Acórdão nº 199/15.1PEOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, nascido em [...], foi julgado pelo tribunal do júri em processo comum, na Comarca de ..., Instância Central, ... Secção Criminal, Juiz ..., e condenado por acórdão de 10/5/2016, pela prática: · do crime de homicídio qualificado dos arts. 131º e 132º, nº 1 e nº 2 als. a), c) e e), todos do CP, na pena de 22 anos de prisão, · do crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, na forma tentada, dos arts. 272º, nº 1, als. b) e c), 22º, nº 1 e 2, als. b) e c), 23º, nº 1 e 73º, nº 1. als. a) e b), e artº 41º, nº 1, todos do CP, na pena de 4 anos de prisão, · do crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, na forma tentada, dos arts. 254º, nº 1 al. a) e nº 2, 22º, nº 1 e nº 2 als.b) e c), 23º, nº 1, 73º, nº 1 als. a) e b) e art. 41º, nº 1, todos do CP, na pena de 8 meses de prisão, · de um crime de consumo, do art. 40º, nº 2, do DL 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena conjunta de 25 anos de prisão. Recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 11/10/2016, para além de ter considerado improcedentes os recursos intercalares que haviam sido interpostos, alterou o decidido do modo que se segue: · Foi aditado à matéria de facto provada que “O arguido é portador de personalidade de tipo “"borderline"” nos termos do relatório pericial do INML de fls 294 a 330, elaborado a 15 de Junho de 2015.” · A pena parcelar pelo crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, na forma tentada, foi reduzida para 2 anos e 6 meses de prisão.

· A pena parcelar aplicada pelo crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, na forma tentada, foi reduzida para 5 meses de prisão.

· A pena pelo crime de consumo foi reduzida para 40 dias de prisão.

Em cúmulo jurídico, mantendo-se inalterada a pena concreta fixada para o crime de homicídio qualificado (de 22 anos de prisão), foi aplicada a pena conjunta de 23 anos de prisão.

A - FACTOS Deram-se por provados os seguintes factos: " 1. AA e BB eram os pais do falecido CC.

  1. Em Agosto de 2012, AA e BB iniciaram um relacionamento amoroso.

  2. Em Dezembro de 2012, AA e BB passaram a viver na mesma casa, em comunhão de cama, mesa e habitação, na zona de ....

  3. Na mesma casa residia também uma filha de BB, fruto de uma anterior relação amorosa desta, nascida em ....2002.

  4. Devido a questões relacionadas com o consumo de álcool por parte do arguido, em Junho de 2013, BB e a filha desta saíram de casa.

  5. AA realizou um tratamento à sua problemática com o álcool.

  6. Durante o tratamento AA e BB reataram o seu relacionamento, com a condição de que caso o primeiro voltasse a consumir álcool, a relação terminaria de imediato.

  7. Em Fevereiro de 2014, o arguido foi viver para a casa onde BB e a filha desta já residiam, sita na Rua....

  8. Em Agosto de 2014 AA realizou um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, tendo começado a trabalhar, como pintor da construção civil.

  9. No dia 29 de Outubro de 2014, CC nasceu e BB passou a gozar a sua licença de maternidade, a fim de tomar conta da criança.

  10. Em Dezembro de 2014, AA despediu-se do seu trabalho, devido a problemas relacionados com o pagamento dos seus salários.

  11. Após gozar a licença de maternidade, BB regressou ao trabalho.

  12. Na altura, AA e BB acordaram que o primeiro passaria a tomar conta de CC até arranjar trabalho, porque não tinham conseguido arranjar vaga numa creche para o bebé e a fim de pouparem o dinheiro que teriam de pagar a uma ama.

  13. Quando BB se encontrava a trabalhar, AA era o responsável pela alimentação, saúde, bem-estar e segurança de CC, tendo o casal por hábito manter o contacto telefónico.

  14. No dia 08 de Abril de 2015, em momento anterior às 09 horas e 00 minutos, BB e a filha desta ausentaram-se de casa, a primeira para trabalhar e a segunda para estudar, tendo o arguido e o filho ficado em casa.

  15. No mencionado dia 08 de Abril de 2015, pouco antes das 15 horas e 26 minutos, o arguido ausentou-se de casa, deixando o seu filho sozinho e dirigiu-se à pastelaria “..., onde bebeu um cálice de vinho do Porto.

  16. O arguido regressou a casa, deixando esquecido um saco de compras na pastelaria "...".

  17. Em hora não concretamente apurada e no âmbito de conversação telefónica havida entre ambos, notando que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, BB colocou termo à relação e disse-lhe que teria de sair de casa.

  18. Encontrando-se BB a conduzir um veículo automóvel, na companhia da sua colega de trabalho EE, AA telefonou para o telemóvel da primeira que não atendeu de imediato.

  19. Uma vez que estava a conduzir, BB solicitou a EE para que esta atendesse o seu telemóvel.

  20. Tendo AA voltado a telefonar para o telemóvel de BB, EE atendeu o telemóvel desta.

  21. AA disse a EE para que esta colocasse a chamada em “alta voz” e exigiu que BB estacionasse a viatura de imediato para falar com ela.

  22. AA perguntou onde é que BB se encontrava e queria saber se esta o considerava um “baby-sitter” ou um “gigolô”.

  23. Seguidamente, AA telefonou do seu telemóvel para o telemóvel de EE, com o número ... e tendo esta atendido, o arguido referiu que já havia telefonado para o filho mais velho e disse-lhe que o ia matar e, depois, ia matar o seu (do arguido) bebé.

