Acórdão nº 1064/12.0TVPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : 1- AA intentou contra BB - SGPS., S.A., CC, DD , acção de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação das RR. BB e DD - a divulgar, no mesmo periódico - Jornal EE- e com idêntico relevo (igualmente com chamada de 1ª página), a sentença que vier a ser proferida nos presentes autos; -e a condenação solidária dos RR. a pagar à A. quantia não inferior a € 37.500,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Desta decisão interlocutória não se recorreu.

Não se condenou a Autora como litigante de má fé.

5 - Inconformada, recorreu desta decisão a Autora.

  1. , Defende a recorrente estar em causa não só " uma questão cuja apreciação, pela sua referência jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito " versando "interesses de particular relevo social". Explicitando conceitos e como já foi decidido por este Supremo Tribunal (no âmbito da lei processual anterior mas com equivalência na actual): "Tem relevância jurídica, para efeito da al a) do n.º1 do art. 721.2-A do CPC, a questão que seja controversa na doutrina e na jurisprudência, sendo o seu esclarecimento necessário a uma melhor aplicação do direito (02-03-2011 Revista excepcional n.º 16368/09.OT2SNT.LIS1)'' e "Existe a relevância jurídica imposta pela al a) do n. 1 daquele art. 721.º-A quando a questão em apreço é controversa na doutrina e na jurisprudência, assumindo laivos de complexidade a sua subsunção jurídica, por implicar um importante e detalhado exercício de exegese (03-05-2011 Revista excepcional n.º 43/W.6TVPRT.PI.SI)".

  2. O direito à honra, bom nome e consideração e outros tidos por fundamentais que durante muito tempo foram considerados intangíveis, ainda que os factos ofensivos relatados pela imprensa fossem verdadeiros, podem, agora, ser postergados, desde que verificados certos pressupostos, que devem também ser concretizados. Isto porque o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem proferindo decisões sobre esta matéria com um entendimento, mantido de forma constante, que assenta no entendimento de que a liberdade de imprensa constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático, do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa pelo que as excepções constantes do nº 2 do artº 10º da Convenção devem ser interpretadas restritamente.

  3. E porque a liberdade de informação e expressão admite, com alguns limites, expressões que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade, é tolerável que possa limitar direitos de personalidade fundamentais se estiver em causa a realização de um interesse legítimo, geral ou público, só podendo a divulgação justificar a essa ofensa na medida em que sobressaiam esses interesses, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas. Reconhece-se ainda que o direito público de ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, que deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe, por parte do jornalista, a utilização de fontes de informação fidedignas e, tanto quanto possível, diversificadas. Mais se exige que na produção da ofensa à honra cometida através da imprensa, ao fazer a imputação desvaliosa, se tenha actuado dentro da sua função pública de formação da opinião pública, utilizando os meios concretamente menos danosos para a honra da pessoa visada, com respeito pela verdade das imputações em que fundadamente acreditou, depois de comprovada a verdade da imputação.

  4. Com estas novas concepções que importaram uma significativa alteração na perspectiva que vinha sendo seguida no direito interno no sentido da afirmação do direito à honra como prevalente nos casos de conflito com o direito à liberdade de informação e expressão, não significa que os tribunais portugueses tenham perdido a autonomia de decisão nessa matéria, dado ser-lhes conferida ampla margem de manobra sujeita, no entanto ao controle e fiscalização do TEDH que, obviamente, não avaliza todas as situações de ofensas aos direitos de personalidade consumados pela comunicação social, nomeadamente nos casos reconhecidamente especulativos e de ofensa imoderada, sendo, ao contrário permissivo naquelas situações em que as ofensas ou a censura imoderada se reporta a cidadãos com grande exposição e no exercício de funções públicas.

