Acórdão nº 1626/12.5TBFLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e mulher, BB, residentes em Pombeiro, Felgueiras, intentaram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e mulher, DD, residentes em Quinta, Felgueiras, alegando, em síntese, que: No dia 12 de Dezembro de 2007, celebraram com os Réus um contrato promessa de compra e venda e permuta mediante o qual os últimos permutariam a fração autónoma “U” do prédio construído em propriedade horizontal, ali identificado, e duas frações autónomas a construir em espaço comercial, identificadas como lojas 2 e 3, com o prédio misto pertencente aos Autores, ali identificado, entregando ainda os Réus, como complemento, a quantia de € 225 000,00.
Foi ainda estipulado que, se à data da escritura do contrato prometido, as referidas lojas ainda não estivessem concluídas, os Réus, ali segundos outorgantes, se obrigavam a pagar, para distrate da hipoteca, a quantia de €62 500,00, por cada fração.
Os Réus apenas entregaram aos Autores a fração autónoma designada pela letra “U”, não concretizando a entrega das outras duas lojas, enquanto os Autores transmitiram para os Réus a propriedade do prédio misto como se haviam comprometido.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir o seguinte: a) seja declarado o incumprimento parcial por parte dos Réus do aludido contrato promessa; b) sejam os Réus condenados a pagar-lhes a quantia €125 000,00 (€62 500,00 para cada uma das lojas), correspondente ao valor fixado no contrato celebrado para o caso de não ser possível a permuta, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Os Réus contestaram impugnando a versão factual dos Autores, tendo alegado, em resumo, que, posteriormente ao contrato promessa celebrado com os Autores, teriam acordado com estes em ceder-lhes a posição contratual que detinham no contrato promessa celebrado com a sociedade – EE- construtora das lojas em questão, com vista à aquisição das mesmas lojas, na sequência do que foi celebrado um outro contrato promessa, considerando-se concluído o anterior.
Concluíram, desse modo, pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido. Os Autores replicaram a manter a sua posição inicial.
Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, foi proferida sentença, datada de 23.08.2015, a julgar a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
Apelaram os Autores, com parcial êxito, tendo a Relação do Porto decidido, após alterar alguns pontos da matéria de facto, revogar a sentença, condenando os Réus a pagarem aos Autores a quantia de €62 500,00.
Inconformados, interpuseram os Réus recurso de revista, finalizando a sua alegação, com conclusões seguintes: 1 - A decisão dimanada do Tribunal da Relação do Porto, além de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, ofensivo de disposições legais, não fez, ainda assim, uma correcta interpretação e aplicação da lei substantiva aplicável à factualidade dada como assente nos autos; 2 - Em tal conformidade, o presente recurso tem por fundamento o disposto na alínea a), n.° 1. e n.° 3, do art.º 674.°, do CP. Civil; 3 - Seja por via de interpretação objectiva ou subjectiva, não é possível extrair do elemento literal do texto através do qual se encontra consignada a obrigação do pagamento da quantia de €62 500,00, que os RR., aqui recorrentes, se tenham obrigado independentemente de culpa própria; 4 - Estamos no âmbito da responsabilidade contratual (e não da responsabilidade objectiva), onde a culpa é o factor de averiguação da inerente responsabilidade, como decorre do disposto no art.° 798.° do C. Civil; 5 - De modo transversal à questão sub judice releva o facto consubstanciado na celebração superveniente do contrato promessa de 10/03/2010, por meio do qual a «FF. SA», tendo como administrador o A. AA, prometeu comprar à «EE- Sociedade de Construções. Lda.» as fracções «B» e «C»; 6 - Por meio do referido contrato promessa, a que as partes atribuíram eficácia real, e como tal o registaram, a "FF" chamou a si, em exclusivo, o complexo de direitos e obrigações dele emergente, até aí detido pelos RR., recorrentes; 7 - A certidão do registo predial, junta com a p.i., retrata a inegável vontade das partes outorgantes do contrato em apreço: uma promessa de compra e venda com eficácia real, a favor da sociedade "FF”; 8 - A integridade dessa certidão não foi posta em causa, tratando-se de um documento autêntico, dotado de força probatória plena, pelo que o seu conteúdo reflete aquela realidade, que o Tribunal não pode ignorar, em consonância com o consignado nos artigos 371.° e 372.°. do C. Civil.
