Acórdão nº 94/15.4JASTB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, [...], com última residência antes de preso em [...], foi julgado em processo comum e por tribunal coletivo, na Comarca de ..., Instância Central, Secção Cível e Criminal, Juiz..., e condenado em acórdão de 8/3/2016 pela prática de um crime de homicídio simples agravado, p. e p. pelos arts. 131.º do CP e 86.º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 14 anos de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, nº 1, al. c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, daquela Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 anos de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão.

Insatisfeito, recorreu para o STJ da medida das penas aplicadas, pelo que cumpre conhecer.

A - FACTOS Deram-se por provados os seguintes factos: "1.1. O arguido AA morava com o seu irmão BB há cerca de um ano, desde o Verão de 2014, numa casa de habitação já bastante degradada e sem as mínimas condições de habitabilidade sita em ..., a qual possui uma pequena divisão usada como sala de estar, outras duas divisões usadas como quartos, um compartimento que serve de cozinha e um outro usado para arrumos.

1.2. Em data não concretamente apurada mas próxima do dia 17-06-2015, o arguido foi buscar ao quarto de dormir do seu irmão a espingarda caçadeira, com canos justapostos, de calibre 12, de marca e modelo não referenciados, com o número de série 42674, introduziu-lhe dois cartuchos que também ali encontrou e guardou-a no seu quarto.

1.3. No dia 17-06-2015, em hora não concretamente apurada mas entre as 07h00 e as 09h30, BB ausentou-se por momentos daquela habitação para ir ver as vacas, ficando o arguido deitado.

1.4. Quando aquele já se encontrava em casa, o arguido saiu do seu quarto, foi ao encontro do irmão, na sala, e a uma distância não inferior a 1,50 metros nem superior a 3 metros, empunhou aquela arma e, sem que nada o fizesse prever nem lhe dando qualquer possibilidade de reacção, disparou 1 (um) tiro contra o peito do BB, atingindo-o na região frontal do externo, tendo o projéctil saído pela região escapular esquerda.

1.5. O BB caiu por terra, ficando deitado no chão, ao lado do sofá, em posição de decúbito dorsal.

1.6. O disparo efectuado pelo arguido causou ao BB as lesões traumáticas do tórax melhor descritas nos exames do hábito externo e interno constantes do relatório da autópsia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente, «ferida perfuro-contundente transfixiva do hemitórax esquerdo com perfuração da grelha costal ao nível dos 3.º, 4.º e 5.º arcos costais anteriores e posteriores esquerdos bem como do ventrículo esquerdo, lobo superior do pulmão e músculos esquerdos», que directa e necessariamente lhe provocaram a morte.

1.7. Após ter efectuado o disparo sobre o BB, o arguido saiu para a rua e abandonou o local a pé, caminhou cerca de 700 metros por uma estrada de terra batida até à extrema da propriedade, aí largou a espingarda caçadeira, mesmo junto ao portão de entrada da mesma, vindo logo a seguir a ser interceptado pelos militares da GNR a cerca de 1 Km desse local, já na Estrada Nacional n.º 502.

1.8. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente com o propósito de matar o seu irmão BB para tanto munindo-se da espingarda caçadeira que fora buscar ao quarto do irmão e que havia previamente municiado, a qual empunhou e disparou contra o peito do BB.

1.9. O arguido conhecia as características de arma de fogo daquela espingarda e que a mesma se encontrava devidamente municiada (por si) e em condições de efectuar disparos, bem sabendo que ao disparar contra uma zona vital – como é o peito – do BB atentava contra a vida deste, tendo representado a sua morte como consequência directa e necessária da sua conduta, o que quis e conseguiu.

1.10. Sabia ainda o arguido que ao disparar a espingarda caçadeira contra o BB, mal este entrou em casa e a curta distância não lhe dava qualquer possibilidade de reacção ou fuga.

1.11. O arguido embora tivesse perfeito conhecimento de que tal conduta lhe era proibida por lei, não se absteve de a prosseguir, revelando um total desrespeito pelo valor máximo da vida humana.

1.12. O arguido sabia ainda que não era, ele próprio, titular de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse o uso e porte daquela arma ou sequer a sua detenção no domicílio, bem sabendo que lhe era proibida a sua detenção ou guarda e mais que tudo o seu uso, mas apesar disso tinha-a consigo e utilizou-a naquele dia para assassinar o seu próprio irmão.

1.13. O arguido actuou, pois, de forma livre, voluntária e consciente, com perfeito conhecimento de que tal conduta lhe era proibida por lei e, apesar disso, não se absteve de a prosseguir.

Mais se provou: 1.14. Elaborado relatório social pelos serviços da DGRSP, do mesmo consta: I - Condições sociais e pessoais AA encontra-se preso, preventivamente, no Estabelecimento Prisional de ..., desde Junho do ano transato, à ordem dos presentes autos.

