Acórdão nº 236/15.0TRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, Juiz..., apresentou denúncia contra BB, Procuradora da República, imputando-lhe a prática dos crimes de difamação e de falsidade de testemunho.

Findo o inquérito, que decorreu nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, o sr. Procurador-Geral Adjunto proferiu despacho de arquivamento, por inexistência de indícios suficientes da prática das infrações, nos termos do art. 277º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP).

Veio então o denunciante, entretanto constituído assistente nos autos, requerer a abertura de instrução. Esse requerimento foi indeferido pela sra. Juíza-Desembargadora da Relação do Porto, intervindo como juíza de instrução, com fundamento na falta de indicação do elemento subjetivo dos ilícitos.

Desse despacho interpôs recurso o assistente para a mesma Relação.

O recurso não foi inicialmente admitido pela titular do processo, por entender que o despacho só poderia ser impugnado por meio de reclamação para a conferência, não tendo convolado o recurso para reclamação por ter sido interposto para além do prazo de 10 dias. Deduziu reclamação deste despacho o assistente para o sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, sustentando que ao caso se aplica o disposto no art. 407º, nº 2, h), do CPP. Essa reclamação foi decidida pelo sr. Vice-Presidente da mesma Relação no sentido de a remeter ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por entender que das decisões proferidas por um Juiz-Desembargador ao abrigo das competências atribuídas pelo nº 6 do art. 12º do CPP cabe recurso para o STJ, e não para a Relação.

No STJ, a reclamação veio a ser deferida por despacho do sr. Vice-Presidente, que ordenou que o recurso fosse admitido para o mesmo Tribunal.

Admitido o recurso na Relação, subiram os autos.

São as seguintes as conclusões apresentadas pelo recorrente: 1- O requerimento de abertura de instrução cumpriu todos os requisitos legais.

2- No requerimento de abertura de instrução, o assistente indicou as disposições legais aplicáveis, como exige a alínea c) do n.º 3 do art. 283º CPP.

3- Se a qualificação jurídica dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução é outra no entendimento do Tribunal a quo, deve aplicar-se o n.º' 5 do art. 303º CPP e não rejeitar o requerimento.

4- O requerimento de abertura de instrução contém toda a factualidade necessária a elaboração de um despacho de pronúncia.

5- O assistente narrou todos os factos que fundamentam a aplicação de uma pena à arguida.

6- O assistente confirma o vertido no RAI.

7- O recorrente entende que a interpretação do Tribunal a quo é inconstitucional, por violação do principio da legalidade previsto no artigo 219º da C.R.P. ínsito nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283, do CPP, ex vi art. 287º n.º 2 CPP.

8- O despacho recorrido violou 283°, n.º 3 alínea c) l n.º 5, do art. 303º e o 287° n.º 2, todos do CPP e ainda o art. 219º da Constituição da República Portuguesa.

Respondeu o sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação à petição de recurso, extraindo-se as seguintes passagens dessa resposta: 9. Do ponto de vista meramente formal, é evidente que o RAI não possui essa descrição factual [quer a objectiva, quer a subjectiva], com princípio, meio e fim, com a "narração dos factos dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança", como o exige a parte final do n.º 2 do art. 287º do CPP.

  1. Mas não só. Nem sequer essa narração, ainda que só a objectiva, pode ser retirada do texto inserto no RAI.

  2. Não existe matéria factual objectiva e subjectiva sobre a qual o Juiz de Instrução se possa pronunciar dando a mesma como indiciada ou não. Ou seja, o RAI não dispõe de uma "acusação alternativa".

  3. Assim, admitida que fosse a instrução, o Juiz de Instrução careceria de factos, pelo que, para pronunciar a arguida, teria que suprir a lacuna do RAI, com o que produziria necessariamente uma decisão nula [cfr. art. 309º do CPP].

  4. E ao mesmo destino se chegaria, ainda que se considere que a lacuna factual de que padece o RAI se cinge somente aos elementos subjectivos [dolo e consciência da licitude] como foi considerado na decisão recorrida [cfr. com o AUJ 1/2015, publicado no DR 18; Série I, de 27.01.2015, com o seguinte sumário: "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Pena!"].

  5. Assim, nenhuma censura merece a decisão de rejeição da instrução que, de resto, vai de encontro à jurisprudência unânime dos nossos Tribunais de que nos permitimos destacar, a título de exemplo, para além dos enunciados na decisão recorrida, o ARG de 02.11.2015, proferido no processo 165/13.ITAVLG.G1 [disponível na base de dados do ITlJ].

