Acórdão nº 656/11.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA e mulher BB intentaram a presente acção de condenação conta CC Seguros, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 461,470,73 acrescida dos juros vincendos à taxa de 7,5 % ao ano até efectivo pagamento.

Alegam, em síntese: Por sugestão e intermédio de uma mediadora de seguros da Ré, DD, em 3 de março de 2008, subscreveram uma proposta de constituição de uma apólice, a que foi atribuído o nº 767…, pelo valor de € 360.000,00, a partir de resgates de anteriores apólices, com um juro anula de 7,5% , conforme lhe foi garantido pelos documentos que lhe foram entregues a esse propósito.

Porém, mais tarde, tendo pretendido obter informações mais detalhadas sobre a referida apólice proceder ao resgate dessa quantia, vieram a ter conhecimento de que a apólice e a importância investida não tinham dado entrado na Ré, conforme esta lhe transmitiu.

Consideram porém, ser a Companhia Ré responsável perante eles, por ter de assumir as consequência dos actos praticados pelos seus mediadores e colaboradores, na medida em que exercem a sua actividade em nome e por conta da Companhia e sob inteira responsabilidade desta.

A Ré contestou, arguindo a preterição da instância criminal, face à pendência do processo crime respeitante também á mesma factualidade, bem como a prescrição de qualquer responsabilidade, por decorridos mais de três anos desde a data da entrega da referida quantia de € 360.000,00 em Março de 2008 à dita DD, até à data da sua citação em 7 de Outubro de 2011.

Além disso impugnou a factualidade alegada pelos AA, contrapondo que a referida DD nunca foi sua mediadora de seguros, nunca tendo celebrado qualquer espécie de operação ou contrato ou recebido a quantia de € 360.000,00 que os AA afirma ter entregue à dita DD. Concluiu defendendo que a sua responsabilidade só existiria se a mesma tivesse por si escolhida e o acto tivesse sido praticado no exercício de funções confiadas, o que não se verificou, estando sempre, de qualquer das formas, excluída a responsabilidade quando, como é o caso tenham sido praticados actos cuja único objectivo resida na obtenção de benefícios pecuniários próprios.

Por outro lado, nesse mesmo sentido, defendeu que mesmo de um mediador de seguros ligado se tratasse, excluída estava, da sua actividade, a tarefa de receber prémios ou somas destinados a tomadores de seguros, segurados ou beneficiários, pelo que ao fazê-lo, fora do âmbito das suas funções, cometia uma ilegalidade que sempre afastaria a responsabilidade do comitente.

Por último, invocou que, quer a DD, quer o seu filho EE, nunca poderiam vincular a demandada, por padecerem de quaisquer poderes para juridicamente vincular a Ré.

Saneado o processo foi julgada improcedente a excepção dilatória de preterição da instância criminal e remetido para final o conhecimento da excepção da prescrição.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que, depois de concluir pela não verificação da prescrição arguida, julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido, por ausência dos pressupostos da sua responsabilização.

Inconformados os AA interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão inserido a fls. 918 a 936v, julgou procedente a apelação interposta e revogou a sentença recorrida e condenou a Ré a pagar aos AA a quantia de € 360.000,00 acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento e, no restante, julgou o pedido improcedente, absolvendo a Ré do mais que contra si vinha pedido.

A Ré não se conformou e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido a fls. pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, dos autos de acção ordinária que correram termos na Comarca do Porto, Instância Central, 1ª Secção Cível - J6, que julgou procedente o recurso interposto pelos Autores, condenando a ora Recorrente.

  1. A ora Recorrente, salvo o devido respeito, não pode estar de acordo com o decidido pelo douto Acórdão no que diz respeito à responsabilidade imputada à Seguradora ora Recorrente, pela conduta/actuação de DD concretizada na apropriação do dinheiro entregue pelos Autores.

  2. Entende a ora Recorrente que a Veneranda Relação muito fixada na circunstância da DD ser a "mediadora de facto" acaba por construir uma tese (com o devido respeito errada) justiceira em torno da pretensão dos Autores, concluindo afinal pela (alegada) responsabilidade da Seguradora ora Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 762.° nº 2 do Código Civil e no artigo 8.° alínea a) do Decreto-Lei 144/2006, de 31/7, dado estarmos perante uma representação aparente e tutela do princípio da confiança dos Recorridos.

  3. Não pode a ora Recorrente concordar absolutamente com a interpretação e aplicação das normas acimas expostas ao caso em apreço nos presentes autos.

  4. Ora, face à matéria dada como provada nos autos, é inequívoco que DD não era Mediadora de seguros, pelo que no entendimento da ora Recorrente, nunca poderia ser aplicado, in casu, tal regime jurídico, dado os requisitos profissionais tão específicos para o exercício e registo de actividade de mediação de seguros.

