Acórdão nº 2178/10.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou contra “BB, SA”, CC e DD a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º 2178/10.6TVLSB, correu termos pela 3.ª Secção da 4.ª Vara Cível de Lisboa, pedindo que, argumentando que a publicação no “EE” de especificada notícia, que pormenorizadamente descreve, a ofendeu na sua honra e consideração e dignidade como mãe, mulher e cidadã e por causa da qual sofreu angústia, depressão e tristeza, seja indemnizada pelos réus no montante de € 45.000,00 a título de danos não patrimoniais.

A sentença proferida na 1.ª instância (cfr. fls. 327 a 380) decidiu assim: a) Julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno os Réus a pagar, solidariamente, à Autora a quantia de sete mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença até integral pagamento; b) No mais, julgo a ação improcedente por não provada, absolvendo os Réus do pedido; c) Ordeno que os autos vão com vista ao Ministério Público (cf. factos 1 a 4 e 7) ” (sic).

Inconformados com esta sentença, tanto a autora como os réus dela recorreram para a Relação de Lisboa, pedindo a primeira (texto que corresponde à conclusão 6.ª das suas alegações na apelação) que “seja revogada a decisão recorrida, julgando-se a ação procedente, por provada, condenando-se os réus solidariamente a um pagamento a título de danos não patrimoniais em favor da apelante no montante de € 45.000,00 ou outro mais próximo disto e sempre superior aos € 7.500,00 fixados pela sentença recorrida” (sic) e os segundos que: “a) Devem ser aditados à matéria de facto provada os factos que constam do artigo 29.º da contestação, ou seja, que o Réu CC não teve conhecimento prévio da notícia referida em 1) dos factos provados; b) Deve ser alterada a resposta dada no ponto 8 da fundamentação de facto da sentença recorrida passando do mesmo a constar o seguinte: “No dia 19 de Agosto de 2005 a mãe das menores assinou uma declaração na qual afirmava que estava grávida de oito meses, que não sabia quem era o pai da criança, “posto que tinha uma vida sexual agitada”, que não possuía condições económicas nem psicológicas para criar a filha, pelo que desejava “fazer a sua doação para alguém que possa cuidá-la e amá-la”. Referiu ainda que era ..., que contava com a ajuda dos pais, que eram pobres e também não tinham condições financeiras para criar a sua filha. Declarou também que “após muito procurar”, encontrou na pessoa de FF “a pessoa ideal para adoptar o bebé”; c) Deve ser alterada a resposta de não provado dada aos factos constantes do quesito 10.º da base instrutória, passando a constar como provado que: “O Réu DD retirou a informação que inseriu na peça referida em 1), além do mais, do processo n.º 726/07.8TBALR-A do Tribunal Judicial de …”; d) Deve ser alterada da resposta dada aos factos constantes dos pontos 10 e 11 da fundamentação de facto da sentença recorrida, devendo os mesmos ser considerados como não provados uma vez que sobre eles não foi feita prova cabal, e e) Em tudo o mais deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva os Réus do pedido, uma vez que não estão reunidos os pressupostos de que depende a respectiva responsabilidade nos termos do artigo 29.º da Lei da Imprensa e do artigo 483.º do CC.

” (sic).

A Relação de Lisboa, por acórdão de 14/07/2016 (cfr. fls. 460 a 517), julgando totalmente improcedente a apelação da autora e, no essencial, procedente a apelação dos réus, consequentemente: a) Alterou, nos termos referidos no ponto 4.1.8, que aqui se dá por reproduzido, a parte da sentença recorrida através da qual foram enunciados os factos que nesta acção podem ser declarados provados e não provados; e b) Revogando integralmente a sentença recorrida, decretou em sua substituição que vão os três réus absolvidos de todo o pedido que contra eles foi formulado na presente acção pela autora.

Desagradada, recorre agora para este Supremo Tribunal a autora AA, que alegou e concluiu pelo modo seguinte: 1.

Com o devido respeito, que é muito, o mui douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não fez uma correta aplicação do direito.

  1. O mui douto acórdão recorrido ao apreciar livremente a prova, não acautelou-se segundo uma prudente convicção acerca de cada facto, pelo que, agindo assim, a douta decisão padece de uma falta gravíssima, a errada aplicação da lei do processo.

  2. A livre apreciação da prova não significa que o Tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário. Assim como não se confunde com apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito julgador.

