Acórdão nº 1375/06.3TBSTR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A AA - Companhia de Seguros, SPA, Sucursal em Portugal (A.), intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em maio de 2006, contra a Companhia de Seguros BB, S.A.

, ao abrigo do art.º 31.º da Lei n.º 100/97, de 13-09, alegando, no essencial, que: .

A A. celebrou um contrato de seguro do ramo Acidentes de Trabalho com CC, trabalhador independente, titulado pela apólice n.º 0016…; .

Por sua vez, a R. celebrou com a sociedade “Transportes CC, Lda”, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 60…, tendo por objeto o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-...-MB, com semi-reboque atrelado de matrícula L-15…; .

No dia 26/09/2000, pelas 01h20, ocorreu um acidente de viação, na A1, ao km 65,25, no município de …, entre o veículo ligeiro de passageiros (táxi) de matrícula ...-...-NQ, que circulava na via mais à direita, no sentido sul-norte, conduzido por CC, na qualidade de motorista profissional, e o veículo pesado de matrícula ...-...-MB com o semi-reboque atrelado, propriedade da sociedade “Transportes CC, Lda”, conduzido por DD, por conta e no interesse desta sociedade; .

O condutor do veículo NQ transportava então passageiros do aeroporto de Lisboa para P…; .

O embate ocorreu quando o veículo pesado MB, após uma curta imobilização para mudança do tacógrafo na berma direita da A1, atento o sentido sul-norte, reiniciou a sua marcha, entrando na faixa da direita daquela via, no mesmo sentido do veículo NQ, sem que o condutor daquele pesado se tivesse certificado previamente de que a mesma se encontrava livre de trânsito de outros veículos; .

Nessas circunstâncias, o condutor do NQ, que circulava a velocidade não superior a 90 km/hora, ao aperceber-se, inesperadamente, da presença do MB, que circulava à velocidade diminuta de 20 km/hora, acionou os travões, mas não conseguiu evitar o embate com a parte dianteira daquele veículo no lado esquerdo da traseira do semi-reboque do veículo MB; .

Tal colisão ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo pesado MB, DD; .

Em consequência desse embate, o condutor do veículo NQ, CC, sofreu lesões que lhe causaram a morte no próprio dia do acidente, deixando como herdeiros beneficiários das pensões emergentes de acidente de trabalho a sua mulher EE e filha FF; .

Na sequência da conciliação realizada, em 30/05/2001, no Tribunal de Trabalho de Coimbra, a A. tem vindo a proceder ao pagamento de todas as quantias devidas na legislação laboral, a saber: a) – À viúva, EE, as seguintes quantias: € 24,94, por despesas de transporte; € 3.818,80, de subsídio de morte; € 2.545,86, de despesas de funeral; a pensão anual e vitalícia de € 2.094,95, com efeito a partir de 27/09/2000, que passará a € 2.793,27, quando aquela beneficiária perfizer a idade da reforma ou ficar com a capacidade de trabalho sensivelmente afetada; b) – À filha FF, as seguintes quantias: € 24,94, por despesas de transporte; a pensão anual temporária de € 1.396,63, com início em 27/09/2000, que passará a € 2.793,27 até perfazer 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou superior ou se vier a ficar afetada de doença que a impossibilite sensivelmente para o trabalho.

Pede a A. que a R. seja condenada a reembolsar a A. da quantia de € 28.271,19, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data dos respetivos e sucessivos pagamentos, sem prejuízo do pagamento das prestações vincendas a relegar para execução de sentença e respetivos juros de mora.

  1. A R. contestou a impugnar tanto a versão da dinâmica do acidente apresentada pela A., considerando que a ocorrência do mesmo é única e exclusivamente imputável ao condutor do veículo ligeiro NQ, como os danos ora em causa, alegando ainda que: .

    O acidente em referência causou a morte de quatro pessoas e ferimentos noutras cinco, tendo sido já propostas seis ações judiciais contra a ora contestante, duas delas pelo Hospital Distrital de … (processos n.º 1320/03.8TBLRA e n.º 5455/03.TBLRA) e uma pelo Hospital Distrital de … (processo n.º 2365/03.3TBSTR), todas elas para reembolso daquelas entidades hospitalares por despesas de tratamentos das várias vítimas, tendo a ora contestante pago, no âmbito desses processos, respetivamente, € 10.000,00, € 11.378,00 e € 3.171,35, ficando com o capital disponível reduzido a € 586.828,65; .

    Corre termos pelo 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de …, o processo n.º 179/00.1TASTR, em que foi peticionada a quantia de € 5.040.472,00; .

    E, no 2.º Juízo Cível do mesmo Tribunal, corre também termos uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário n.º 2472/05.8TBSTR, na qual os herdeiros de GG e de HH, II e JJ, peticionam a quantia de € 214.301,31.

    .

    Tais pedidos e o da ora A. excedem em muito o capital disponível da aqui R., pelo que, mesmo a admitir a responsabilidade do motorista de veículo pesado, esse capital teria de ser rateado por todos.