  6. Considera o recorrente que a interpretação que se faz na decisão recorrida do disposto no art. 287°, n.º 2, por referência às alíneas b) e c) do CPP, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no art. 219° da CRP [cfr. conclusão n.º 7].

  7. O recorrente não fundamenta tal conclusão, como se pode constatar da motivação do recurso, onde apenas se reproduz tal afirmação, pelo que estamos em crer que esse venerando Tribunal não se deve pronunciar sobre tal questão, sendo fundamento da rejeição do recurso, nessa parte, por falta de motivação [cfr. art, 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, al. b) do CPP].

  8. É que o recorrente não mencionas a(s) razão(ões) por que considera que a interpretação normativa a que se refere é violadora do princípio da legalidade definido no art. 219º do CRP.

  9. Estamos pois impedidos de responder a tal alegação.

  10. Porém, não deixaremos de convocar o Acórdão 636/11 do Tribunal Constitucional se pronunciou pela constitucionalidade de tal preceito processual penal, embora sob diferente perspectiva constitucional [por violação do direito do assistente no acesso à justiça, do direito e tutela jurisdicional efectiva e do princípio da proporcionalidade, estabelecidos nos artigos 20.º e 32.º da Constituição] decidindo "não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.os 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas)".

Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: 1 – O Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto, titular do inquérito NUIPC 236/15.0TRPTR, instaurado contra a Srª. Procuradora da República BB, por denúncia do Sr. Desembargador AA, proferiu despacho de arquivamento, em 30/3/2016, fundamentando a sua decisão, nos seguintes termos, em resumo: “(…) concluímos que, inexistindo a prova de que a arguida cometeu o crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art. 360.º do C. Penal, também não lhe podemos imputar a prática do crime de difamação que se contém nas declarações que a aqui arguida atribui ao denunciante relativamente ao juízo que o mesmo, alegadamente, fez sobre uma terceira pessoa (…).

2 – O Denunciante constituiu-se Assistente nos autos. Notificado daquele despacho de arquivamento, requereu a abertura de instrução, nos termos do documento de fls. 6 e segs. que, com a devida vénia se dá aqui inteiramente por reproduzido.

3 - Distribuídos os autos, o Sr. Juiz Desembargador titular do processo na qualidade e funções de Juiz de Instrução, acolhendo a posição do respectivo magistrado do MºPº, proferiu decisão bem fundamentada, em 18/5/2016, de rejeição do requerimento para abertura de instrução, formulada pelo assistente, por inobservância das formalidades legais previstas no art. 287.º, n.º 2, do CPP – fls. 123 a 128.

4 – Irresignado, recorreu o Assistente do despacho do Sr. Juiz Desembargador de Instrução Criminal (funcionando como juiz singular) para a secção criminal do mesmo Tribunal da Relação do Porto.

5 – Por despacho de 22/6/2016, a Srª Juíza Desembargadora Relatora não admitiu o recurso interposto pelo Assistente, no entendimento de que “o despacho recorrido foi proferido no âmbito da competência da secção criminal da Relação do Porto, uma vez que a arguida, BB, é Magistrada do Ministério Público – cfr. art. 73.º, g) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto: “Compete às secções, seguindo a sua especialização (…) g) praticar, nos termos da lei de processo, os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução criminal (…). O art. 12.º, n.º 6, do CPP, por seu turno, atribui a cada juiz das secções criminais competência para a prática dos referidos actos”. (…) “Das decisões proferidas pelo juiz da secção cabe reclamação para a conferência, como decorre do disposto no art. 417.º, n.º 8, do CPP (…) Deste modo, do despacho ora recorrido não cabe recurso para esta Relação, mas sim reclamação para a conferência (…)”, que não foi recebido por extemporânea.

6 – Desta decisão, reclamou o Assistente para o Presidente da Relação do Porto.

Por despacho, de 1/9/2016, o Vice-Presidente da Relação, com a devida e oportuna delegação de competências, decidiu que a competência para apreciar a reclamação em causa é do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que o despacho que rejeitou o recurso foi proferido por um juiz desembargador, atento o que dispõe o art. 73.º, al. g), da Lei n.º 62/2013 e art. 12.º, n.º 6, 399.º e 432.º, n.º 1, al. a) do CPP.

7 – Por decisão de 22...

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