas Cláusulas 5.

    a, n.º 7, das CEs, e 2.

    a, n.º 7, do DA, mas sim (e só) na Cláusula 13.

    a das CEs.

  5. - Foi isso que entendeu outro coletivo do TRL (no acórdão proferido em 28.06.2016, no proc. 8974/14.8T8LSB.L1), ao pronunciar-se sobre cláusulas contratuais gerais rigorosamente idênticas às que estão aqui em causa.

  6. - Ao confirmar, neste particular, a sentença proferida na 1.

    a instância, sem a escrutinar verdadeiramente, o acórdão recorrido interpretou incorretamente as Cláusulas 5.

    a, n.º 7, das CEs e 2.

    a, n.º 7, do DA e, ao fazê-lo, violou o disposto nos arts. 10.º e 11.º do RJCCG assim como no art.º 236.º do CC, para o qual o primeiro daqueles artigos remete, pelo que deverá esse acórdão ser, nesta parte, revogado; 10.ª - Ensina a totalidade da doutrina e admite, sem exceção, a jurisprudência dos tribunais que, ao lado da compensação baseada em declaração unilateral de uma das partes e efetuada ao abrigo dos artigos 847.º a 856.º do CC, é legalmente admissível a compensação convencional, baseada em convenção ou estipulação dos interessados, celebrada ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405.º, n.º 1, do CC.

  7. - Decorre logicamente do facto de a compensação convencional ser um instituto baseado na autonomia privada ou liberdade contratual, que as partes possam, ao abrigo desta, afastar um ou mais dos requisitos que lei estabelece para a “compensação legal”, exceto aqueles que assentem em razões de interesse e ordem pública ou resultem de normas imperativas.

  8. - A reciprocidade dos créditos a compensar é um dos requisitos impostos por lei relativamente à “compensação civil”, que a doutrina e a jurisprudência admitem que seja dispensado no âmbito da compensação voluntária, nomeadamente, quando ela incida sobre contas solidárias.

  9. - Uma tal estipulação, quando incluída nas condições gerais de abertura de contas, que são necessariamente subscritas por todos os contitulares de qualquer conta coletiva por elas regida, vale como convenção autorizante da operação pelo qual ao banco obtém satisfação para um crédito que tenha sobre um dos contitulares da conta coletiva, compensando-o com o (ou parte do) saldo dessa conta.

  10. - Num contrato de abertura de conta coletiva, em que todos os contitulares, ao subscreverem esse contrato, consentiram no estipulado nas cláusulas gerais ou específicas que o regem, nenhum desses contitulares é terceiro relativamente a atos de disposição do saldo dessa conta, porquanto é comparte do contrato que fez nascer esta e rege aqueles atos. A leitura do acórdão recorrido mostra que os seus autores dirigiram a atenção unicamente para a "Conta Ordenado" em causa nesta ação, que tem como único titular o cliente que a abriu no Banco Recorrente, esquecendo-se de que, se ele tiver neste Banco, além daquela conta, uma ou mais contas coletivas, em contitularidade com outros clientes, é inquestionável que tanto aquele como estes se vincularam, na(s) datas(s) de abertura dessa(s) conta(s) coletivas, ao estipulado nas "Condições Gerais de Abertura de Conta" que as regem.

  11. - O teor das “Condições Gerais de Abertura de Conta” (CGAC) que regem a generalidade das contas abertas no Banco Recorrente, na versão utilizada até 30.07.2014 - que só difere da versão...

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