  3. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, fez uma errada aplicação do número 5 do artigo 607.º do CPC, porquanto não observou os pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

  4. Efectivamente com a publicação da notícia no jornal "EE ", os recorridos violaram, de forma grave, os direitos fundamentais da recorrente, direitos estes consagrados constitucionalmente.

  5. De facto, a informação veiculada através do jornal "EE", por omissiva da real e cabal situação conducente à vida privada da recorrente e das suas filhas menores, transmitiu uma visão distorcida dos factos.

  6. Com a notícia em causa, os recorridos provocaram juízos altamente atentatórios da integridade, coerência e retidão de caráter da recorrente, isto é, do seu bom-nome e reputação.

  7. Tal notícia apenas VISOU a satisfação da mera curiosidade, tratando-se de uma mera notícia sensacionalista, desprovida de caráter informativo, que aborda a vida privada da recorrente assim como das suas filhas menores violando os seus direitos fundamentais.

  8. O mui douto acórdão recorrido padece de uma falta grave, qual seja, inconstitucionalidade, por violação das normas plasmadas nos artigos 25.° e 26.º da Constituição da República Portuguesa.

  9. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o pedido da Recorrente em sede de apelação, não reconhecendo o seu direito, violou os artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue admissível o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente.

  10. Pelo que, o acórdão recorrido, ao considerar o depoimento da testemunha GG, pouco credível, por um mero juízo subjectivo de sua análise, sem qualquer outra prova concreta pela qual indicasse falsas declarações, acabou por causar uma interpretação materialmente inconstitucional do n.º 5, do artigo 607.°, do CPC, no sentido de que: «.

    ..em sede de decisão da matéria de facto, em processo cível, pode o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto, desprezando a prova testemunhal produzida e julgada em Primeira Instância, taxando-a de "pouco credível", ou seja, em sede de análise exclusiva de cunho subjectivo, desacompanhada de qualquer outro elemento de prova que coloque em crise a veracidade das declarações produzidas…» por violação dos artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República e 6.°, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente processo não equitativo.

  11. Inconstitucionalidade material esta que requer seja reconhecida e declarada, com os seus efeitos legais.

  12. Por outro lado, tendo sido publicada a notícia sobre a recorrente e suas filhas menores, nos moldes em que o foram, parece óbvio, estarmos perante uma flagrante ofensa à honra, ao bom-nome e a reputação da ora Recorrente.

  13. A tutela civil desses direitos, consagrados nos citados artigos 70.°, n.º 1 e 484.° ambos do Código Civil, impõem um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas à honra de cada pessoa.

  14. Assim, impõe-se, reconhecer que os recorridos agiram de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico.

  15. A forma como os Recorridos puderam em causa os direitos à imagem, à honra, bom-nome e reputação da Recorrente, constitui um enorme desacato à dignidade desta.

  16. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o pedido da Recorrente em sede de Apelação, não reconhecendo o seu direito, violou os artigos 70.º n.º 1, 483.° e 484.º, todos do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue admissível o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente.

    Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que julgue procedente a ação e se condenem os recorridos, solidariamente, ao pagamento de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela recorrente, bem como com o reconhecimento e declaração da inconstitucionalidade suscitada.

    Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção do julgado.

    Corridos os vistos legais cumpre decidir.

    A 1.ª instância considerou provados os factos seguintes: 1.

    Foi publicada na edição de 18-05-2010 no jornal “ EE “, na página 18, peça assinada por DD, com o seguinte teor: “…. IRMÃS DE QUATRO E DEZ ANOS NO CENTRO DE BATALHA JUDICIAL Mãe quer as filhas dadas para adopção Uma das meninas foi entregue ainda bebé e outra quando tinha apenas cinco anos.

    DD Uma mulher brasileira apresentou uma queixa-crime por sequestro contra uma portuguesa, residente em …, a quem entregou, para adopção, duas meninas, hoje com quatro e dez anos. Foi a mãe biológica, AA, quem decidiu entregar as menores aos cuidados de FF mas, em Setembro de 2007, mudou de opinião.

    A brasileira desistiu agora do regime de visitas fixado pelo Tribunal Judicial de …, no âmbito de uma acção de inibição do poder paternal interposto por FF. Em Fevereiro, o juiz titular do processo decidiu que as meninas ficariam à guarda da portuguesa, tendo AA direito a uma visita de três horas, aos sábados. Na última sessão, a 12 de Maio, a mãe biológica alegou não ter condições económicas para se deslocar...

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