Acórdão nº 433/14.5JAAVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução04 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 433/14.5JAAVR da Comarca de ... - Instância Central - ....ª Secção Criminal - ..., foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, [...]; e, BB, [...] (fls. 1022 verso).

* O Ministério Público deduziu acusação contra ambos, imputando-lhes a prática, ao arguido AA, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), com remissão para os artigos 22.º e 23.º do Código Penal, e à arguida BB, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal.

* Foram deduzidos pedidos de indemnização civil contra os arguidos: - Por CC, no montante de 5.000 €, por danos não patrimoniais sofridos pelo filho da vítima.

- Por DD, ofendido/lesado, que também se constituiu assistente, por danos patrimoniais no montante de 55.543,76 €, e danos não patrimoniais, no montante de 100.000,00 €, num total de 155.543,76 €; - Pelo Centro Hospitalar ..., E.P., pela assistência prestada a DD, no montante de 28.255,00 €.

*** Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nas sessões de 27 de Outubro, de 3, 11 e 18 de Novembro, de 1 (com deslocação ao local) e 17 de Dezembro de 2015, de 7 e 8 de Janeiro de 2016, conforme actas de fls. 864/8, 888/9, 902/6, 925/9, 971/3 (aqui consignando-se a fls. 972 o resultado da deslocação ao local) e fls. 991/2, 1015/8 e 1019/1020.

Da acta de leitura de acórdão de 26-01-2016, a fls. 1066, consta ter sido comunicada ao arguido AA, nos termos do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do CPP, uma alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica, tendo o Mandatário do arguido dito nada ter a requerer.

*** Por acórdão do Tribunal Colectivo da ....ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de ..., datado de 26 de Janeiro de 2016, constante de fls. 1023 a 1065, depositado na mesma data, conforme declaração de fls. 1068, foi deliberado: Parte criminal - Absolver o arguido AA da prática em autoria material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal; - Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alíneas c) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Absolver a arguida BB da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

- Condenar a arguida BB, como autora material de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

Parte Cível - Julgar procedente o pedido civil formulado pelo demandante CC contra a arguida/demandada BB e condenar esta a pagar-lhe a quantia de 5.000,00 €, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

- Absolver o demandado AA do pedido contra si formulado, pelo demandante CC.

- Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar ..., EPE e condenar o demandado AA a pagar-lhe a quantia de 28.255,00 €, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante DD e condenar a demandada BB a pagar-lhe a quantia de 15.000,00 € e o demandado AA a pagar-lhe a quantia de 35.000,00 €.

*** Inconformados, os arguidos interpuseram recursos autónomos para o Tribunal da Relação do ....

A arguida BB apresentou a motivação constante de fls. 1084 a 1133, de novo, de fls. 1187 a 1236, e, em original, de fls. 1238 a 1287.

O arguido AA apresentou a motivação de fls. 1135 a 1186.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 1288, do 5.º volume.

A Exma. Procuradora da República na ....ª Secção Criminal da Instância Central de ... apresentou resposta à motivação do recorrente AA, de fls. 1295 a 1311, e à motivação da arguida BB, de fls. 1312 a 1321.

*** Por acórdão do Tribunal da Relação do ..., de 7 de Julho de 2016, constante de fls. 1353 a 1373, foram julgados improcedentes os dois recursos, mantendo-se a decisão recorrida.

* O arguido AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando a motivação de fls. 1382 a 1402.

A arguida BB interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 1403 a 1419, de novo, de fls. 1421 a 1437, e, em original, de fls. 1439 a 1470, que remata as seguintes 44 conclusões (transcrição na íntegra): 1. O presente recurso versa sobre matéria de direito e sobre matéria de facto, mas, neste último caso, apenas na medida em que os vícios a apontar resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum (vide artigo 410º, nºs, 2 e 3 do C.P.Penal), e vai interposto de toda a decisão proferida pelo Colectivo de Juízes.

  1. Atenta a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, e cristalizada pelo Tribunal “a quo”, acreditamos que a arguida deveria ter sido absolvida, disso mesmo fazendo eco nas Conclusões do Recurso para o Tribunal da Relação do ....

