Acórdão nº 737/13.4TBMDL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA veio propor esta acção de investigação de paternidade contra BB.

Pediu que se declare que é filho do réu.

Como fundamento, alegou que nasceu da gravidez sobrevinda das relações sexuais de cópula havidas entre o réu e sua mãe CC, tendo tomado conhecimento dessa filiação biológica apenas no Verão de 2013, depois de haver encontrado cartas escritas pelo réu que confirmam o relacionamento que este manteve com a mãe do autor.

O réu contestou por excepção, invocando a caducidade da acção, e impugnou os factos alegados pelo autor relativos à procriação, bem como à data em que o autor diz ter tomado conhecimento dos aludidos escritos.

No decurso da instrução, perante a recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico oficiosamente ordenado pelo tribunal, foi proferida decisão em que se concluiu: "Face ao exposto, tendo em conta a postura do réu ao longo do tempo, impedindo que seja levado a cabo exame pericial que facilmente determinaria se é ou não o pai biológico do autor, conclui-se que o réu culposamente tornou impossível a prova ao onerado pelo ónus, o autor.

Assim, determino a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no artigo 344º, nº2, do Código Civil, cabendo ao réu provar que não é pai do autor".

Após audiência de julgamento foi proferida sentença em que se decidiu: a) Declarar improcedente a excepção de caducidade do direito do autor a intentar a presente acção de investigação de paternidade; b) Declarar, para todos os efeitos legais, e condenar o réu a reconhecer que AA é filho de BB e ordenar o averbamento da paternidade no assento de nascimento daquele – assento nº 00207 da Conservatória do Registo Civil de ….

Discordando desta decisão, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, tendo revogado a sentença recorrida e absolvido o réu do pedido.

Inconformado, o autor vem pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: I - O acórdão recorrido fundamentou a decisão de revogação da sentença proferida na 1ª Instância com fundamento na errada leitura da matéria de facto dada como assente, mormente, dos pontos 7º, 8º, 12º, 18º e 20º, os quais por manifesto lapso fazem referência a acto e omissão processual por banda do autor quando, como se extrai de fls. 85, 90, 109, 140 e 143, o referido comportamento omissivo que obstaculizou à realização do exame pericial reporta-se exclusivamente ao Réu aqui recorrido.

II - Atento o disposto no art. 249 do Cód. Civil e art. 614, nº 1, ex vi art. 666º do Código Processo Civil, os erros materiais da sentença ou do acórdão que resultem de lapso manifesto, podem ser corrigidos por simples despacho a requerimento de qualquer uma das partes ou por iniciativa do Juiz. Pelo que, onde nos mencionados pontos da matéria assente consta "autor", deverá proceder-se à sua rectificação passando a figurar "réu" e ser o julgamento da causa em conformidade com a mesma.

III - A discordância do recorrente prende-se com a alteração da matéria de facto dada como provada em 1ª instância, dos pontos 5 e 6, que culminou na procedência da excepção de caducidade e na repartição do ónus da prova dos factos.

IV - Porém, a recusa constante de forma culposa do réu em se submeter ao exame hematológico constitui claramente a violação do dever de colaboração e impossibilitou de forma plena a averiguação da verdade biológica do autor preenchendo a previsão do artigo 344º, nº 2 do Código Civil, dando lugar à inversão do ónus da prova. Sendo certo que, passou a caber ao réu a responsabilidade de provar que não é o pai do autor.

V - O Tribunal da Relação de Guimarães fundou a sua decisão da verificação da caducidade do direito de acção do recorrente assente em pressupostos de repartição do ónus da prova errados de acordo com o teor da matéria assente, designadamente, por ter considerado ter havido repartição de culpas na não realização da prova pericial quanto à determinação da filiação biológica do recorrente relativamente ao recorrido.

