Acórdão nº 98/15.7JAGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução15 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

Pela Comarca da ... – Instância Central da ..., Secção Cível e Criminal – ..., sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos: AA, [...], e BB, [...] , imputando-se-lhes a prática de factos, pelos quais o arguido teria cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alíneas e) e h), do Código Penal e, a arguida teria cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P. –, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 24 de Fevereiro de 2016, decidiu julgar a acusação e os pedidos de indemnização civil deduzidos totalmente improcedentes e, em consequência: - absolver a arguida BB da acusação da prática de um crime de ofensa à integridade física simples de que estava acusada.

- absolver o arguido AA da acusação da prática de um crime de homicídio qualificado de que vinha acusado.

- declarar que o arguido AA praticou factos típicos e ilícitos subsumíveis ao crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, é inimputável, em razão de anomalia psíquica, e socialmente perigoso; - sujeitar o arguido AA à medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado à sua cura, tratamento e segurança, com a duração mínima de 3 (três) anos, até que cesse o seu estado de perigosidade social, medida esta que deve ser revista nos termos legais e com a duração máxima de 16 anos (dezasseis anos); e - absolver os demandados dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos.

2.

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando as seguintes questões: - que não é socialmente perigoso, pelo que não há razão para ser ordenado o seu internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança; e, - caso se entenda manter a decisão de internamento, se estão verificados os pressupostos que que impõem a suspensão da execução do internamento.

3.

Por acórdão proferido em 23-08-2016, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso.

4.

Desse acórdão vem interposto o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes: «Conclusões [[1]]:

  1. Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou o – também douto – acórdão do Tribunal de 1ª Instância, concluindo, pois, ser o arguido socialmente perigoso, sujeitando-o à medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado à sua cura, tratamento e segurança, com a duração mínima de três anos, até que cesse o seu estado de perigosidade social; B) Por razões de economia e simplificação processuais, dão-se aqui por reproduzidas os factos provados e não provados enumerados, respectivamente, em 2. e 3. Supra; C) O recorrente discorda, fundamentalmente, das respostas do Tribunal da Relação de Coimbra à questão da invocada perigosidade social e consequente aplicabilidade da medida de segurança de internamento e à questão da verificação dos pressupostos que impõem a suspensão da execução de tal internamento; D) Pelas razões indicadas em B) supra, dão-se também por reproduzidas as conclusões do, aliás douto, acórdão recorrido, plasmadas em 5. a 9. supra; E) Quanto à questão da perigosidade do arguido: nos presentes autos e salvo melhor opinião, o único facto concretamente demonstrado que poderia levar a concluir pela perigosidade do arguido é o que consta do ponto 32. dos Factos Provados (supra elencados), que refere que “O seu estado de saúde mental reclama o apoio e supervisão por parte de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o que não é de excluir o eventual envolvimento do arguido em outros factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos supra referidos” (negrito e sublinhado nossos); F) Não resulta deste Facto Provado que o arguido seja perigoso, antes prevendo (com base nas conclusões do relatório da perícia psiquiátrica médico-legal e nos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito que a realizou) que o mesmo tem é necessidade de ser acompanhado (como não vinha sendo) e eventualmente tratado a “alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional”; na verdade e G) O arguido apresenta uma deficiência mental ligeira, equivalente à categoria pedagógica “educável” e, com apoios adequados, pode viver normalmente na comunidade (vde. fls. 673), como de resto, sempre fez até aos acontecimentos discutidos nestes autos; H) O arguido, embora decretado interdito, com carácter definitivo, por anomalia psíquica (reportada à data do seu nascimento) e “não obstante as suas fragilidades pessoais, sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade” (Facto Provado nº 44.) – negrito e sublinhado nossos; I) O comportamento do arguido ocorreu num contexto excepcional, em que – como ficou provado – havia sido agredido e, sobretudo, quando a sua própria mãe – de quem era e é muito próximo – também fora agredida.

