Acórdão nº 254/14.5T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 – RELATÓRIO AA instaurou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, contra BB, S.A.

, pedindo a procedência da ação e, consequentemente: a) A declaração da existência do contrato de trabalho que regulou a relação contratual e vigorou entre as partes, entre 1 de janeiro de 2001 e 15 de março de 2013; b) A declaração da ilicitude do seu despedimento promovido pela R., sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar, com efeitos em 15 de março de 2013; c) A condenação da R. no pagamento, a título de diferenças salariais, da quantia de € 23.169,72; d) A condenação da R. no pagamento da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos e não pagos e respetivos proporcionais, respeitantes aos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 tudo no valor global de € 65.926,23; e) A condenação da R. a reintegrá-lo de imediato nos seus quadros, como perito-avaliador, a que corresponde o salário mensal, ao montante de € 1.882,46, por ser aquele que deve receber, ou em alternativa e caso assim venha a optar, a condenação da R. no pagamento, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 391º do Cód. Trabalho, a título de indemnização, no montante de € 22.589,52; f) A condenação da R. no pagamento das retribuições salariais, calculadas na base do salário que deveria ter auferido no ano de 2013 – € 1.882,46 - e que deixou de auferir, desde o despedimento até a data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos; g) A condenação da R. no pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos morais; h) A condenação da R. no pagamento de juros de mora à taxa em vigor sobre todas as importâncias em que vier a ser condenada, contados desde a data da propositura da ação data até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegou ser perito-avaliador, inspecionando e avaliando danos em veículos automóveis sinistrados, sendo a R. uma sociedade anónima que se dedica à prestação de serviços de certificação, análises e inspeção, bem como todos os demais serviços conexos com esta atividade. Em janeiro de 2001, foi convidado para desempenhar as funções de perito-‑avaliador para a R., na delegação do …, que correspondia inicialmente à cidade do …, posteriormente também a …, depois a … e, por fim, a …. Iniciou as funções naquela data, sem que tenha sido reduzido a escrito qualquer contrato, e manteve-as até 15 de Março de 2013, permanentemente, sob a égide da R., mediante o pagamento de uma retribuição.

A R. comunicou-lhe por carta o seu despedimento, a produzir efeitos em 15 de abril de 2013, embora logo a partir de 15 de março de 2013, tenha ficado impedido de aceder ao portal informático da R. e de entrar nas suas instalações.

A cessação do contrato declarada pela R., configura um despedimento ilícito.

Em janeiro de 2003, a R., pretendendo furtar-se à celebração de um contrato de trabalho que efetivamente existiu durante todo o tempo em que se manteve o vínculo contratual, impôs-lhe a assinatura de um contrato denominado de “prestação de serviços”, mas sem que se tenha verificado qualquer alteração, já que continuou a exercer as mesmas funções.

Em 1 de setembro de 2011, a R. comunicou-lhe que não poderia tê-lo enquadrado como “recibos verdes”, pelo que ele teria que constituir uma sociedade unipessoal por quotas. Constituiu então a sociedade “EE” e no dia 1 de setembro de 2011, foi celebrado contrato de prestação de serviços entre a R. e a referida sociedade, mas tal em nada contendeu com a sua situação laboral, que se manteve inalterada, tendo apenas sido modificado o modo de processamento dos seus vencimentos salariais.

A R. sempre o tratou como verdadeiro trabalhador subordinado, organizando-lhe o seu tempo de trabalho, distribuído por toda a semana, atribuindo-lhe os processos de sinistros que bem entendia, escalonando o seu trabalho em coordenação com os demais colegas ao serviço da R., que durante mais de doze anos foi a beneficiária exclusiva da sua prestação da atividade.

A R. impôs-lhe uma remuneração mensal, forneceu-lhe os equipamentos utilizados no desempenho das suas funções e assegurou a manutenção dos mesmos através dos seus serviços técnicos e, bem assim, apoio informático às plataformas usadas na elaboração das peritagens.

Nunca gozou férias, nem recebeu quaisquer remunerações a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

Sempre exerceu a sua atividade profissional inserido na estrutura da R. e sob as ordens, diretivas e instruções desta que, diretamente fiscalizava e coordenava o seu trabalho que era desempenhado de acordo com as ordens de CC e DD, ambos seus superiores hierárquicos.