  24. Ainda no referido 08 de Abril de 2015, cerca das 16 horas e 00 minutos, BB estacionou a viatura e atendeu outro telefonema do arguido que lhe disse que ia matar o filho de ambos.

  25. Na mesma data, encontrando-se o arguido e o filho no quarto do casal, o primeiro realizou videochamadas para o telemóvel de EE.

  26. Durante as videochamadas, AA apontou a câmara do seu telemóvel, com o auxílio de uma das mãos, para CC, que se encontrava deitado na cama, e com a outra mão, o arguido manteve uma faca junto ao meio do corpo da criança.

  27. Em simultâneo, AA disse “ ’Tás a ver? ‘Tás a ver? Eu vou matar o nosso filho!”.

  28. Entre as 16 horas e 17 minutos e as 16 horas e 30 minutos, AA cravou a faca até ao punho, na face anterior do hemotórax esquerdo de CC.

  29. Em consequência da conduta do arguido descrita em 29., CC sofreu uma ferida corto-perfurante transfixiva do coração e pulmão direito e, mais concretamente, as seguintes lesões: nas paredes do tórax, ferida corto-perfurante transfixiva do tecido subcutâneo e músculos da parede torácica anterior esquerda, subjacentes à referida ferida, no 4.º espaço intercostal anterior esquerdo com 1,5 cm; na zona do pericárdio e cavidade pericárdica, duas feridas corto-perfurantes no pericárdio, transfixivas, uma de entrada, na face anterior sobre o terço superior do ventrículo esquerdo e a outra (de saída), debaixo da aurícula direita, cavidade pericárdica com escasso sangue líquido; no coração, ferida corto-perfurante, transfixiva do coração, com início da ponta do ventrículo esquerdo e terminando na aurícula direita, interessando no seu trajecto as cordas tendinosas abaixo da válvula mitral na sua porção septal; na pleura parietal e cavidade pleural direita, ferida corto-perfurante da pleura parietal ao nível do 2.º espaço intercostal posterior, com 150 cc de sangue líquido na cavidade; na pleura parietal e cavidade pleural esquerda, ferida corto-perfurante da pleura parietal ao nível do 4.º espaço intercostal anterior, subjacente à mencionada ferida, com 100 cc de sangue líquido na cavidade; e no pulmão direito e na pleura visceral, ferida corto-perfurante transfixiva do lobo superior do pulmão.

  30. As lesões descritas em 31. causaram a morte de CC.

  31. A faca que o arguido exibiu durante as videochamadas e com a qual matou o seu filho, trata-se de uma faca de cozinha, com punho de madeira que mede dez centímetros, e com lâmina que mede onze centímetros de comprimento e cerca de dois centímetros de largura.

  32. Neste circunstancialismo, o arguido deslocou-se à cozinha e rodou os quatro manípulos dos botões do fogão que accionaram a saída de gás dos bicos.

  33. De seguida, o arguido saiu para o exterior do prédio e dirigiu-se, mais uma vez, à pastelaria “...”, onde ingeriu mais um cálice de vinho do Porto.

  34. Tendo FF alertado o arguido para o facto de este ter deixado ficar um saco de compras naquele local, AA agarrou nesse mesmo saco, saiu da pastelaria e dirigiu-se no sentido do prédio em que residia.

  35. Após dois minutos, o arguido regressou à pastelaria, pediu a conta e pagou, colocou um cigarro e um cartão SIM de telemóvel em cima do balcão e pediu que lhe cedessem um telemóvel, abandonando o local.

  36. O arguido deslocou-se até à pastelaria "..., sita na ..., onde entrou e pediu emprestado um telemóvel.

  37. GG emprestou o seu telemóvel, com o número ..., ao arguido.

  38. Por volta das 16 horas e 54 minutos, AA saiu da pastelaria “...” e, através do telemóvel com o número ..., telefonou para o telemóvel de BB e disse-lhe que tinha matado o filho de ambos.

  39. O arguido voltou a entrar na pastelaria "..." e devolveu o telemóvel a GG, dizendo que “Dentro de 5 minutos alguém vai ligar para esse número e se disseres que eu estou aqui, já matei o meu filho e venho aqui matar-te”.

  40. O arguido abandonou o local, tendo sido detido pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, pelas 17 horas e 30 minutos, nas proximidades da sua residência.

  41. No dia 08 de Abril de 2015, entre as 09 horas e 00 minutos e as 16 horas e 30 minutos, na Rua ..., na área do município de Oeiras, AA guardava no saco plástico que colocou no interior da caixa de plástico, de cor azul, que se encontrava em cima de uma mesa que estava na marquise, canábis (resina), com o peso Br (g) de 8,171 e com o grau de pureza (%) de 12,7 (THC), o qual destinava ao seu consumo.

  42. AA tinha conhecimento de que quando consumia álcool, e quando misturava o consumo de álcool com o consumo de produtos estupefacientes e medicamentos, tornava-se numa pessoa violenta, com o que se conformou.

  43. O arguido sabia que CC era seu filho e que este se tratava de um bebé e que por isso, não tinha capacidade para afastar agressões praticadas por adultos e, assim, de se defender.

  44. Mais sabia o arguido que a faca...

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