Acórdão nº 1381/13.1TBVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou acção declarativa de condenação contra BB, CC, DD e EE, alegando, em síntese: Que os 3º e 4º RR. são proprietários e os 1º e 2º RR. são usufrutuários de uma loja dada de arrendamento ao A., por contrato de 01/11/1977, para o exercício da actividade de barbearia/cabeleireiro, cuja exploração foi cedida pelo A. a terceiro em 06/01/1994.

Que sempre cumpriu as obrigações decorrentes do contrato, tendo efectuado obras no locado. Mas que os RR. nunca efectuaram obras de manutenção e/ou conservação no prédio, tendo este ficado muito degradado, originando infiltrações desde os pisos superiores aos inferiores, insalubridade, insegurança, e más condições de habitação/utilização.

Que o A. interpelou várias vezes os RR. para melhorarem o estado de conservação do edifício, tendo a Câmara Municipal ordenado a execução de trabalhos de estabilização e protecção da coisa pública, que não foram efectuados pelos RR., obrigando à tomada de posse administrativa do imóvel e à intervenção da brigada de demolição da Câmara Municipal de ... [CMV]. Que, em virtude de não terem os RR. executado as obras exigidas, o locado ficou sem condições mínimas de utilização, continuando o estabelecimento, no entanto, a laborar até 22/02/2012, data do falecimento do cessionário.

Que o A. procurou novos cessionários, sem sucesso, devido às condições em que se encontrava a loja, facto imputável aos RR., tendo sido declarado o estado de ruína do edifício.

Invoca ter sofrido danos em virtude da conduta omissiva dos RR., que discrimina.

Com estes fundamentos conclui pedindo: 1. Que se declare resolvido o contrato de arrendamento descrito em 1º da PI por culpa exclusiva dos RR., através de carta registada com AR remetida pelo autor em 11/03/2013; 2. Que os RR. sejam condenados a pagar ao A. todos os prejuízos/danos a este causados pela sua conduta, designadamente: a) € 70.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal a partir da citação, até efectivo e integral pagamento; b) € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral e efectivo pagamento.

Os RR. contestaram nos seguintes termos: Que a barbearia em causa nos autos encerrou em Outubro de 2011, altura em que a CMV anunciou a sua intenção de proceder ao encerramento, uma vez que, pelo menos desde 2008, o prédio estava em estado de degradação genérica, que apenas a reconstrução do mesmo poderia ultrapassar, e não a realização de quaisquer obras de conservação, tendo a proprietária apresentado, então, projecto de reconstrução, que foi aprovado. Que, em virtude do estado de ruína do prédio, acordaram os RR. com os restantes inquilinos a resolução dos contratos de arrendamento, pagando-lhes uma justa compensação, não o tendo logrado com o A. uma vez que este exigiu uma indemnização inadequada, de € 150.000,00.

Invocam ter comunicado ao A. a caducidade do arrendamento, por perda do locado, em 21/02/2013, na sequência da ordem de demolição do edifício exarada pela CMV, e tomada de posse administrativa do imóvel em 26/04/2013.

Com estes fundamentos, deduziram reconvenção, onde dão por reproduzida a alegação de caducidade do contrato de arrendamento.

Concluem pedindo que: a) Seja a acção julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, sejam os RR. absolvidos de todos os pedidos formulados na PI; b) Na procedência da reconvenção, seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento a partir de 13/12/2012, data da deliberação da CMV que declarou em estado de ruína o imóvel, e ordenou a sua demolição; c) Quando assim se não entenda, que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento com fundamento no não uso do locado por parte do autor, por período superior a um ano, nos termos da alínea d), do n.º 2, do art. 1082º, do Código Civil.

Replicou o A., defendendo não ter recepcionado a correspondência dos RR. na qual mencionam a caducidade do contrato de arrendamento, e reiterando ter o contrato sido resolvido pelo próprio A., mantendo o mais alegado na petição inicial. Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.

A fls. 377 foi proferida sentença que, a final, decidiu: Pelo exposto, decide-se: 1. Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados pelo Autor; 2. Na total procedência da reconvenção, declarar a caducidade do contrato de arrendamento descrito em 1., acima, por perda da coisa locada, com efeitos a partir de 6.12.2012.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pretendendo a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto e a modificação da decisão de direito.