Os horários que o A. cumpria, foram-lhe impostos pela R. e procedia ao agendamento das férias de acordo com as conveniências desta e justificava as ausências ao serviço.

Alegou, ainda, que a R. não tinha qualquer fundamento legalmente atendível para lhe diminuir a retribuição nos anos de 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, para além de nunca lhe ter pago quaisquer quantias a título de férias, subsídios de férias e de Natal.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a R. contestou pugnando pela improcedência da ação, alegando que celebrou, inicialmente, com o A. e depois com a empresa de que este é sócio e gerente, contratos de prestação de serviço, nunca tendo vigorado entre eles qualquer contrato de trabalho.

O A. desde janeiro de 2001 a setembro de 2011, sempre emitiu recibos verdes como trabalhador independente com sujeição aos impostos devidos, IRS e IVA, tendo sido pago por cada uma das peritagens que fazia.

Nunca foi inscrito na Segurança Social como seu trabalhador, nem constou no mapa de férias dos seus trabalhadores e gozava de total autonomia na organização das peritagens, definindo o programa da sua realização em função dos locais a que tinha de se deslocar para as realizar, seguindo critérios de sua conveniência e com total autonomia.

Nunca esteve sujeito a qualquer horário de trabalho, nem foi ajustado qualquer período de tempo de trabalho, tendo apenas que proceder à realização das peritagens que aceitava e se comprometia a fazer.

Esteve sediado desde sempre em sua casa, não dispondo de qualquer local de trabalho em qualquer das instalações da R. e não era feito qualquer controle da sua presença, nem registo de assiduidade ou de absentismo.

O contrato cessou em setembro de 2011 quando o A. acedeu à sua substituição pelo contrato que celebrou em nome da sociedade EE Lda.

Atentando na data de cessação do contrato celebrado com o autor, quando a presente ação foi proposta, em março de 2014, já há muito havia decorrido o prazo de um ano de prescrição de qualquer eventual direito do autor no âmbito laboral, previsto no artº 337º do Código do Trabalho.

Peticionou a condenação do A. como litigante de má-fé.

O A. apresentou resposta à contestação, concluindo pela improcedência da exceção de prescrição e da litigância de má-fé.

Saneado o processo, no qual se relegou para a sentença o conhecimento da exceção da prescrição, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença, culminada com o seguinte dispositivo: «IV - Decisão: Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a R. “BB, S.A.” dos pedidos contra si formulados pelo Autor AA.

Custas da ação a cargo do Autor – art. 527º do Código de Processo Civil.

Ao abrigo do disposto nos arts. 296º, 297º e 306º do C.P.Civil, fixo à ação o valor de € 154.883,72.

Registe e notifique.

(…)».

O A. apelou, vindo a Relação a proferir, com um voto de vencido, a seguinte deliberação: «Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo A.» O A., de novo inconformado com o assim decidido, recorre agora de revista para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: «1 - O acórdão recorrido não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

II - O Tribunal da Relação do ... confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, com voto de vencido do Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Eduardo Petersen Silva: "vota vencido por considerar que os factos provados demonstram clara e abundantemente, desde o início, a existência de um contrato de trabalho", pelo que, da referida decisão cabe recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 e nº. 3 a contrario sensu do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art. 1º. Nº. 2 a) e art 81º. nº. 5 do Cód. Proc. Trabalho, que deve ser conhecido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

III - Considera o Recorrente que se verifica erro na determinação da lei aplicável, o que contende com a aplicação da presunção de laboralidade, sendo que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado a presunção prevista no artigo 12º. do Código de Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.

IV - A regra é que a nova lei do trabalho se aplica às situações jurídicas duradouras, constituídas antes da sua entrada em vigor, desde que subsistam no momento e para além da entrada em vigor do novo diploma.

V - Com a entrada em vigor da Lei 99/2003 e da Lei 7/2009, estas passaram a disciplinar a relação de trabalho entre Recorrente e Recorrida, porquanto se tratava de contrato de trabalho em plena execução.

VI - "E, quanto à presunção legal de laboralidade, importa salientar que ela não se traduz, propriamente, numa norma sobre a constituição de uma relação jurídica, mas sim numa norma sobre a qualificação de uma relação jurídica constituída. Não se trata, in casu, de...

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