Acórdão nº 440/12.2TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Revista nº 440/12.2TBBCL.G1.S1 - 1ª Secção ACÓRDÃO Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA instaurou, em 07.2.2012, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra BB, pedindo que: — Se declare e condene o R. a reconhecer que a A. é sua filha, com as consequências legais; — Se reconheça que a A. tem o direito de obter o registo da referida paternidade, na Conservatória do Registo Civil, aí devendo ser cancelados quaisquer registos efetuados em contrário.
Para tanto alegou, em síntese, que: — A A. nasceu em 00.00.1949, tendo sido registada apenas como filha de CC, solteira, com 36 anos de idade e natural da freguesia de ..., ..., ..., mas também é filha do R. e é por ele perfilhável, dado não haver entre ambos relações de parentesco ou de afinidade que obstem a tal; — O nascimento da A. ocorreu no termo da gravidez da sua mãe e como consequência das relações de cópula havidas entre ela e o R., com quem mantinha uma relação de proximidade e amor, publicamente conhecida, nunca tendo tido a sua mãe, durante a relação com o R., e, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, relações sexuais de cópula com qualquer outro homem que não aquele; — O R. sempre teve para com a A. atitudes que normalmente os pais têm para com os filhos, nomeadamente, questionando-a se está tudo bem, se precisa de alguma coisa e inclusive concedendo-lhe a bênção quando a A. a solicitava, como era costume na época, tendo o R. chegado a propor à mãe da A. irem residir para Angola, onde este lhes proporcionaria o sustento para ambas, o que não se concretizou devido à oposição dos avós maternos da A.; — Esta situação era conhecida e comentada por todas as pessoas amigas e conhecidas, da freguesia de ... (...) e arredores, já que todas sabiam que a A. é filha do R. e onde sempre foi apelidada de "...", "..." em virtude da alcunha da família do R. ser "...".
Requereu, ainda, produção antecipada de prova, solicitando que A. e R. «simultaneamente, sejam submetidos a colheitas de sangue e zaragota bucal e seja realizada perícia de investigação biológica de paternidade, pelo serviço de genética e biologia forense do Instituto de Medicina Legal».
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Citado, o R. apresentou contestação, invocando a exceção perentória da caducidade do direito da A., e, por impugnação, afirmando nunca ter ocorrido qualquer relação sexual de cópula completa entre o R. e a mãe da A., bem como nunca ter tido quaisquer atitudes de pai para com a A..
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A A. replicou quanto à matéria da exceção, sustentando a imprescritibilidade do direito a investigar a sua paternidade.
Conclui pela improcedência da exceção de caducidade.
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Admitida a realização de exame pericial, o R. nunca compareceu, e, tendo sido determinada a deslocação do Instituto de Medicina Legal à residência do R., o mesmo, por requerimento de fls. 97-98, veio recusar submeter-se a tal exame.
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Perante a recusa do R., a fls. 99, foi proferido o seguinte despacho: «Tal declaração por parte do R será devidamente tida em conta a seu tempo».
5.1.
E, no ulterior desenvolvimento dos autos, a fls. 225/229, foi proferido despacho que conclui da forma seguinte: «(…) Diferente é a cominação prevista no art. 344º, nº 2 do Código Civil.
Na verdade, a prática pela força de um acto médico como é o de recolha de sangue para realização dos exames necessários é incompatível com o direito constitucionalmente consagrado à integridade física (cf. Artigo 25º da CRP e Acórdão do Tribunal Constitucional nº 616/98, DR. II série, de 17/3/99). Opta-se antes por considerar que a recusa ilegítima na efectivação do exame implicará, deste modo, para o réu o ónus de demonstrar que não é o pai biológico da investigante, invertendo-se o ónus da prova a cargo da autora (neste sentido, cf. Carlos Lopes do Rego, RMP nº58, p.171). E há que fazer tal cominação que se encontra em falta! Assim, tendo em conta os considerandos acima tecidos, notifique o Réu do presente despacho bem como para as consequências legais no que respeita ao ónus da prova (vejam-se neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 23.10.2007, da Relação do Porto de 04.07.2001 e 25.11.2004, e o recente Ac. da Relação de Guimarães de 24.04.2014, in www.dgsi.pt).
Notifique.
» 6.
Findos os articulados, foi proferido despacho a convidar a A. a aperfeiçoar a petição inicial, «aduzindo factos integradores de algumas daquelas estatuições legais (artigo 1817º, nº 3, alíneas a) a c) do Código Civil)».
