Acórdão nº 74/16.2PAVFC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

RECURSO PENAL[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. No processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, nº 74/16.2PAVFC da Comarca dos ...- Instância Central- ... Secção Cível e Criminal –..., foi proferido acórdão, em 02.11.2016, que decidiu: « 1. condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º nºs 1 e 2 al. b) e 204º nº 2 al. f), ambos do Código Penal, na pena de nove anos de prisão; 2. manter a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido AA; 3. determinar a recolha de amostra de DNA ao arguido AA, e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro; 4. determinar a perda a favor do Estado da navalha apreendida e a correlativa entrega à Direção de Serviços do Património, da Direção Regional do Orçamento e Tesouro, no âmbito da Vice-Presidência do Governo Regional; e 5. condenar o arguido AA nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3,25 UC.».

2. Inconformado, o arguido AA interpôs recurso deste acórdão, terminando as motivações com as seguintes conclusões: «1. Concluindo e reproduzindo o acima alegado o arguido foi condenado a uma pena de prisão superior às exigências de prevenção geral e especial.

2. Foi violado o princípio da equidade.

3. Assim não o tendo entendido o douto Acórdão proferido violou o disposto no art.º 71 do C. Penal.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e por via dele, condenar-se o arguido em pena junto aos limites mínimos, ou próximos da média mas nunca ultrapassando por ser de Direito e de Justiça».

3. O Ministério Público na 1ª instância, respondeu, concluindo nos seguintes termos: «- A pena em que o arguido foi condenado mostra-se adequada, ponderando as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa; - Inexiste qualquer violação do disposto nos artºs. 40º, nº 1, 70º e 71º, nºs. 1 e 2, do Código Penal.

Pelo exposto, deve o acórdão recorrido confirmar-se «in totum».

4. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu proficiente parecer, que se transcreve: « 1. O recorrente insurge‑se com a medida da pena de prisão — 9 anos — imposta por acórdão do Tribunal de Ponta Delgada, de 2 de Novembro de 2016, pugnado por pena de medida inferior.

Assiste‑lhe razão. Efectivamente, 2. Relativamente à matéria de facto provada, sob II-12. e II-13. do acórdão recorrido, consta: Mais se provou que: 12. O arguido agiu sob a influência de produtos estupefacientes.

13. O arguido pretendia adquirir mais produtos estupefacientes, como efectivamente veio a fazê‑lo com os € 230.00 que retirou da caixa registadora.

3. Quanto às condições pessoais do arguido, sob III do acórdão recorrido, consta, nomeadamente: Com cerca de quinze/dezasseis anos, o arguido refere ter iniciado o consumo de haxixe, progredindo para o consumo de drogas ditas “pesadas”, nomeadamente, heroína e cocaína e, mais recentemente, drogas sintéticas, às quais atribui a sua atual situação jurídica.

4. Mostra‑se, pois, provado, não só que o recorrente apresentava graves problemas de dependência de estupefacientes — nomeadamente, cocaína e heroína — mas também que cometeu o crime de roubo para adquirir, com os 230.00€ que retirara da caixa registadora, estupefaciente para consumir.

5. E sendo assim, na determinação da medida da pena, há que considerar a sabida dependência psíquica e psicológica que o consumo, nomeadamente de cocaína e heroína, implica, com o empobrecimento/ruína de várias áreas da vida (emocional, social, laboral, lúdica, económica), com a agravante da desestruturação da pessoa [2], e ter presente a provada influência das situações de toxicodependência na diminuição da liberdade de determinação da vontade em harmonia com os valores com tutela jurídico‑criminal, considerando a sabida “pressão” para obtenção directa ou indirecta de estupefacientes, num ciclo permanente de difícil superação — obtenção de meios, aquisição de produto, consumo do produto, obtenção de meios... —, fenómeno a que o legislador atende, como atestam as normas dos artigos 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 52.º e 55.º do Dec.‑Lei n.º 15/93, de 22/01.

6. Diga‑se ainda que, nesta área deve ter‑se em consideração a bem conhecida dificuldade de êxito de tratamento eficaz, pese embora as tentativas dos doentes em superarem a sua toxicodependência, com os consabidos frequentíssimos avanços e recuos ocorridos no período de tratamento. Por isso, as recaídas são frequentes, não sendo de estranhar que o doente muitas vezes claudique, reiniciando os consumos. Tal, porém, não pode ser fundamento para um agravamento da pena ou a desconsideração da sua toxicodependência, devendo antes constituir sobretudo um alerta para a necessidade de escolha e execução de um projecto concreto e estruturado de tratamento/acompanhamento da pessoa com problemas de toxicodependência.