À data da prática dos factos de que se encontra acusado, o arguido residia, havia cerca de um ano, com o irmão BB, vítima mortal no atual processo. AA apenas terá tido contactos muito esporádicos com este elemento da fratria, uma vez que este havia concretizado fuga da casa dos pais, na idade da frequência escolar, e, o próprio, permaneceu por longo tempo em Lisboa.

Natural de ..., AA integrou um agregado familiar numeroso, constituindo-se o penúltimo elemento, por ordem de nascimento, de uma fratria de sete. A família detinha uma modesta condição sócio económica habitando em monte, propriedade do empregador dos pais. O progenitor era pastor e a mãe trabalhadora rural. Completou a instrução primária em ..., após o que passou a ajudar o pai na pastorícia. Com cerca de 15 anos foi para Lisboa, para casa de uma das irmãs, tendo começado a trabalhar na construção civil, como servente, e, em fábrica de poliéster, que veio a fechar passado algum tempo. Retornou profissionalmente à área da construção civil, especializando-se como eletricista, profissão que exerceu por quase duas décadas, tendo trabalhado em ..., por dois períodos, em ..., em substituição de curta duração de um colega e ainda em ..., cerca de dois anos, sempre em firmas portuguesas que, por vezes, efetuavam empreitadas no estrangeiro. Com cerca de 40 anos estabeleceu-se por sua conta como eletricista. As dificuldades com que se deparou, nomeadamente o decréscimo de rendimentos, provocaram-lhe instabilidade pessoal e familiar e são apontadas como despoletantes de um percurso aditivo alcoólico que passou a caracterizar o seu dia-a-dia. Paralelamente, a união conjugal, da qual tem uma filha, actualmente com cerca de 30 anos, desfez-se.

Refere ter concretizado um internamento para desintoxicação alcoólica, em Lisboa.

Em termos laborais passou a efetuar alguns biscates até que, quase aos 50 anos, sem habitação e sem recursos, regressou a ... à casa da progenitora, com a qual residiu, cerca de 2 anos, até ao seu falecimento. Após o regresso ao ..., AA não voltou a ter contacto com a família que constituiu. Saiu da casa de morada da família, cerca de um ano após o falecimento da progenitora, devido à aquisição do imóvel por um dos irmãos, estabelecendo-se por algum tempo, em ....

Sem ocupação laboral de que se sustentasse, passou a auferir RSI – Rendimento Social de Inserção, cuja concessão cessou por incumprimento de obrigações – falta de comparência a entrevista. Desde então e até ao verão de 2014, o arguido vivenciou situação de sem-abrigo, tendo sido acolhido na instituição “...” de ..., onde se terá mantido durante 1 ou 2 anos, segundo nos referiu. Posteriormente, beneficiou de apoio da instituição “...”, tendo circulado entre diversas localidades onde a referida instituição mantém espaços de acolhimento. Solicitou saída para visitar a família, nomeadamente o irmão BB, tendo passado a residir com o mesmo.

Voltou a solicitar apoio social, RSI, o qual lhe foi concedido, situação que perdurou até deixar de frequentar ação de formação, em ..., por dificuldades económicas em fazer face às deslocações.

No enquadramento familiar do irmão, o arguido retomou o consumo de bebidas alcoólicas, que partilhava com o BB, consumos que vieram a acentuar-se até à altura da sua prisão.

Mantém um adequado enquadramento institucional.

AA afirma-se perplexo com os factos que assume ter praticado, porquanto nunca se terá verificado qualquer discussão ou desavença entre si e o irmão. Aparenta encontrar-se calmo e consciente das eventuais repercussões penais. Durante as entrevistas que mantivemos o arguido não demonstrou qualquer emoção relativamente ao ocorrido.

II – Conclusão Perante o exposto, e face aos elementos colhidos junto do arguido, concluímos que AA, não obstante percurso sócio familiar ajustado e laboralmente equilibrado em parte significativa da sua vida ativa, não se demonstrou capacitado, face a desequilíbrio financeiro por que passou, de reajustamento a essa nova realidade, cedendo à instabilidade pessoal e familiar através de consumos alcoólicos, os quais passaram a marcar o seu ritmo de vida. Afastado de todos os familiares que poderiam ser significativos para si, encontrou na progenitora, porto de abrigo, contudo insuficiente para reiniciar um processo auto construtivo. A vivência junto do irmão, após período de abstinência alcoólica, enquanto utente da Associação ..., reaproximou-o dos consumos aditivos, determinando-lhe perda anímica face à necessidade de providenciar atividade laboral e subsequente autonomia económica, tendo em atenção o seu nível etário – 54/55 anos de idade. Temos dificuldade em percecionar os sentimentos de AA face ao atual processo, nomeadamente a impassibilidade que demonstra face ao ocorrido. Porém, a provarem-se os factos de que se encontra acusado e sendo-lhe assacada culpa na sua atuação, afigura-se-nos constituir factor de risco a personalidade frágil e aditiva do arguido...

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