    Conclui pela absolvição da R. do pedido. 3.

    Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 212-216).

  2. Estando marcada a audiência final para 25/02/2008, foi, no entanto, decretada a suspensão da instância (fls. 495-496), a requerimento das partes, atento ao facto de o acidente aqui em causa estar a ser discutido no processo n.º 179/00.1TASTR, a correr termos no 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de …, suspensão essa que veio a ser posteriormente renovada a aguardar também o desfecho do processo n.º 1175/04. 5TBSTR.

  3. Entretanto, foram juntas certidões de processos que tiveram por objeto o acidente em causa nestes autos e que são as seguintes: i) – A certidão de fls. 1022-1024, respeitante a uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 1320/03.8TBLRA, no 3.º Juízo Cível de …, em que foi autor o Hospital de …, S.A., e ré a Companhia de Seguros BB, S.A., na qual foi homologado acordo de transação, a condenar esta ré a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00, conforme sentença transitada em julgado em 20/06/2005; ii) - A certidão de fls. 1025-1027, respeitante a uma ação declarativa, sob a forma de processo sumário, que correu termos sob o n.º 5455/03.9TBLRA, no 3.º Juízo Cível de …, em que foi autor o Hospital de …, S.A., e ré a Companhia de Seguros BB, S.A., na qual foi homologado acordo de transação, a condenar esta ré a pagar ao autor a quantia de € 8.073,20, conforme sentença transitada em julgado em 13/12/2007; iii) – A certidão de fls. 712-717, respeitante a uma ação declarativa, sob a forma de processo sumário, que correu termos sob o n.º 2365/03.3TBSTR, no Tribunal Judicial de S…, em que foi autor o Hospital Distrital de S…, S.A., e ré a Companhia de Seguros BB, S.A., a qual foi julgada parcialmente procedente, considerando-se que o acidente em referência era imputável a ambos os condutores dos veículos intervenientes, na proporção de 70% para o condutor do veículo MB e 30% para o condutor do veículo NQ, tendo aquela ré sido condenada a pagar ao Hospital ali autor a quantia de € 3.095,70, a crescida de juros de mora, conforme sentença de 23/042004, já transitada; iv) – A certidão de fls. 634-643, respeitante ao processo n.º 179/00.1TASTR, que correu termos no 2.º Juízo Criminal de S…, em figurou como arguido DD, no qual foi proferido acórdão, datado de 03/12/2008, a remeter para os meios comuns os ali seguintes demandantes cíveis: - KK e LL contra o indicado arguido e contra a sociedade Transportes CC, Lda, a Companhia de Seguros BB, S.A. e a Companhia AA, SPA; - EE, MM, NN, OO e FF contra a Companhia de Seguros BB, S.A.; - PP, QQ e RR contra a Companhia de Seguros BB, S.A. e a Companhia AA, SPA; - SS e mulher TT contra a Companhia de Seguros BB, S.A.; - II e JJ contra o arguido DD, a sociedade Transportes CC, Ld.ª, e a Companhia de Seguros BB, S.A.; v) - A certidão de fls. 613-633, respeitante também ao mesmo processo n.º 179/00.1TASTR, em que o arguido DD foi absolvido da prática dos crimes de homicídio e de ofensas à integridade física negligentes de que foi acusado pela ocorrência do acidente em referência, conforme acórdão transitado em 04/03/2009; vi) - A certidão de fls. 1052 e segs., respeitante a uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 1175/04.5TBSTR, na Instância Central – Secção Cível – J3 – da Comarca de S…, em que foram autores SS e TT, ocupantes do veículo NQ, e ré AA, SA, na qualidade de seguradora do mesmo veículo, titulado pela apólice n.º 008…, tendo a ação sido julgada parcialmente procedente, por sentença proferida em 23/12/ 2010, tendo esta ré sido condenada a pagar aos ali autores diversas quantias indemnizatórias por danos decorrentes do acidente em referência, considerando-se que era imputável exclusivamente, a título de culpa, ao condutor do veículo NQ; tal sentença foi alterada, quanto aos montantes indemnizatórios, mas confirmada quanto à imputação do acidente a culpa exclusiva do condutor do veículo NQ, sucessivamente, pelo acórdão da Relação de Évora de 29/03/2012 e pelo acórdão do STJ, de 17/06/2014, já transitado em julgado.

    6.

    A 1.ª Instância, considerando que, em face do decidido no processo n.º 1175/04.5TBSTR, que se verificava identidade da causa de pedir, na questão fundamental, entre o objeto daquela ação e o dos presentes autos, absolveu a R. Companhia de Seguros BB, S.A., da instância com fundamento na exceção de caso julgado, nos termos dos artigos 577.º, alínea i), 578.º, 580.º e 581.º, n.º 1, do CPC, conforme sentença de fls. 1232-1252, datada de 14/10/2015.

    7.

    Inconformada com tal decisão, a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, por unanimidade, confirmou a sentença recorrida, agora com fundamento na verificação de uma “exceção inominada de autoridade de caso julgado”, decorrente da decisão...

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