9 - De pouco, ou mesmo nada, vale a "intenção" que esteve na origem de tal documento, vertida nos pontos 2 e 3 da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, contrariando a assertiva decisão de facto do tribunal de 1.ª instância; 10 - Com efeito, desafiando qualquer linha de pensamento lógico e coerente, essa intenção em nada contribui para o esclarecimento de como o contrato promessa de 10/03/2010 poderia forçar a realização da venda por parte do promitente vendedor ao novo promitente comprador; 11 - A outorga do mencionado contrato promessa fez extinguir toda e qualquer obrigação dos RR., recorrentes, contraída anteriormente perante os AA., recorridos, relacionada com as fracções "B'" e "C'\incluindo o pagamento da importância de € 62 500,00 destinada ao distrate, ainda que se entenda que este vínculo foi constituído independentemente de culpa própria: 12 - Este raciocínio jurídico mostra-se reforçado, em todo o caso, pela declaração de insolvência da promitente vendedora «EE- Sociedade de Construções, Lda.» (vd. sentença, pontos 17 e 18, factos provados), facto omitido pelo Tribunal da Relação do Porto na prolação do acórdão recorrido, de consequências determinantes para o julgamento da questão, na medida em que pôs em causa o cumprimento do contrato promessa; 13 - Na verdade, com a alteração subjectiva a favor da "FF"', introduzida no tocante às fracções «B» e «C», através do contrato promessa de 10/03/2010, os RR., recorrentes, ficaram impossibilitados de reclamarem no processo de insolvência o direito à aquisição dessas fracções, livres de ónus e encargos, ou à devolução, em dobro, do respectivo preço, por eles já integralmente pago; 14 - A «FF», sociedade controlada pelos AA., recorridos, não reclamou o competente crédito nos termos dos artigos 128.° e 47.°, n.° 4, alínea a), do C.I.R.E.), podendo e devendo fazê-lo, ao invés de deixar precludir o competente direito; 15 - Direito esse que, a exemplo do que fizeram os RR- recorrentes, em relação às demais fracções a si prometidas vender (vd. sentença, ponto 19, factos provados), permitiria aos AA., recorridos, pugnar pelo cumprimento integral do contrato promessa, é, pela compra e venda das fracções "B" e "C", livres de ónus e encargos (invocando para tanto o direito de retenção previsto nos artigos 754.°, 755.°, n.° 1, alínea f), 759.°, n.° 2, do C. Civil e, subsidiariamente, pela devolução do preço em dobro, nos termos dos artigos 441.° e 442.°, também do C. Civil; 16 - Ainda que independentemente de culpa estivessem obrigados a pagar aos AA, recorridos, o valor de € 62. 500,00 - como, de resto, entende (com todo o respeito, mal) o Tribunal da Relação - com a adjudicação daquelas fracções os RR., recorrentes, caso detivessem a posição de promitentes compradores, sempre teriam a oportunidade e o direito ao reembolso de tal valor, sob pena de enriquecimento sem causa e como, de resto, é de algum modo contemplado no ponto 12 do contrato promessa de compra e venda e de permuta; 17 - Perdendo, como perderam, o direito à aquisição das fracções "B" e "C", a favor da "FF", com o assentimento dos AA., recorridos, não é juridicamente sustentável que a obrigação do pagamento da quantia de € 62.500,00 seja mantida, pois que desse modo a mesma se extinguiu sem culpa dos RR., recorrentes, por aplicação ao caso do disposto no art.° 790.°, n.° 1. do C. Civil; 18 - Pelo exposto, bem andou o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância ao entender que na impossibilidade superveniente de cumprimento, por parte dos RR., recorrentes, da obrigação de transmitir a propriedade das fracções em causa, por efeito de novo contrato promessa de compra e venda das mesmas fracções a favor da «FF» (seja esse facto jurídico tido como cessão de posição contratual ou outro), não seria aceitável que os RR. se mantivessem vinculados à obrigação de pagamento de €62.500.00; 19 – Deve ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação e mantida a decisão tomada em 1.ª instância.
Os Autores ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso e interpuseram também recurso subordinado, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1 – O Tribunal a quo...
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