    J) Houve, da parte do arguido, uma reacção à conduta do falecido, embora não tenha o seu comportamento ocorrido num contexto de legítima defesa; K) Como o arguido/recorrente focou já no respectivo recurso da decisão de 1ª Instância, “O estado de perigosidade tem que resultar de verificação clinicamente reconhecida, não se tratando de uma mera perigosidade subjacente ao risco normal inerente ao arguido ou a outro cidadão qualquer na mesma situação, da sempre imprevisibilidade que poderá resultar de tais situações” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in www.dgsi.pt – Processo nº 44/07.1GABTC.P1); L) Apesar das suas limitações e do contexto familiar de alcoolismo do pai, mas sempre sob a supervisão e protecção da mãe (vde. relatórios sociais juntos aos autos), o arguido foi sempre capaz de viver bem integrado na comunidade, sem se envolver em situações violentas ou de conflito com quem quer que seja e sem cometer crimes (excepto o que consta do Facto Provado nº 46, que lhe valeu uma admoestação); M) O arguido não é socialmente perigoso; é pessoa pacata e pacífica, nunca tendo havido, antes dos factos ora em discussão, qualquer notícia de actos de violência ou agressividade da sua parte; N) O arguido não deve ser internado em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, designadamente porque não há razão demonstrada para recear que venha a cometer outros factos da mesma espécie; O) A actuação do arguido não foi causada pelas limitações de que padece, mas antes por causa das agressões de que foi vítima e sobretudo, por causa das agressões perpetradas pela vítima sobre a sua (do arguido) mãe; P) Deverá a decisão recorrida, na parte em que manda internar o arguido, ser revogada e substituída por outra que preveja a aplicação de medida de segurança a executar pelo arguido em liberdade, mas sempre sujeito ao cumprimento de regras de conduta, nomeadamente com sujeição a acompanhamento e tratamento apropriado à condição de que padece, incluindo exames e observações a efectuar por médico especialista de psiquiatria; respeitando todas as prescrições médicas que lhe forem indicadas; e sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social; sem conceder e Q) Quanto à (não) suspensão da medida de segurança aplicada: tendo em conta o comportamento pacífico e cumpridor das normas sociais e jurídicas e a necessidade/possibilidade de acompanhamento psiquiátrico em regime ambulatório e junto da família – é razoavelmente de esperar que a suspensão da execução do internamento alcance a finalidade da medida; R) Atendendo ao facto de se ter tratado de um acto isolado na vida do arguido (que tem 32 anos de idade) – provocado pela vítima – e considerando que, apesar do acto praticado, o mesmo arguido goza de boa aceitação na sociedade e tem bom relacionamento com todos, está integrado familiarmente e é pessoa útil na comunidade, mostra-se a suspensão da execução do internamento compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social; S) Previsivelmente, a efectivação da medida de internamento do arguido só poderá revelar-se mais nociva do que benéfica, quer para o arguido (em termos de integração) – que assim se vê afastado da família e de toda a realidade exterior onde, até aos 32 anos de idade e apesar não efectuar qualquer tratamento psicofarmacológico, nem ser seguido em consultas de psiquiatria, “sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade” – quer para a própria sociedade (em termos de segurança) – que, atentas as regras da experiência comum, arrisca receber, após a execução da referida medida, um cidadão bem menos integrado e socializado do que antes de tal execução; T) O arguido, procedente de prisão preventiva, cumpre medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde o dia 06.05.2015, que decorre no contexto familiar, cuja única coabitante é a mãe; tem cumprido as obrigações inerentes à medida de coacção e tem entendido a natureza privativa da mesma; tem-se mantido confinado – 24 horas por dia – ao espaço habitacional e tem noção da necessidade de evitar incumprimentos; demonstra sentido de responsabilidade perante as suas obrigações judiciais; e acata sem problemas as orientações dadas pelos técnicos, com quem mantém relação adequada e cordial; U) O arguido, “Nas instâncias socializadoras que estiveram presentes na sua vida, seja família, estabelecimentos de ensino, […] demonstra...

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