  2. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., assim como o douto Acórdão de que se recorre, são Nulos - ex vi art 379º, nº 1, al. a) e c) por violação do nº 2 do art. 374º, ambos do CPP, pelo que se impõe a revogação da decisão condenatória, com as legais consequências.

  3. A decisão sobre a matéria de facto deve ser motivada com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conforme dispõe o artº 374, nº 2 do CPP. Contudo, e do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância não se vislumbra qualquer fundamentação sobre as razões, regras de experiência e/ou critérios lógicos que levaram o colendo Colectivo a considerar provados os pontos 7., 8., 13., 14., 15..

  4. O Tribunal de 1ª Instância limitou-se a elencar os elementos probatórios que estiveram na base da formação da sua convicção, mas não o fez de molde a permitir, com segurança, acompanhar o raciocínio que lhe subjaz. Nomeadamente não aceitou a defesa - nem poderá aceitar - que a condenação da arguida BB seja feita com fundamento no depoimento de uma testemunha como a EE, que se “defende” e “esconde” na sua incapacidade - a testemunha é surda-muda.

  5. E falamos do Tribunal de 1ª instância, pois que o Tribunal a quo no acórdão de que ora se recorre, nada mais faz do que “defender” ou “justificar”, encaminhando no sentido da condenação da arguida, aquilo que no acórdão de 1ª Instância havia sido apontado pela arguida, como nulidades. Assim, não se pronunciando de forma concreta e rigorosa quanto a estas questões, sempre se dirá que também o Tribunal o quo violou o art.º 379º nº 1, al. c) do CPP.

  6. Por outro lado, no Acórdão proferido em 1ª Instância um verdadeiro, concreto e incisivo exame crítico das provas. Tal implica verdadeira nulidade de tal aresto, a qual não pode ser suprida pelo Tribunal de recurso, nem sequer com a renovação da prova. No entanto, o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal impõe a fundamentação da decisão de facto, impondo concomitantemente um exame crítico das provas. A razão de ser de tal exigência visa permitir ao Tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, visando ainda assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova. Por este motivo, a falta de tal exame crítico das provas é um vício do Acórdão proferido em 1ª Instância, o qual vem cominando com nulidade, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

  7. Pelo que deve ser decretada a nulidade do Acórdão proferido em 1ª Instância, por falta de um verdadeiro exame crítico das provas, tal como exige o artigo 374º, nº2, do Código de Processo Penal, nulidade essa cominada no artigo 379º, nº l, alínea a), do mesmo Código, alterando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo em conformidade, com todas as devidas e legais consequências.

  8. A ora Recorrente defende ainda que para além da nulidade referida, padece o acórdão de outras nulidades: desde logo a nulidade insanável por falta de promoção do processo por parte do Ministério Público, com fundamento - e atentas as “circunstâncias” que a envolvem - na falta de interrogatório de ... como arguida no decurso do inquérito, o que origina nulidade por insuficiência de inquérito.

  9. O acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância padece ainda de uma outra nulidade: a qual diz respeito à Reconstituição dos factos (efetuada pela Policia Judiciaria na fase de inquérito). Sucede que, e de acordo com o disposto no artigo 93º do CPP, no momento da Reconstituição (e à semelhança do que sucedeu nas declarações prestadas na Polícia Judiciária, assim como em Audiência de Julgamento) devia a testemunha EE ter sido acompanhada por um intérprete e não pelo seu próprio marido! 11. Contudo, tal não sucedeu! Pelo que estamos perante uma nulidade e porquanto tais provas não podem ser utilizadas, nos termos do artigo 93º e nº 5 do artigo 92º do CPP. 12. Ainda relativamente à diligência de Reconstituição dos factos efetuada pelos arguidos, questiona a defesa sobre a legalidade de prova ali obtida e uma vez que a Recorrente exerceu desde o momento da sua detenção até à última sessão de audiência de discussão e julgamento (na qual optou por prestar declarações), o um direito consagrado no artigo 61º, nº l, alínea d) do C.P.P., sendo que o direito ao silêncio é uma das mais importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno, 13. Assim, e não obstante os arguidos terem colaborado na diligência de Reconstituição do crime, a verdade é que em momento algum a arguida quis e/ou pretendeu prestar declarações...

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