Acórdão nº 237/14.5T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Em 24 de setembro de 2014, o autor AA, com o benefício do Apoio Judiciário, propôs na Comarca do Porto – Matosinhos – Instância Central – 3ª Secção do Trabalho – J3, a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – S................., Unipessoal, Lda.”, pedindo, a final, que fosse declarado que o contrato que celebrou com a Ré era um contrato individual de trabalho, que fosse declarada ilícita a sua cessação promovida pela Ré, e que esta fosse condenada a pagar-‑lhe a quantia global de € 81.103,62, relativa a créditos, diferenças salariais e indemnização por despedimento ilícito.

Alegou, em síntese, que celebrara, em março de 2002, um contrato denominado de prestação de serviço com a antecessora da Ré, “CC, Sucursal de Portugal”, para desempenhar as funções próprias de Inspetor, sob as ordens e fiscalização desta, das funções próprias de Inspetor Pré-Embarque, e mediante retribuição que variava conforme o número de inspeções realizadas.

Mais articulou que tal exercício de funções se manteve com a Ré e se prolongou até setembro de 2013 e que dos termos do contrato e do concreto modo de execução das suas funções, resulta que o contrato celebrado e existente entre ambos se carateriza como um verdadeiro contrato de trabalho e não como um contrato de prestação de serviço.

Também alegou que, durante a sua vigência, a Ré não lhe pagou as quantias, constantes da petição inicial, relativas a subsídio de férias e de Natal e que fê-lo cessar sem precedência de procedimento disciplinar e sem justa causa.

A Ré contestou, impugnando a factualidade alegada, e invocou que o Autor exerceu as funções de Inspetor como profissional independente porque nunca teve sobre ele quaisquer poderes de direção ou de fiscalização.

Realizou-se audiência preliminar na qual se verificou a regularidade da instância e se procedeu à fixação da matéria fáctica assente e da matéria controvertida, fixando-se o valor da ação em € 81.103,62.

Procedeu-se à audiência de julgamento e à leitura da matéria de facto provada e não provada e da respetiva motivação.

Em 26 de agosto de 2015, foi proferida sentença, na qual se julgou a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente se absolveu a ré “BB – S................., Unipessoal” dos pedidos formulados pelo Autor.

Para o efeito, concluiu-se, como fundamento para a decisão tomada, que o Autor não era trabalhador subordinado da ré, na medida em que não se tinha provado que, no desempenho da atividade de Inspetor, estava o autor submetido a ordens e a instruções da Ré.

II Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 14 de março concedeu-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, que foi substituída pela seguinte decisão: Declara que: 1) O contrato que vinculou as partes foi um contrato de trabalho; 2) O despedimento do Autor foi ilícito.

Condena a Ré a pagar ao Autor: 3) A indemnização de antiguidade de € 6.539,06 (seis mil e quinhentos e trinta e nove euros e seis cêntimos); 4) As retribuições vencidas desde 24.8.2014 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, calculadas à razão de € 1.188,92 (mil cento e oitenta e oito euros e noventa e dois cêntimos) e a apurar em liquidação do presente acórdão após dedução de eventuais subsídios de desemprego auferidos; 5) Os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal devidos pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato, no valor de € 3.566,76 (três mil e quinhentos e sessenta e seis euros e setenta e seis cêntimos); 6) O valor de €18.225,50 (dezoito mil e duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de subsídios de Natal não pagos; 7) Juros de mora à taxa legal em cada momento em vigor e até integral pagamento, e contados desde a data do presente acórdão no que toca à indemnização por despedimento, desde a data da liquidação das retribuições intercalares, desde a data do despedimento relativamente aos proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal, e desde a data de vencimento de cada subsídio de Natal em cada um dos anos em que o mesmo não foi pago (2003 a 2012 inclusive), com o limite da soma de juros moratórios calculados à razão de €1.822,55 (mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) em cada um desses anos. Inconformada com esta decisão ficou, agora, a Ré que dela interpôs o presente revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que se revogue o acórdão recorrido, que se reconheça que o contrato que celebrado com o Autor era um contrato de prestação de serviço, com todas as consequências legais daí advindas.

No recurso a Ré formulou as seguintes conclusões: 1. “Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Apelante, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que declara que o contrato que vinculou as partes foi um contrato de trabalho, e em consequência ilícito o despedimento do Autor, e que condena a Ré a pagar-lhe determinadas quantias devidas em função da cessação do contrato.

  1. Considerou, o Tribunal da Relação do Porto, no seu douto acórdão para fundamentar a sua decisão que: a. "A transmissão de ordens e instruções de execução de funções de autoria alheia ao empregador, mas essencial à prossecução da sua atividade lucrativa mediante tal execução de funções e o cumprimento dessas ordens e instruções, não autoriza que se considere que inexiste subordinação jurídica".

    b"O estabelecimento de uma cláusula de exclusividade, impedindo o alegado prestador de serviços de desenvolver qualquer outra atividade remunerada, por conta própria ou alheia, mesmo que não em concorrência, conjugado com o facto do exercício de funções ocupar o prestador a tempo inteiro, constitui um indício muito relevante para a qualificação, na medida em que exclui qualquer outra possibilidade da força de trabalho beneficiar da proteção laboral, do mesmo passo que revela uma dependência económica absoluta do alegado prestador que se torna num elemento particularmente relevante da qualificação jurídica," 3. Ora, não poderá o Recorrente concordar com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto face à matéria de facto considerada como provada e aos elementos probatórios juntos ao processo, nem pode aceitar a interpretação dada por aquele douto Tribunal às normas aplicáveis a este caso concreto, para mais quando existiu já um Acórdão de um Tribunal da Relação que versou sobre um contrato celebrado entre a ora R. e uma outra sua inspetora, que também exercia a atividade de inspeção de pré-embarque nos precisos moldes que o ora A., que se pronunciou sobre esta matéria num sentido precisamente oposto (Tribunal da Relação de Coimbra – 6ª Secção - Apelação 422/11.1T4AVR.C1, junto como documento 19 da Contestação).

  2. Tribunal da Relação de Coimbra, sobre uma situação semelhante, coloca em causa o princípio da confiança no sistema judicial e mostra-se de particular relevância a uniformização da interpretação dada às normas aplicáveis a este caso concreto.

  3. Conforme consta da matéria de facto dada como provada: 5. Em Março de 2002 foi o A. admitido ao serviço da sociedade "CC", pessoa coletivo n.º 000000000, para exercer funções de Inspetor de Pré-Embarque (...): "11. No desempenho das funções de inspetor, o A. fazia inspeções de pré-embarque em empresas exportadoras (...)".

    "22. O relatório de inspeção, que era o único documento preenchido pelo A. e que constitua o produto da sua atividade, era preenchido de acordo com o que era constatado visualmente pelo A. e de acordo com o imposto pela Legislação Angolana".

  4. Saliente-se que a documentação junta ao processo designadamente o Decreto-Lei nºs 41/06, de 17 de Junho, o Decreto Executivo n.º 124/06, de 11 de Setembro e o Despacho 192/02, de 9 de Agosto, assim como as várias circulares que foram juntas aos autos, como documentos 03 a 13 da Contestação, regulam a atividade de Inspeção de pré-embarque.

  5. Ora inevitavelmente, ao assumir o A. a realização de inspeções de pré-embarque, tinha de conhecer e aplicar a legislação relativa à atividade por ele exercida, sendo certo que "esta realidade fortemente regulamentada por parte das autoridades administrativas dos países importadores, mormente o Estado Angolano, na prática, traduz-se na sujeição do Autor, no desempenho da sua atividade, a procedimentos e regras fixadas pelo Estado Angolano e não instruções diretas emitidas pela R".

  6. Por outro lado, saliente-se que o já referido Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6.ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013) foi inequívoco no sentido de considerar o contrato celebrado entre as partes como sendo um verdadeiro contrato de prestação de serviços, conforme doc. 19 da Contestação, salientando que "no âmbito do concreto desempenho da atividade de inspeção, a autora estava sujeita a procedimentos e regras fixadas pelo Estado de Angola (...) não estando sujeita nesse âmbito a instruções diretas da segunda Ré, como seria normal acontecer se estivesse em causa uma relação de trabalho subordinada." 9. Quanto à cláusula de exclusividade, referida no ponto 6 da matéria dada como provada, cumpre-nos salientar que, conforme resulta do suporte da convicção do Tribunal de 1ª Instância que "a testemunha DD (...) referiu que a Ré tinha inspetores que exerciam outras atividades e que apenas tinham de comunicar quando tinham disponibilidade para trabalhar”.

  7. .Não podemos também de deixar de chamar à colação o entendimento do já referido Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª - do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), que sobre a supramencionada cláusula de exclusividade referida no ponto 6 da...

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