A fls. 429 foi proferido acórdão, que alterou pontualmente a decisão relativa à matéria de facto, em termos que entendeu irrelevantes para efeito de modificação da decisão de direito. A final, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

  1. Veio o A. interpor recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1ª) O Tribunal da Relação não fundamentou a sua decisão no plano do direito e em bom rigor nem se pronunciou sobre a matéria de direito, questão que foi suscitada na apelação, o que constitui desde logo nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art. 615°, n° 1, als. b) e d), pelo que a revista é desde logo admissível nos termos do art. 671°, n° 1 e n° 3, a contrario e do art. 674°, n° 1, al. c), todos do CPC; 2ª) Sem prejuízo desse entendimento, é de todo o modo admissível a revista excecional prevista no art. 672°, com o fundamento da al. a) do seu n° 1 e ainda da al. b) do n° 1 e considerando ainda a violação de lei substantiva; 3ª) Pela razão de que no primeiro caso (al. a)) está em causa a apreciação da questão da aplicabilidade, por analogia e nos termos do art. 10° do Código Civil, do art. 26°, n° 1, do DL 157/2006, de 8/8, ao caso dos autos e a todos os casos semelhantes omissos na lei, ou seja, aos casos em que o senhorio não denuncie o arrendamento apesar de se verificar o condicionalismo material previsto naquele preceito legal, apreciação essa que tem uma elevada relevância jurídica e é claramente importante e necessária para uma melhor aplicação do direito; 4ª) Bem como está em causa a questão da aplicabilidade no caso dos autos dos arts. 798°, 1022°, 1031°, b), 1032°, b), 1051°, e) e 1074°, n° 1, todos do Código Civil; 5ª) E ainda pela razão de que no segundo caso (al. b)) estão em causa interesses de arrendamento para o exercício de actividade profissional, o que está directamente ligado com os rendimentos da respectiva família, o seu sustento e o seu bem-estar material, físico e psíquico, o que assume particular relevância social; 6ª) Sendo certo que, considerando toda a factualidade provada e designadamente a dos pontos 30., 31., 32., 34., 35., 36., 37., 38., 45., 46. e 48., a decisão da referida questão tem de ser no sentido da aplicabilidade do citado preceito legal e da compensação dos comprovados danos do Recorrente, por analogia e de acordo com o estipulado no art. 10° do Código Civil, ao caso dos autos e a todos os casos semelhantes, com conjugação com os citados preceitos do Código Civil; 7ª) Sendo que a decisão da não aplicabilidade daquele preceito legal constituiria uma situação profundamente iníqua, de profunda injustiça social e extremamente gravosa para o Recorrente; 8ª) Pelo que, ao não ter esclarecido / justificado a não aplicação dos citados normativos ao presente caso, e sobretudo ao não ter aplicado tais normativos ao caso concreto (quando tal apreciação se representava com elevada relevância jurídica para uma melhor aplicação do Direito) foram os mesmos violados pelo Tribunal da Relação; 9ª) Em face do que, deve a decisão da apelação ser revogada, considerando-se aplicáveis (e aplicando-se) ao caso concreto os citados preceitos legais e determinando-se o pagamento de indemnização ao Autor / Recorrente, a título de lucros cessantes e danos morais no valor deduzido de 65.000,00 €, ou pelo menos no valor mínimo que se encontra estipulado no citado art. 26°, n° 1, do DL 157/2006, de 8/8.

    Os Recorridos contra-alegaram, pugnando: pela não verificação da nulidade do acórdão recorrido, que, a verificar-se, sempre teria de ser conhecida pela Relação; pela inadmissibilidade da revista excepcional; e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

  2. Por acórdão da Formação a que alude o nº 3, do art. 672º, do Código de Processo Civil, a revista excepcional foi admita.

    Cumpre decidir.

  3. Vem provado o seguinte (com a redacção da Relação): 1. No dia 1 de Novembro de 1977, o pai da 1ª Ré, FF, deu de arrendamento ao Autor, pelo prazo de 1 ano e seguintes e sob a renda de 1.000$00, uma loja no R/C, com o nº …, do prédio urbano sito na Rua …, em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº 74… e atualmente descrito no registo predial sob o nº 14… (1º PI; acordo; docs. de fls. 29 a 37).

  4. Essa loja destinava-se ao exercício da atividade profissional do Autor, pelo menos de barbearia (2º PI; acordo; doc. de fls. 29-31).

  5. Para o efeito, a 01.11.1977 o Autor tomou de trespasse o estabelecimento industrial de barbearia que aí estava instalado, pelo preço de 70.000$00 (3º PI; acordo; doc. de fls. 40-42), estabelecimento esse que está licenciado por alvará municipal, averbado em nome do Autor (4º PI; acordo; doc. de fls. 43-44).

  6. Por sucessão hereditária do referido FF, veio a 1ª Ré a adquirir o identificado prédio, em 16/11/2006 (5º PI; acordo; doc. de fls. 45-53).

  7. Através de escritura de doação de 22/12/2006, a 1ª e 2º Réus ficaram titulares do usufruto daquele prédio, na proporção de ½ cada um, e os 3º e 4º Réus ficaram titulares da nua propriedade ou raiz, na proporção de ½ cada um (6º PI; acordo; fls. 54-60, e 38-39).

  8. Desde o início do referido arrendamento, o Autor exerceu nessa loja a atividade de barbearia, tendo cedido a exploração do...

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