Acórdão nº 234/14.0T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. 234/14.0T8MTS.P1.S1 REVISTA 4ª Secção RC/CM/PH Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 – RELATÓRIO AA intentou a presente ação de processo comum contra BB, Ld.ª, pedindo que se declare que o contrato celebrado entre eles consubstancia um contrato de trabalho, declarando-se a ilicitude do seu despedimento e, em consequência, a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 99.150,93 referente a férias, subsídios de férias e de Natal, indemnização por cada ano de trabalho e retribuições vencidas e vincendas, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento alegou que foi admitido pela Ré para exercer as funções de inspetor de pré-embarque e mediante as condições constantes do contrato de trabalho e que denominaram como contrato de prestação de serviços. Obrigou-se a exercer as suas funções sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, realizando as inspeções nos locais e nos horários indicados por esta, que lhe fornecia todo o material de trabalho. Como consta da cláusula 6ª do contrato e lhe era imposto, já que realizava inspeções diárias que o impediam de ter qualquer outra atividade e tinha que estar sempre disponível, estava expressamente impedido pela Ré de desempenhar qualquer atividade por conta própria ou por conta de outrem que pudesse concorrer com ela. A atividade que desenvolvia para a Ré era a sua única e exclusiva atividade profissional e ocupava-o a tempo inteiro. Os rendimentos que auferia eram exclusivamente os provenientes desta sua atividade prestada para a Ré, cuja retribuição fora por esta definida. Recebia regularmente formação dada pela Ré, às vezes através de “instruções de trabalho” e que continha em si orientações e ordens de serviço. Tinha de seguir obrigatoriamente todas as instruções da Ré que controlava toda a sua atividade, fiscalizava e classificava. Trabalhou sempre a “recibo verde” por imposição da Ré. A Ré comunicou-lhe que o termo do seu contrato seria em 30/09/2013, fazendo cessar o contrato de trabalho de forma ilícita e desprovida de justa causa. Recebeu, em média, a quantia mensal de € 2.228,10 e não lhe foram pagos os subsídios de férias nem de Natal e estava previsto gozar férias mas nunca as gozou.

A Ré contestou alegando que o A. celebrou um contrato de prestação de serviço. Nunca existiu qualquer horário nem o A. exercia a sua atividade sob as suas ordens, direção ou fiscalização. Contactava o A. no sentido de saber se teria disponibilidade para realizar a inspeção no dia seguinte. Nem todos os instrumentos de trabalho eram fornecidos pela Ré como é o caso da viatura e do computador. Os inspetores não tinham férias, era o A. que marcava as suas próprias férias comunicando-lhe que não estaria disponível para realizar inspeções nessas datas. O A. pediu-lhe, face à inexistência de solicitações para a realização de inspeções, para proceder ao preenchimento do modelo RP 5064 de modo a que pudesse beneficiar do subsídio de desemprego, pelo que, o contrato de prestação de serviço celebrado entre as partes apenas cessou por vontade única e exclusiva do A. A existência da cláusula de exclusividade no contrato nunca impediu o A. de prestar atividade profissional em qualquer outra empresa ou ramo de atividade, desde que não se tratasse da realização de inspeções de pré-embarque. O A. não estava obrigado a aceitar a realização de inspeções tendo por várias vezes recusado a sua realização. O valor pago por inspeção era acordado entre ambas as partes e calculado em função do resultado atingido, emitindo o A. recibos verdes. O A. foi convidado a frequentar a formação. As instruções de trabalho traduzem diretivas angolanas quanto à forma como o serviço deve ser prestado. Nunca existiu uma relação laboral mas sim um contrato de prestação de serviço celebrado por livre acordo. Não existia qualquer sujeição do A. à disciplina da Ré nem subordinação jurídica.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A.

Inconformado, o A. apelou, vindo a Relação a proferir a seguinte deliberação: «Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida e, em consequência: 1 – declara-se que o contrato celebrado entre o A. e a Ré foi um contrato de trabalho; 2 – declara-se ilícito o despedimento de que foi alvo o A. AA; 2 – condena-se a Ré BB, Ldª a pagar ao A. AA: uma indemnização em substituição da reintegração que se fixa em € 10.435,26 (dez mil quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte e seis cêntimos); as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 24/08/2014 até ao trânsito em julgado da presente decisão, à razão de € 1.897,32 (mil oitocentos e noventa e sete euros e trinta e dois cêntimos) mensais, a apurar no respetivo incidente de liquidação e com as deduções supra referidas; os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal e subsídio de férias do ano de admissão, no valor total de € 5.384,89 (cinco mil trezentos e oitenta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos) e a quantia de € 22.137,89 (vinte e dois mil cento e trinta e sete euros e oitenta e nove cêntimos) a título de subsídios de Natal dos anos de 2003 a 2012, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data dos respetivos vencimentos e até integral e efetivo pagamento nos termos supra enunciados.