  5. Analisemos qual a questão jurídica que o processo encerra e como deve ser resolvida em termos do cidadão comum ter a correcta noção do conteúdo e limites dos seus direitos de personalidade. A recorrente, conhecedora dos actos por si praticados e grosseiramente vertidos no processo comum nº 158/08.0TAFVN do então Tribunal de Comarca de F…, considerando-se ofendida na sua honra por as duas notícias publicadas no "EE", pretendeu reagir contra essas ofensas; tinha duas formas de o fazer: ou apresentar queixa-crime contra todos os responsáveis pelos factos noticiados ou intentar acção cível destinada à reparação da ofensa. Ponderadas as circunstâncias, particularmente, a necessidade e especificidades da prova da ilicitude e da culpa dos agentes, exigíveis em cada um desses foros, optou pela apresentação de acção cível. Porém, ao analisar a datação dessas notícias, apercebeu-se imediatamente que enquanto a publicação de 01/03/2013 era posterior à acusação deduzida pelo Ministério Público (de 14/09/2012) no identificado processo-crime, logo admitiu poderem existir dificuldades probatórias no tocante às condutas dos agentes em sede de responsabilidade criminal (ou até civil); já no que tange com a notícia inicial publicada no dia 02/07/2011 (antes, portanto, de conhecida a acusação), mesmo que podendo ter resultado da consulta do processo, não seriam previsíveis obstáculos à comprovação da ilicitude e da culpa (no mínimo, na forma de dolo eventual) dos seus autores, optando, assim, pela instauração de acção cível.

  6. Com grande surpresa da recorrente o tribunal de 1ª instância viria a decidir de preceito no sentido da improcedência da acção com o que se não conformou, interpondo recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da instância. Vejamos, em ordem a pôr em relevo os pressupostos da revista excepcional, como o Acórdão recorrido fundamentou as suas conclusões. Refere que " a primeira notícia veio a lume antes de a ora autora ser acusada nesse processo-crime, e a segunda já depois da acusação ter sido deduzida. De qualquer modo os factos noticiados, em ambas as notícias, são os constantes do referido processo-crime" (o sublinhado é nosso).

  7. , Salvo o devido, sufragamos que, contra o decidido, a factualidade constante das duas notícias - que não pode ser metida no mesmo "saco"- não tem, ipso facto, justificação por se encontrar vertida num processo-crime. Segundo entendemos, será correcta e integrada na observância das legis artis reprodução ou a mera referência a factos constantes de uma acusação (obviamente desprovida de juízos de valor ou outros comentários marginais). Isto porque se o Sr. Procurador tiver feito o seu trabalho sem erros, como será por via de regra o caso, haverá, pelo menos, indícios bastantes da veracidade desses factos. Existe, nesta hipótese, um "crivo" ou juízo prévio que não podendo assegurar a plena equivalência desses factos com a realidade - e que poderão até vir a "desaparecer" com a inexistência de pronúncia ou caso essa factualidade não seja considerada provada em julgamento ou em sede de recurso -, garante a grande probabilidade dessa coincidência. Já no tocante ao relato noticioso resultante da consulta do inquérito, os responsáveis por uma notícia publicada unicamente com esse suporte, correm sérios riscos de divulgar uma situação menos correcta ou mesmo uma falsidade.

  8. Mesmo reconhecendo-se que a verdade jornalística não terá de ser nem absoluta, nem científica e, muito menos, ter as exigências da verdade judiciária, com o que se condicionaria de forma intolerável o direito à liberdade de informação, certo é que a obtenção da verdade jornalística obriga a certas cautelas que conduzam à coincidência ou, no mínimo, à grande proximidade dos factos publicados com a realidade sob pena de se perder a função pública de formação de opinião prosseguindo-se, ao invés, interesses privados que levam à generalizada desinformação. E, nos casos mais gritantes de ofensa a direitos de personalidade, exige-se que as fontes de informação fidedigna tenham sido diversificadas, assim se controlando a veracidade dos factos, a que acresce a concretização do meio menos danoso para a honra da pessoa visada...

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