VI - Ora, sendo inelutável a única e exclusiva razão da não realização do exame hematológico se deveu ao comportamento culposo do recorrido que, ao contrário do que sucedeu com o recorrente, faltou a todas as marcações de recolha de sangue tornou impossível a realização da mencionada diligência probatória e com isso impediu o recorrente da prova de factos que fariam operar a facti species prevista no aludido artigo 1817º, nº 4 do Código Civil.

VII - Pelo que, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 1817, nº 4 e artigo 344º, nº 2 do Código Civil, por fundar a sua modificação da decisão da matéria de facto numa errada distribuição do ónus da prova do facto relativo a considerar que o autor não provou que é fruto das relações sexuais que o réu manteve com a sua mãe nos 120 dias dos 300 que precederam ao seu nascimento.

Ternos em que deve conceder-se a revista e, em consequência revogar-se o douto acórdão recorrido substituindo-se por outro que mantenha a sentença proferida em primeira instância.

O réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Remetido o processo ao Supremo, foi proferido despacho a determinar que o Tribunal recorrido apreciasse o requerimento anteriormente apresentado pelo autor para rectificação dos pontos 7º, 8º, 12º, 18º e 20º da decisão de facto da 1ª instância (como reitera na concl. 1ª do seu recurso).

Foi então proferido acórdão complementar pela Relação, com este teor: "4. Cumpre apreciar: Os factos constantes dos referidos pontos foram considerados provados na 1ª instância, matéria que não foi reapreciada na Relação por não fazer parte do objecto do recurso, e as partes não tiveram o cuidado de pedir a sua rectificação.

Reconhece-se que o teor dos documentos mencionados no final daqueles pontos reportam a falta do réu e não do autor aos exames marcados pelo IML, pelo que é manifesto o erro de escrita cometido na 1ª instância ao fazer referência ao "autor".

Contudo sem influência no julgamento do recurso, nos segmentos de facto e de direito: as considerações do acórdão constantes do penúltimo parágrafo de fls. 5 («só o autor e o réu poderiam ... ») foi meramente a título circunstancial, num momento em que a convicção do tribunal já estava formada; o erro não interfere com a posição adoptada relativamente à vinculação do despacho sobre a inversão do ónus da prova, e a actuação da parte durante a instrução do processo é alheia aos fundamentos da acção ou da excepção.

Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em deferir o pedido rectificação nos termos seguintes: nos pontos 7, 8, 12º, 18º e 20º, onde consta "autor" passa a constar e a dever ler-se "réu", mantendo-se no demais o acórdão nos seus exactos termos".

Após os vistos legais cumpre decidir.

II.

Questões a resolver: - Caducidade do direito de acção de investigação; ónus da prova; - Inversão do ónus da prova sobre a filiação biológica, face à recusa injustificada do réu em se submeter a exame hematológico.

III.

Os factos considerados provados, após as alterações introduzidas pelo acórdão recorrido no âmbito da apreciação da impugnação da decisão de facto e após a requerida e deferida rectificação, são os seguintes: 1. O autor nasceu no dia 0 de … de 1970, na freguesia de …, concelho de …, conforme assento de nascimento junto a fls. 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  1. Do assento de nascimento do autor apenas consta a menção da sua maternidade.

  2. O autor encontrou as três cartas juntas de fls. 193 a 196, escritas pelo réu à sua mãe (uma datada de 00.00.1966, outra de 00.00.1966 e outra de 00.00.1966), que revelam uma relação amorosa e sexual entre ambos.

  3. Falou então com a sua mãe, que lhe confirmou que o réu era seu pai.

  4. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 08/06/2014, juntou aos autos atestado médico, justificando a sua não comparência - cft. fls. 85.

  5. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 06/08/2014, não compareceu, nem justificou a falta de comparência.

  6. Em 22/09/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC – cft. fls. 91.

  7. Em 10/09/2014, o réu juntou aos autos requerimento com o teor de fls. 99 e 100, dando conta de que não efectuaria o exame em causa.

  8. Em 23/10/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o...

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