Do assim decidido, recorre agora a Ré de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão e a sua absolvição do pedido, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: «1.ª - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Apelante, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que declara que o contrato que vinculou as partes foi um contrato de trabalho, e em consequência ilícito o despedimento do Autor, e que condena a Ré a pagar-lhe determinadas quantias devidas em função da cessação do contrato.

  1. - Considerou, o Tribunal da Relação do ..., no seu douto acórdão para fundamentar a sua decisão que: l) "A transmissão de ordens e instruções de execução de funções de autoria alheia ao empregador, mas essencial à prossecução da sua atividade lucrativa mediante tal execução de funções e o cumprimento dessas ordens e instruções, não autoriza a que se considere que inexiste subordinação jurídica".

    1. "o estabelecimento de uma cláusula de exclusividade, impedindo o alegado prestador de serviços de desenvolver qualquer outra atividade remunerada, por conta própria ou alheia, mesmo que não em concorrência, conjugado com o facto do exercício de funções ocupar o prestador a tempo inteiro, constitui um indício muito relevante para a qualificação, na medida em que exclui qualquer outra possibilidade da força de trabalho beneficiar da proteção laboral, do mesmo passo que revela uma dependência económica absoluta do alegado prestador que se torna num elemento particularmente relevante da qualificação jurídica." 3.ª - Ora, não poderá o Recorrente concordar com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do ... face à matéria de facto considerada como provada e aos elementos probatórios juntos ao processo, nem pode aceitar a interpretação dada por aquele douto Tribunal às normas aplicáveis a este caso concreto, para mais quando existiu já um Acórdão de um Tribunal da Relação que versou sobre um contrato celebrado entre a ora R. e uma outra sua inspetora, que também exercia a atividade de inspeção de pré-embarque nos precisos moldes que o ora A., que se pronunciou sobre esta matéria num sentido precisamente oposto (Tribunal da Relação de Coimbra - 6.ª Secção - Apelação 422/11.1T4AVR.C1, junto como documento 19 da Contestação).

  2. - A existência desta douta decisão, em sentido exatamente contrário à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sobre uma situação semelhante, coloca em causa o princípio da confiança no sistema judicial e mostra-se de particular relevância a uniformização da interpretação dada às normas aplicáveis a este caso concreto.

  3. - Conforme consta da matéria de facto dada como provada: "5. Em Março de 2002 foi o A. admitido ao serviço da sociedade "CC", pessoa coletiva n.º 000 000 298, para exercer funções de Inspetor de Pré-Embarque (...) "11. No desempenho das funções de inspetor, o A. realizava inspeções de pré-embarque em empresas exportadoras (...)".

    "22. O relatório de inspeção, que era o único documento preenchido pelo A. e que constitua o produto da sua atividade, era preenchido de acordo com o que era constatado visualmente pelo A. e de acordo com o imposto pela Legislação Angolana".

    6.ª Saliente-se que a documentação junta ao processo designadamente o Decreto-Lei n.º 41/06, de 17 de Junho, o Decreto Executivo n.º 124/06, de 11 de Setembro e o Despacho 192/02, de 9 de Agosto, assim como as várias circulares que foram juntas aos autos, como documentos 03 a 13 da Contestação, regulam a atividade de Inspeção de pré-embarque.

  4. - Ora inevitavelmente, ao assumir o A. a realização de inspeções de pré-‑embarque, tinha de conhecer e aplicar a legislação relativa à atividade por ele exercida, sendo certo que "esta realidade fortemente regulamentada por parte das autoridades administrativas dos países importadores, mormente o Estado Angolano, na prática, traduz-se na sujeição do Autor, no desempenho da sua atividade, a procedimentos e regras fixadas pelo Estado Angolano e não instruções diretas emitidas pela R.”.

  5. - Por outro lado, saliente-se que o já referido Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1.ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6.ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), foi inequívoco no sentido de considerar o contrato celebrado entre as...

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