7. No caso dos autos, verifica‑se que o Tribunal, ao fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, começa por afirmar: A convicção do tribunal assentou, em primeira linha, nas declarações confessórias do arguido, desde logo iniciadas em audiência com a singela expressão “é verdade”.

Expressão esta que, na sua simplicidade, bem espelha não estarmos perante um “delinquente”, mas sobretudo perante uma “pessoa doente”.

Aliás, o facto de o recorrente se afirmar vítima da sua toxicodependência — como consta no acórdão recorrido: «Sem embargo da declarações confessórias do arguido, não denotámos qualquer arrependimento; pelo contrário, a sua postura revelou ausência de crítica no que respeita aos comportamentos imputados, falta de empatia para com o ofendido, desvalorização da gravidade dos factos e toda uma atitude de vitimização face à toxicodependência, de resto em consonância com o relatório social» — revela, por um lado, uma forma de estar simples e genuína face à sua doença, e, por outro lado, acentua a gravidade da sua concreta dependência.

Pretender que o recorrente, que está há muito tempo — mais de 10 anos — num processo de crescente dependência de heroína e de cocaína, deve nutrir outro sentimento que não o de se considerar uma verdadeira vítima da sua circunstância, da sua dependência, é, salvo o devido respeito, não ter presente que ninguém se torna dependente de estupefacientes por assim o querer, e o quanto é difícil superar com êxito essa dependência, sobretudo quando escasseiam os meios de acompanhamento e concorre uma certa facilidade na obtenção do estupefaciente, por vezes, e lamentavelmente, bem próximo até de centros de atendimento a pessoas com problemas de toxicodependência.

8. Assim, tendo em consideração, nomeadamente: — a natureza do crime praticado; — o valor de que se apropriou — 230.00€; — o facto de não ter causado ofensa à integridade física do ofendido; — o facto de na génese da sua actuação encontrar‑se uma clara situação de dependência de estupefacientes; — o facto de o recorrente ter cometido o crime de roubo para adquirir, com os 230.00€ que retirara da caixa registadora, estupefaciente para consumir; — a conhecida influência das situações de toxicodependência na diminuição da liberdade de determinação da vontade em harmonia com os valores com tutela jurídico‑criminal, considerando a sabida “pressão” para obtenção directa ou indirecta de estupefacientes, num ciclo permanente de difícil superação — obtenção de meios, aquisição de produto, consumo do produto, obtenção de meios; — a filosofia subjacente ao Dec.‑Lei nº 15/93, de 22.01, plasmada nos seus artigos 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 52.º e 55.º, no sentido de a intervenção penal dever concorrer, com o sistema de saúde, para o tratamento e reinserção da pessoa com problemas de toxicodependência que tenha, nomeadamente, cometido crimes com ela conexos; — a confissão do recorrente, parece-nos que uma pena de quatro anos de prisão, sem ofender o limite que a culpa constitui, responderá com suficiência às exigências da culpa e da prevenção.» 5. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente nada veio dizer.

6. Colhidos os vistos em simultâneo e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão, cumprindo apreciar e decidir.

*** II. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. Fundamentação de facto.

A 1ª instância deu como provada e não provada a seguinte matéria de facto: 2.1.1. Factos provados : « Da acusação 1. No dia 24 de abril de 2016, cerca das 02:30, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “..., explorado por BB, com o propósito de se apoderar de dinheiro e de objetos de valor que ali encontrasse; 2. Uma vez ali chegado, apercebeu-se de que o estabelecimento estava encerrado, encontrando-se o ofendido CC no seu interior; 3. Não obstante, o arguido logrou que o ofendido lhe abrisse a porta, sob o pretexto de precisar de um copo de água com açúcar; 4. Tirando partido do momento em que o ofendido abriu a porta para lhe entregar o solicitado copo de água, o arguido empurrou-a, logrando entrar no antedito estabelecimento comercial; 5. Em ato contínuo, o arguido dirigiu-se à caixa registadora, tendo exigido ao ofendido que a abrisse e que lhe entregasse €5,00, ao que o este, assustado, acedeu abrindo a caixa registadora; 6. Ato contínuo, o arguido abriu uma navalha que transportava consigo, com 19cm de comprimento, sendo 8cm de lâmina, e disse ao ofendido: “Periquito, dá-me esse...

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