6.1.
No acatamento do convite formulado, a A. procedeu ao aperfeiçoamento da petição inicial.
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Foi proferido despacho saneador, em que se relegou o conhecimento da exceção de caducidade para final, sendo, de seguida, selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória 8. Realizado o julgamento, foi proferida sentença final, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito à ação, absolvendo o R. do pedido de investigação da paternidade formulado nestes autos pela A..
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Não se conformando com esta decisão, a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ….
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O Tribunal da Relação de …, julgando improcedente a apelação (designadamente, quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto), confirmou, integralmente, a decisão recorrida.
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Mais uma vez inconformada, a A. / Apelante veio interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, conforme o acórdão de fls., proferido pela formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do indicado normativo.
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A A. / Recorrente apresentou alegações, em que formula as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. Embora o Acórdão recorrido, da Relação de …, tenha confirmado a decisão proferida na 1ª instância, o presente recurso é admissível, nos termos do previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, já que, os interesses em causa no presente processo são de particular relevância social.
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A certeza da filiação, ou seja, o direito de ser pai ou ter a certeza da sua paternidade tem uma relevância social incomensurável, já que, resulta de tal certeza do direito uma infinidade de demais direitos conexos, quais sejam as relações patrimoniais.
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Em causa estão interesses que assumem importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designada mente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão suscetível de afetar um grande número de pessoas. A presente questão extravasa as próprias fronteiras do concreto processo e interessa à sociedade em geral.
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No que respeita à relevância jurídica desta questão, a existência de prazos de caducidade nas ações de investigação da paternidade, a mesma prende-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e na jurisprudência.
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Assim, a apreciação desta questão concreta pelo Supremo Tribunal de Justiça tem em vista a obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial.
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Pelo que, tendo em vista uma melhor aplicação do direito, a qual é claramente necessária, também se justifica a interposição desta revista excecional.
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Acresce ainda que, o presente Acórdão da Relação de … está em contradição com vários outros Acórdãos, quer proferidos pela Relação, em especial pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 de setembro 2011, processo n.º 1167/10.5TBPTL.S1, 1ª Secção, votado por unanimidade, e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2012, processo nº 193/09.1TBPTL.G1.S1, votado também por unanimidade, transitados em julgado, conforme cópia dos mesmos e cuja certidão se protesta juntar.
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No Supremo Tribunal de Justiça é clara tendência para considerar como contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício de ação desta natureza.
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Assim, não restam dúvidas, face ao ora alegado, do direito da Recorrente apresentar o presente recurso de revista excecional, direito inalienável e que não lhe pode ser retirado, até porque retirar-lhe tal direito, por força da caducidade que se encontra plasmada na sentença recorrida, é claramente injustificado, face aos valores da filiação que estão em causa nos presentes autos, os quais foram negados à ora Apelante, pela sentença de que se recorre.
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Contrariamente à douta posição sufragada, entende a Apelante que ficou amplamente provado que o Réu sempre tratou a Autora como sendo sua filha. E que a mesma era reputada como tal também pelo público em geral.
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Ora o tratamento como filha cessou quando o Réu, atenta a sua idade avançada e debilidade física, deixou de viver sozinho e começou a fazer-se constantemente acompanhar por familiares.
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À luz do quadro vigente, a pretensão da A. cabe perfeitamente no disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 1817º do CC, tendo ficado amplamente provado a cessação de tratamento como filha, por parte do R e, no ano de 2012, estava ainda em prazo para intentar a presente ação.
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E, mais como determina o n.º 4 da citada disposição legal, "nos casos referidos na al. b) do número anterior, incumbe ao R. a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação".
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Ora, uma vez mais, a prova do R. quanto a esta questão foi completamente inexistente. Em contrapartida, a A. logrou provar a cessação desse tratamento.
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No que toca à prova da filiação biológica, o Tribunal da Relação alicerçou a sua posição num facto manifestamente equivocado.
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Isto porque resulta efetivamente claro a inversão de ónus de prova. E não no despacho de fls. 99, o qual foi posteriormente aperfeiçoado pela Mma. Juíza da 1ª Instância, no seu despacho de fls._, referência 137709321.
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Assim, a recusa do réu, tornando impossível a prova do vínculo parental, determinou a inversão do ónus da prova, nos termos dos...
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