  5. O Decreto-Lei nº 144/2006, de 31.07 - que transpôs para o Direito interno a Directiva n° 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09.12, relativa à mediação de seguros -, revogando anterior DL 388/91, veio regular novamente as condições de acesso e de exercício da actividade de mediação de seguros ou resseguros, no território da União Europeia, por pessoas singulares ou colectivas, respectivamente, residentes ou cuja sede social se situe em Portugal.

  6. O artigo 7º inserido no Capitulo II, atinente às "Condições de acesso à actividade de mediação de seguros ou de resseguros", estabelece no seu n° 1, al. a) que a actividade de mediação de seguros no território português só pode ser exercida por pessoas singulares que se encontrem inscritas no registo de mediadores junto do ISP.

  7. Entre outras, uma das condições comuns de acesso à inscrição no registo de mediadores de seguros por pessoas singulares previstas no art. 10/1, al. d), é terem qualificação adequada às características da actividade de mediação que pretendam exercer, nos termos previstos no art. 12/1, onde se inclui a detenção de curso sobre seguros reconhecido pelo Instituto de Seguros de Portugal, hoje Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). ou a titularidade de curso de bacharelato ou de licenciatura, ou de formação pós-secundário, superior ou não, conferente de diploma, cujo plano de estudos inclua conteúdos mínimos.

  8. Para efeitos de inscrição no registo como mediador de seguros ligado, a pessoa singular ou colectiva deve, adicionalmente, celebrar um contrato escrito com uma ou varias empresas de seguros, através do qual cada empresa de seguros assume inteira responsabilidade pela sua actividade, no que se refere à mediação dos respectivos produtos - art. 15/1. Os demais conteúdos mínimos desses contratos são definidos em norma regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal, hoje Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

  9. Por via desse contrato escrito a empresa de seguros mandata o agente para, em seu nome e por sua conta, exercer a actividade de mediação, devendo o contrato delimitar os termos do seu exercício - n° 1, a), do artigo 17.° do DL n° 144/2006.

  10. O conteúdo mínimo deste contrato é o constante da Norma Regulamentar n° 17/2006-R, alterada pelas Normas n°s 19/2007-R, de 31 de Dezembro, 17/2008-R, de 23 de Dezembro, e 23/2010-R, de 16 de Dezembro.

  11. Os direitos e deveres do mediador de seguros encontram-se plasmados nos artigos 28° e 29° a 34°, respectivamente, do DL 144/2006.

  12. São deveres do mediador de seguros, entre outros, celebrar contratos em nome da empresa de seguros apenas quando esta lhe tenha conferido, por escrito, os necessários poderes - artigo 29.°, a), do citado D.L n° 144/2006 14. Ora, perante tais normas legais e da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, é inequívoco que a DD não podia desenvolver a actividade de mediação de seguros sob a categoria de mediador de seguros ligado prevista na alínea a) do artigo 8.° do Decreto-lei n. 144/2006, de 31/7.

  13. DD não reunia as condições legais necessárias para exercer a profissão de mediadora de seguros, ou seja, não estava inscrita no registo de mediadores existentes no ÍSP.

  14. De facto, in casu, provado ficou que entre a Recorrente e a mencionada DD não foi estabelecida qualquer relação contratual, mas apenas com o seu filho EE, por via do contrato celebrado a 20.4.2007. de mediador de seguros ligado CC, nos termos que dele constam.

  15. Salvo douto entendimento em contrário, se concluiu que não poderia ser aplicado o regime jurídico da mediação de seguros a DD, quando esta não era, nunca foi e nem nunca será mediadora de seguros, uma vez que o Decreto Lei 144/2006, de 31/7 aplica-se às pessoas formal e legalmente investidas como pessoas habilitadas ao desenvolvimento da actividade de mediação de seguros ou de resseguros. Entender-se de outro modo significaria violar a lei, inobservando-a quer na forma, quer no seu conteúdo, quer na sua ratio, numa tentativa de se fazer entrar pela janela aquilo que não se deixou entrar pela porta.

  16. O regime jurídico estabelecido pelo Decreto-lei n.° 144/2006 definiu com rigor os requisitos de acesso e do exercício da actividade de mediador de seguros. Tal significa, de modo muito claro, a total impossibilidade de transposição de tal regime para alguém que, pura e simplesmente, não observa tais requisitos, independentemente da maior ou menor ligação que essa mesma pessoa tenha com alguém que legalmente tenha o estatuto de mediador, em particular, como é evidente, nos casos em que essa pessoa actue de modo próprio.

  17. Não obstante, aparentemente, o Tribunal da Relação do Porto, com o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT