Acórdão nº 296/07.7TBMCN.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2017
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 23 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.), beneficiando de apoio judiciário (fls. 10), instaurou, em 08/03/2007, junto do então designado Tribunal Judicial de …, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB (1.º R.), entretanto falecido e ora representado pelas habilitadas CC, DD, EE e FF, e contra a Santa Casa da Misericórdia do …. (2.ª R), alegando, no essencial, que: .
Em meados de 2001, foi detetada à A. uma lesão na cabeça femoral direita, tendo sido encaminhada para os serviços de ortopedia da 2.ª R., onde foi consultada várias vezes pelo 1.º R. Dr. BB, médico ortopedista, contra o pagamento de honorários à 2.ª R., quase sempre de 6.500$00; .
Foi-lhe detetada uma “osteonecrose” numa fase precoce da cabeça femoral direita, tendo, em consequência e por ordem e sugestão do Dr. BB, sido sujeita a intervenção cirúrgica em 03/09/2001, num ato cirúrgico que é tido em meios médicos como muito simples e sem riscos.
.
O mau uso das técnicas cirúrgicas empregues - uma técnica denominada “mielectomia”, muito pouco usada já ao tempo por os resultados não serem muito eficazes – teve como consequência a paralisia do ciático da A., à direita, em virtude da qual passou a ter dores intensas; .
Sem aparente solução, foi a A. assistida, ao longo dos três anos subsequentes ao ato cirúrgico pelo 1.º R. e pelos serviços clínicos da 2.ª R.; .
Ao fim de três anos de total sofrimento, a A. foi aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica destinada a corrigir todas as consequências do ato cirúrgico anterior; .
Em 22/03/2004, a A. foi sujeita a outra intervenção cirúrgica, agora com implantação de prótese total da anca direita, tendo tido alta hospitalar em 27/03/2004; .
Em consequência desse ato, a A. ficou totalmente incapacitada, andando agora com extrema dificuldade, só de canadianas, e ficando totalmente incapacitada para o trabalho, sem nada pode executar, não conseguindo fazer o que quer que seja na vida de casa, como cozinhar, brunir, lavar ou fazer as camas; .
O limite da perna intervencionada ficou com mais 3,5 cm, apresentando um atrofiamento do membro inferior direito, à custa da prótese da anca, de 3,5 cm, tendo o pé direito ficado sem movimentos, não conseguindo levantar a perna direita, não podendo dormir para o lado direito, não conseguindo sair de casa sozinha, não sendo capaz de se calçar sozinha, nem podendo nada ou quase nada fazer, passando a vida de casa a ser feita pelo marido e filho; .
A A., em 2004, tinha 48 anos de idade e executava todas as tarefas da casa e ainda prestava o trabalho como empregada doméstica, auferindo então € 2,49 à hora, trabalhando por mês 80 horas, auferindo € 199,20 por mês; .
Por ter sofrido incapacidade total para o trabalho, deve ser indemnizada na importância de € 150.000,00 e compensada, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 75.000,00; .
Em consultas médicas a A. pagou à 2.ª R. € 545,00 e em fisioterapia despendeu € 250,00.
.
O 1.º R. não usou os conhecimentos científicos então existentes, mas antes técnicas cirúrgicas erradas, sendo os serviços prestados nas instalações da 2.ª R. contra o pagamento de um preço, pelo que são ambos responsáveis solidariamente pelos prejuízos causados à A..
Concluiu a A. a pedir que os R.R. fossem condenados a pagar-lhe uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no total de € 225.795,00, acrescido de juros de mora desde a citação.
-
O 1.º R. apresentou contestação-reconvenção, em que, além de arguir a sua ilegitimidade, a incompatibilidade entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual que lhe foram imputadas e a prescrição do direito peticionado, impugnou os factos aduzidos pela A. e sustentou, no que aqui releva, que: .
Observou, no caso, as leges artis a que estava obrigado; .
Explicou à A. os riscos associados à sua particular situação, antes de cada uma das operações, tendo aquela dado o seu consentimento informado para ambas as operações, assinando os correspondentes termos de responsabilidade; .
Só devido a fatores pessoais atinentes à própria A. é que “os resultados não foram tão excelentes, por se tratar de uma pessoa marcadamente obesa, hipertensa e com tendência para artroses; Concluiu pela sua absolvição da instância ou pela improcedência da ação e pede, por sua vez, que a A. seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no que se vier a liquidar ulteriormente e ainda como litigante de má-fé.
-
A 2.ª R., Santa Casa da Misericórdia do …, também apresentou contestação, na qual invocou quer a sua ilegitimidade quer a prescrição do direito peticionado e impugnou os factos alegados pela A., sustentando que foram observadas leges artis e que quem agiu culposamente foi a demandante e concluindo pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente do pedido.
-
A 2.ª R.
requereu ainda a intervenção principal da Companhia de Seguros GG, S.A.
, para quem tinha transferida a responsabilidade civil decorrente da sua atividade de prestação de serviços médico-cirúrgicos, intervenção que foi admitida, conforme despacho de fls. 102-103, do qual a chamada interpôs agravo que foi recebido com subida diferida.
-
A mesma Interveniente apresentou contestação, em que sustentou que a sua intervenção adequada seria a título acessório, invocando ainda a prescrição do direito peticionado e concluindo pela sua absolvição do pedido. 6.
A A. deduziu réplicas, separadamente em relação a cada uma das contestações, reiterando o petitório e pugnando pela improcedência da pretensão reconvencional do 1.º R..
-
Por seu lado, a 2.ª R. veio sustentar que a prescrição não se verificava quanto à Interveniente, na medida em que respondesse pela segurada.
-
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, em que foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade invocadas pelos 1.º e 2.ª R.R., inadmissível a reconvenção deduzida pelo 1.º R., bem como a exceção de incompatibilidade entre responsabilidade contratual e extracontratual pelo mesmo suscitada, e ainda as exceções de prescrição, sendo depois selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.
-
Tendo falecido o 1.º R. em 30/11/2012, foram habilitadas a representá-lo o cônjuge sobrevivo CC e as suas filhas DD, EE e FF.
-
Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 852-961 (Vol. 3.º), em 12/11/2015, na qual foi inserida a decisão de facto e respetiva motivação, a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo: a) – Condenar a Interveniente HH - Companhia de Seguros, S.A., a pagar à A. a quantia de € 186.849,40, acrescida de juros de mora a contar daquela data e de juros de mora sobre a quantia de € 795,00, desde a citação; b) - Absolver a mesma Interveniente do mais contra ela peticionado; c) – Considerar, em consequência do decidido em a), prejudicado o pedido relativamente aos 1.º R. e 2.ª R..
-
Inconformada com tal decisão, a Interveniente HH, S.A., interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, com impugnação em sede de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 1119-1182, datado de 30/05/2016, em que se decidiu: a) - Dar provimento ao agravo retido, interposto do despacho que admitiu a intervenção principal provocada da Interveniente, revogando tal decisão e admitindo esta Interveniente como parte acessória; b) – Julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, também parcialmente procedente a ação, condenando-se as “Rés habilitadas EE, FF e DD” e a Santa Casa da Misericórdia de … a pagarem à A. a quantia de € 126.849,40, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de € 126.054,40”, desde aquela data, e sobre a parcela de € 795,00 desde a citação.
-
Desta feita, tanto a A. como as habilitadas em representação do 1.º R. e a 2.ª R. vieram pedir revista, em que: 12.1. A A. AA formulou as seguintes conclusões: 1.ª - Atenta a matéria dada como provada e definitivamente fixada, a A., era jovem e saudável, sendo que hoje não trabalha nem o pode fazer, ou seja tem total incapacidade para o trabalho; 2.ª - A A. não consegue calçar-se, não consegue andar que não seja com o apoio de canadianas, não consegue brunir, não consegue sair de casa sozinha, é e considera-se uma inválida; 3.ª - Perante este quadro, será mais equilibrada a quantia fixada em 1.ª Instância de € 100.000,00, por justa, equitativa e proporcional; 4.ª - Tal o exige a jurisprudência para casos similares e também o art.º 496.º do CC; 5.ª – O acórdão recorrido não valorou nem a jurisprudência, quanto a casos similares, não atendeu aos valores em causa e à gravidade dos mesmos e assim também violou o que dispõe o art.º 496.º do CC; 6.ª - Deve ser revogado aquele acórdão e, no que concerne à fixação de € 40.000,00 para indemnização dos danos não patrimoniais, mantendo-se o fixado na sentença da 1.ª instância.
12.2.
Por seu turno, as habilitadas em representação do 1.º R.
formularam as seguintes conclusões: 1.ª – Por contrato verbal, celebrado entre a A. e a 2.ª R. esta obrigou-se a fazer àquela, pelo preço entre ambas acordado, as duas intervenções cirúrgicas que foram precedidas de consultas da especialidade de ortopedia; 2.ª – A A. pagou à 2.ª R. ambas as cirurgias, tal como as referidas consultas; 3.ª – A 2.ª R., por causa de tais cirurgias, procedeu ao internamento da A. no seu hospital, disponibilizando-lhe a sala de operações, toda uma equipa chefiada pelo Dr. BB, instrumentos e produtos cirúrgicos; 4.ª – A A. nada pagou pelas aludidas consultas e cirurgias ao 1.º R., o qual sempre foi pago, por essas prestações, pela 2.º R.; 5.ª – Alegando ter havido erro médico em ambas as cirurgias, a A. veio a demandar aquele 1.º R., entretanto falecido e ora representado pelas habilitadas, e a 2.ª R.; 6.ª – A 1.ª instância absolveu as habilitadas do pedido, condenando, em substituição da 2.ª R. a respetiva seguradora Interveniente; 7.ª - Esta, entendendo ser apenas parte...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 7053/12.7TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018
...(cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2016 (proc. nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1) e de 23/03/2017 (proc. nº 296/07.7TBMCN.P1.S1), in www.dgsi.pt, ambos relativos a casos, em que em intervenções cirúrgicas ao fémur, ocorreu uma lesão do nervo ciático), caberá ao p......
-
Acórdão nº 00118/10.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021
...científico e o desenvolvimento da arte médica, a prestar o tratamento médico adequado ao doente Ac. STJ. De 23/03/2017, Proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1, in base de dados da Como ensina Almeida Costa, “as obrigações de meios” são aquelas em que o devedor se compromete a desenvolver, prudente e dil......
-
Acórdão nº 765/16.8T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020
...e inequivocamente, os Acs. do STJ de 24/4/2016, processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, Rel. SILVA SALAZAR, e de 23/3/2017, processo n.º 296/07.7TBMCN.P1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in Na doutrina, em geral e por todos, MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil. Responsabilidade civil. O método do caso, ......
-
Acórdão nº 00029/15.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023
...científico e o desenvolvimento da arte médica, a prestar o tratamento médico adequado ao doente Ac. STJ. De 23/03/2017, Proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1, in base de dados da DGSI.. Como ensina Almeida Costa- in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., Almedina, pág. 1039-, “as obrigações de meios” são a......
-
Acórdão nº 7053/12.7TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018
...(cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2016 (proc. nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1) e de 23/03/2017 (proc. nº 296/07.7TBMCN.P1.S1), in www.dgsi.pt, ambos relativos a casos, em que em intervenções cirúrgicas ao fémur, ocorreu uma lesão do nervo ciático), caberá ao p......
-
Acórdão nº 00118/10.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021
...científico e o desenvolvimento da arte médica, a prestar o tratamento médico adequado ao doente Ac. STJ. De 23/03/2017, Proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1, in base de dados da Como ensina Almeida Costa, “as obrigações de meios” são aquelas em que o devedor se compromete a desenvolver, prudente e dil......
-
Acórdão nº 765/16.8T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020
...e inequivocamente, os Acs. do STJ de 24/4/2016, processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, Rel. SILVA SALAZAR, e de 23/3/2017, processo n.º 296/07.7TBMCN.P1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in Na doutrina, em geral e por todos, MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil. Responsabilidade civil. O método do caso, ......
-
Acórdão nº 00029/15.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023
...científico e o desenvolvimento da arte médica, a prestar o tratamento médico adequado ao doente Ac. STJ. De 23/03/2017, Proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1, in base de dados da DGSI.. Como ensina Almeida Costa- in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., Almedina, pág. 1039-, “as obrigações de meios” são a......